Ucrânia: quais os riscos do envio massivo de armas durante a guerra?
Especialistas analisam destino das armas enviadas à Ucrânia durante o conflito e trazem estimativas para o pós-guerra
Sem muita efetividade nas negociações para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia , o envio massivo de armas e munições por parte dos países do ocidente parecem ter sido a escolha dos líderes mundiais para lidar com o conflito. Entretanto, no que pode culminar o fornecimento de tanto armamento militar no cenário atual e no pós-guerra?
Ainda não há previsão para o fim do confronto, e a questão pode prolongar a guerra, visto que as negociações andam em círculos e as sanções, determinadas pelos Estados Unidos e pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), parecem não abalar a Rússia.
Um acordo internacional de paz ainda não foi selado e, se observadas as entrelinhas, a guerra vai além de um conflito regional entre a Rússia e Ucrânia, a disputa envolve importantes potências como os EUA e a União Europeia, que atuam indiretamente na questão. É desses países que partem as armas, formando uma aliança que desagrada russos.
No início da guerra, Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia , pediu ajuda militar aos países ocidentais. "A luta é aqui, eu preciso de munição, e não de uma carona", disse, após uma oferta dos Estados Unidos para deixar a Ucrânia.
A corrida também é contra o tempo, já que a Rússia tem condições de tomar as fronteiras ucranianas fazendo com que os armamentos não cheguem ao território. Contudo, pesquisadores e internacionalistas acreditam que a UE e os EUA estão atiçando essa estratégia armamentista, ao invés de eliminá-la.
“O papel da comunidade internacional desde as Nações Unidas até os EUA, e de forma prioritária a União Europeia, deveria ser pensar estratégias para permitir que o conflito derive para uma solução”, afirma Beatriz Bissio Staricco, internacionalista, professora em ciências políticas na UFRJ e vice-diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais.
Para ela, a estratégia utilizada para combater a guerra está levando a Ucrânia para um buraco.
“A Otan, os Estados Unidos e a ONU estão contribuindo para acabar com a Ucrânia de uma forma cruel. Esse incentivo ao armamento, ao contínuo fluxo de armas, está contribuindo para a morte de civis que muitas vezes estão pegando em arma sem nenhum treino. Do ponto de vista de uma análise fria e militar, os ucranianos estão sendo levados para um buraco”.
Cerca de 2.500 pessoas tornaram-se vítimas da guerra desde o dia 24 de fevereiro, data do início do conflito. Segundo um levantamento feito pela ONU, 2.571 civis foram afetados diretamente pelas ações dos militares, sendo que 977 morreram e 1.594 ficaram feridos até o momento.
Para que os civis não sejam mais afetados brutalmente, como no caso do recente massacre em Bucha , cidade próxima a Kiev, capital da Ucrânia, uma conduta diferente seria necessária.
Beatriz afirma que “acabar imediatamente com esse grande envio de fluxo de armas e convocar uma grande conferência, onde estejam representados naturalmente a Ucrânia e a Rússia, mas com participação expressiva da Europa, dos Estados Unidos, da China e o sul global, que hoje é uma força”, seria a solução.
Um acordo de paz, no entanto, teria que partir de uma renúncia da Ucrânia, como opina a também internacionalista e especialista em mercado de capitais derivativos pela PUC-MG, Lais Nascimento.
“Para as negociações de paz alavancarem, a Ucrânia vai ter que assumir uma neutralidade militar, que configura uma das demandas de segurança da Rússia, que levou a essa invasão. E pra isso, a Ucrânia vai ter que declarar que não vai entrar na Otan nesses próximos anos”.
Os armamentos podem cair em mãos erradas?
Agora ou no pós-guerra, as armas podem chegar nas mãos de grupos terroristas, milícias, traficantes e guerrilheiros de diversas partes do mundo que podem ter acesso a esse arsenal e alimentar dinâmicas de violência e instabilidade política.
As especialistas concordam que o envio de armamento não é benéfico e pode sim chegar em esferas perigosas.
“É bastante complicado assegurar que essas armas sejam novamente recolhidas e estejam sob controle de uma autoridade que tenha suficiente noção que essas armas não possam ser usadas nas ruas por milicianos. Isso é muito difícil de assegurar”, declara Beatriz.
A professora ainda afirma que é um cenário perigoso por já existirem milicianos na Ucrânia.
