Guerra: bombardeios deixam patrimônios culturais em risco na Ucrânia

Conflito já provocou danos em pelo menos 80 locais de valor cultural no país

Teatro de Mariupol ficou destruído após ataque russo
Foto: Reprodução/Twitter
Teatro de Mariupol ficou destruído após ataque russo


Desde o início da invasão russa à Ucrânia , em 24 de fevereiro, cada dia de guerra apresenta um novo desafio para a proteção não apenas da população civil, mas também dos bens culturais do país.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o conflito já provocou danos totais ou parciais em pelo menos 80 locais de valor histórico, cultural ou religioso, incluindo igrejas, prédios, museus e monumentos de oito regiões.

Kharkiv, no nordeste do país, é uma das regiões mais afetadas e contabiliza danos causados por bombardeios russos no Memorial do Holocausto, no Teatro Nacional de Ópera e Balé e no Museu de Arte, entre outros.

No entanto, até o momento não há registro de danos nos patrimônios tombados pela Unesco na Ucrânia, incluindo a Catedral de Santa Sofia, em Kiev, e o centro histórico de Lviv.

Em entrevista à ANSA, a pesquisadora Izabela Tamaso, professora da Universidade Federal de Goiás e especialista em preservação do patrimônio, diz que locais históricos são afetados não apenas por bombas e tiros, mas também pelo "esgarçamento dos tecidos simbólicos e culturais" de um país.

"O impacto é tanto pelas perdas humanas, de fatalidade, de perda de vida, como pelas perdas da fuga de ucranianos do país. Não existe patrimônio sem gente", afirma.

A pesquisadora ressalta que a guerra faz as pessoas saírem "de bairros e sistemas simbólicos menores, onde patrimônios são compartilhados ao longo de séculos e décadas".

"Com as mortes e fugas das pessoas, dos mestres, artesãos e anciãos que transmitem esses saberes, a gente tem um esgarçamento da transmissão dessas tradições, e isso, a médio e longo prazo, pode ter um impacto muito grande na cultura da Ucrânia de maneira geral", afirma.

Segundo Tamaso, embora prédios e monumentos sejam fundamentais para a história da humanidade e do leste europeu, essa materialidade pode ser reconstruída, mas a perda humana não se refaz.

A ONU estima que mais de 1,4 mil civis morreram desde o início da invasão, mas acredita-se que o número real de vítimas é muito maior. Além disso, mais de 5 milhões de pessoas já fugiram do país por causa da guerra.

"A perda de um conjunto de sistemas simbólicos e culturais que porta signos, valores, uma visão de mundo... Uma vez esgarçado, a recomposição é muito mais complexa do que a reconstrução de uma edificação", conclui Tamaso.

Proteção - Em comunicado divulgado recentemente, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, informou que "o patrimônio cultural precisa ser protegido como um testemunho do passado, mas também como catalisador da coesão para o futuro, sendo que a comunidade internacional tem o dever de preservar".

Desde o início da invasão, a Unesco e outras instituições internacionais iniciaram várias iniciativas para proteger locais e bens culturais, incluindo a criação de um sistema de monitoramento por satélite.


O governo da Itália, por exemplo, instituiu uma força-tarefa destinada a proteger patrimônios culturais ameaçados por conflitos armados ou fenômenos naturais ao redor do mundo.

A Unesco e as autoridades da Ucrânia trabalham para marcar esses locais no país com o distintivo "Escudo Azul" da Convenção de 1954 para a Proteção da Propriedade Cultural durante Conflito Armado.

Na tentativa de preservar a memória ucraniana, já existe um projeto para ajudar cidadãos a "capturar qualquer coisa que eles julguem culturalmente significante". A iniciativa "Backup Ukraine" prevê o escaneamento e armazenamento online em 3D de bens culturais do país.

"A tecnologia está aí para ser usada. Toda alternativa precisa ser acionada. É possível a recuperação de um sistema simbólico, de uma prática, de um saber fazer determinada arte, que é passado de geração em geração, mas precisa de suporte das instituições", afirma Tamaso.

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