Na noite desta segunda-feira, o chanceler da Rússia, S ergei Lavrov, fez um alerta grave sobre os riscos de o conflito na Ucrânia se expandir e se tornar uma Terceira Guerra Mundial .
Em uma entrevista à emissora estatal Canal Um, um jornalista perguntou ao ministro o quão séria era a ameaça de uma nova Grande Guerra, comparando a situação atual à crise dos mísseis em Cuba, em 1962.
Lavrov respondeu:
"Agora os riscos são muito significativos. Não quero os inflar artificialmente. Há muitos que o desejam. O perigo é sério, real. Ele não pode ser subestimado."
Há vários motivos para acreditar que Lavrov quis soar intimidador com sua declaração, em vez de apenas ter feito uma análise fria do que realmente pensa. As suas ameaças podem minar o apoio à ajuda militar dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) à Ucrânia, assim como às sanções econômicas contra a Ucrânia. A Rússia sabe que, em um conflito direto com a Otan, os riscos de um apocalipse nuclear seriam elevados.O chanceler russo também disse que “uma guerra nuclear é inaceitável. Esta é a posição de Moscou”.
Se o risco de uma nova Guerra Mundial — que pode ou não envolver o uso de armas nucleares — permanece baixo, ele, no entanto, não é zero. Embora os EUA e seus aliados continuem a dizer que não se envolverão diretamente no conflito, sua participação se intensifica de modo gradual, e há várias formas como os países podem ser arrastados para um confronto direto, independentemente do que pretendam neste momento.
Há vários agravantes das tensões. A maioria das análises entende que a guerra se encerrará com um acordo diplomático, sem uma vitória completa de nenhuma das partes, mas o diálogo entre Kiev e Moscou perdeu força há semanas. No campo de batalha, os métodos se tornam mais destrutivos. Fora dele, os ataques verbais ficam cada vez mais virulentos. A Otan também agora demonstra abertamente a ambição de minar o poder de Vladimir Putin, o que pode torná-lo mais imprevisível.
Os cenários concebíveis para a transformação da guerra da Ucrânia em um conflito direto entre superpotência variam desde um ataque russo contra linhas de abastecimento militar em países vizinhos da Ucrânia como a Polônia, que motivem retaliações da Otan, até o disparo precipitado de uma ogiva atômica por Rússia ou Estados Unidos.
Definição de guerra
A primeira discussão é sobre o que significaria uma nova guerra mundial. Segundo Stephen Werthein, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, “a Terceira Guerra Mundial teria de pelo menos envolver uma guerra convencional ou nuclear entre as forças russas e da Otan”. Ele não considera necessário desenvolver uma definição rígida do termo, e discorda de quem diz — como o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky — que esta guerra já pode ter começado.
"Hoje não estamos em uma situação tão dura. As forças russas estão lutando para derrotar a Ucrânia, um adversário muito menos imponente do que a Otan seria. A Rússia não atacou países da Otan. A Rússia seria muito tola em tentar fazê-lo" afirmou Wertheim numa entrevista.
O apoio da Otan à Ucrânia, no entanto, cresce a cada dia. Na segunda-feira, no final da breve visita à Ucrânia e horas antes da declaração sobre o risco de uma guerra mundial de Lavrov, o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, declarou que o objetivo dos Estados Unidos é “ver a Rússia tão enfraquecida a ponto de não mais poder fazer coisas como invadir a Ucrânia”.
Na mesma visita, Austin falou com otimismo sobre a perspectiva de uma vitória ucraniana. Segundo o New York Times, os comentários de Austin, reforçados por declarações do secretário de Estado, Antony Blinken, sobre como Putin “já perdeu” na luta pela Ucrânia, expressam uma decisão tomada pelo governo Biden de que a Ucrânia, com a ajuda ocidental, vá derrotar militarmente as forças russas nos próximos meses, à medida que a batalha avança para o Sul e Leste do país.
A decisão dos EUA e seus aliados de aumentarem o fornecimento de armas a Kiev, anunciada na terça-feira, tem a ver com este otimismo. Em uma reunião com mais de 40 países, Austin afirmou que eles estão preparados para mover "céus e terra" para dar mais armas e munições para a Ucrânia, para que ela possa continuar a combater a "invasão injusta" da Rússia.