“A Ucrânia, infelizmente, possui muitos desses grupos de milícias, formados majoritariamente por pessoas de extrema-direita, e isso é um dado que vem sendo analisado desde antes da guerra. Isso é perigoso porque não há nenhuma segurança que eles ficarão pacíficos pós-guerra”, afirma Beatriz.
Lais aponta que além de ser perigoso para a própria diplomacia ucraniana, o envio de armas também é uma questão que a Rússia não quer, porque estaria fortalecendo um vínculo entre a Ucrânia e Otan.
“O armamento pode cair em mãos erradas como aconteceu Líbia, por exemplo, milícias tomaram o governo. E mais do que isso, a gente acredita estar numa guerra por procuração, que é onde duas potencias não se enfrentam diretamente, elas têm um terceiro estado envolvido que fazem essa intermediação, que é o que acontece por meio de armamentos. Essa intermediação não agrada a Rússia, esse é um dos motivos do interesse russo em uma neutralidade militar da Ucrânia”.
Armamento nuclear
Desde quando a Rússia tomou Chernobyl e a maior usina nuclear da Europa, a Zaporizhzhia , ambas localizadas na Ucrânia, o mundo todo ficou em estado de alerta. Seria a Rússia capaz de utilizar de armas nucleares para vencer a guerra?
Beatriz Bissio não acredita nessa possibilidade. “É muito difícil. Imagino que um chefe de Estado não se sinta a vontade de pensar nesta solução, pois sabemos que é final.
Sobre uma possível guerra nuclear, há ressalvas. “Só se a Rússia se sentisse absolutamente acuada e ameaçada na sua própria integridade. Mas confio que não chegará nesta situação”, afirma Bissio.
Laís acredita na possibilidade. “Eu acho que a probabilidade não é muito alta. Mas, em 2018, Putin deu uma declaração afirmando que não faria sentido o mundo existir sem a Rússia, então não sei até que ponto ele pode ir. Nós acreditávamos que ele não fosse invadir a Ucrânia e ele invadiu, então não dá pra prever”.
Sobre as consequências de uma guerra nuclear, ela afirma que “seriam devastadoras pra todo mundo, inclusive pra quem não tem nada a ver com a situação”.
“Uma guerra nuclear, mesmo que regional, com não muitas explosões, vai devastar a terra por décadas, então não seria uma destruição regional, destruiria a terra inteira”, acrescenta a especialista em mercado de capitais derivativos.
Quando a guerra terá fim?
Para que pontos de convergência sejam estabelecidos entre os países, é necessário ouvir cada lado. Para Beatriz, uma alternativa seria resgatar o conceito de “indivisibilidade da segurança”, que surgiu no marco da atuação da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), durante a Guerra Fria.
“Os europeus criaram esse conceito de “indivisibilidade da segurança”, onde eles buscavam conviver sem precisar de um conflito nuclear. Ele significa que todos os países têm que se sentir seguros para haver paz. Ou seja, a segurança é um conceito indivisível”.
A internacionalista defende que esse acordo deveria fazer parte das negociações. “Essa situação permitiria que se colocassem esse conceito na mesa de negociações, a guerra acabaria. Claro que não se apaga o sofrimento das pessoas e tudo que ela causou, mas se encontra uma saída”, finaliza Bissio.
Para Lais Nascimento, um ponto-chave para as negociações e consequentemente o fim da guerra, seria a Ucrânia assumir a desejada neutralidade militar. “Enquanto o Zelensky não abrir mão da Otan e da União Europeia, eu acho pouco provável o Putin ceder”.
Um outro caminho para o cessar-fogo seria a Ucrânia se tornar pró-Rússia.
“Eu acho pouco provável, mas não temos como mensurar até onde Putin pode ir. Mas é possível que a Ucrânia se torne um governo pró-Rússia, por mais que os interesses claros dos russos sejam as regiões separatistas. Isso apesar de ser pouco provável também seria um acordo de paz, porque a guerra cessaria”, completa Lais.
** Leticia Martins é estudante de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. É estagiária de Último Segundo, com foco em Hard News. Tem experiência em assessoria de imprensa, é fascinada em política e causas sociais. Certificada em missões urbanas, trabalha como voluntária em ONG´s que auxiliam refugiados no Brasil.