"A Ucrânia claramente acredita que pode vencer e todos aqui também" disse Austin.
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O fornecimento de armas ocidentais, no entanto, pode motivar a Rússia a lançar um ataque contra estas linhas de suprimento militar — possivelmente, em território polonês. A Polônia é um membro da Otan, e, se atacada, a aliança se veria impelida a retaliar. Mesmo que a retaliação fosse limitada — a Otan é atravessada por hierarquias políticas, e a influência dos países do Leste é menor do que, por exemplo, a da Alemanha — isto poderia desencadear uma espiral de agressões fora do controle.
Além disso, a Rússia pode buscar uma medida intimidatória contra um país da Otan caso se sinta sob ameaça. O Ministro das Forças Armadas do Reino Unido, James Heappey, disse ser legítimo que a Ucrânia use armas ocidentais para atacar alvos dentro da Rússia. Isto pode levar o Kremlin a alegar um temor existencial e tomar uma medida muito agressiva — como um ataque nuclear limitado — como forma de dissuasão.
Ataque de dissuasão
Em um discurso no Parlamento russo nesta quarta-feira, Putin emitiu um novo alerta neste sentido, como já o fez várias vezes desde antes o início da guerra.
"Se alguém decidir se intrometer em eventos em andamento e criar ameaças estratégicas inaceitáveis para a Rússia, deve saber que nossa resposta será rápida como um raio" afirmou o presidente russo. — Temos todos os instrumentos para isso, dos quais ninguém mais pode se gabar. E nós os usaremos, se preciso for.
A doutrina russa para o uso de suas armas nucleares foi revista em junho de 2020, e diz que o país considera as armas nucleares “exclusivamente como meio de dissuasão”. A estratégia da Rússia, segundo o texto, “é defensiva por natureza, visa manter o potencial das forças nucleares em um nível suficiente para a dissuasão nuclear e garante a proteção da soberania nacional e a integridade territorial do Estado”.
Mas o documento sugere que a Rússia pode recorrer ao uso de bombas atômicos caso sofra uma derrota em um conflito convencional: “no caso de um conflito militar, esta política prevê a prevenção de uma escalada de ações militares e seu término em condições que são aceitáveis para a Federação Russa e/ou seus aliados”, diz.
O entendimento mais comum desta doutrina é de que ela consiste em uma política de “acirrar para abrandar”. O ataque poderia se dar sobre uma área limitada, como por exemplo uma explosão como demonstração da força sobre o Mar Negro, ou então em uma área pouco povoada, tal como um tiro de advertência.
Só o fato de esta possibilidade ser verossímil já cria uma situação instável, na qual não é somente a Rússia que pode lançar um ataque. Caso os EUA leiam sinais errados, podem atacar preventivamente, inclusive de forma decisiva. Desde 1945 não ocorre nenhum ataque nuclear, e nunca dois inimigos agrediram-se mutuamente com bombas atômicas.
Por fim, permanece em aberto o que significa uma vitória ucraniana, como agora propagam os EUA e a Otan. Segundo Anatol Lieven, do Quincy Institute for Responsible Statecraft, um triunfo da Ucrânia pode significar a independência do território, liberdade para aderir à União Europeia e soberania sobre a grande maioria do seu território, “objetivos legítimos e necessários”, segundo o pesquisador.
Por outro lado, contudo, a Ucrânia pode buscar metas inaceitáveis para o Kremlin. A Rússia tomou muitos territórios da Ucrânia desde 2014, incluindo a Crimeia, e a grande maioria do povo russo hoje acredita que a região faz parte do país. Se quiser reconquistar a península, isto significará a expulsão completa das forças russas, um acordo que nenhum líder russo irá aceitar.
“Nenhum futuro governo russo poderia concordar em desistir [da Crimeia]. Um objetivo de vitória ucraniana completa implica de fato na destruição do Estado russo – e é para evitar isso que existe o arsenal nuclear da Rússia”, escreveu Lieven em um artigo publicado nesta quarta-feira.
Neste caso, não necessariamente a Terceira Guerra Mundial, mas sim ataques nucleares se tornariam novamente uma opção — o que, de novo, lançaria a humanidade em um território nunca antes explorado.
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