‘É uma ferida sempre aberta’, diz sobrevivente do 11 de setembro
"Perdi cerca de 200 amigos no World Trade Center, onde eu trabalhei por vinte anos"
O porto-riquenho William Rodriguez (foto), hoje com 60 anos, limpava as escadas das Torres Gêmeas, em Nova York. Bem cedo, costumava tomar um café da manhã de graça no restaurante Windows of the World, que ficava nos andares 106 e 107 da Torre Norte. No dia 11 de setembro de 2001 , quando tinha 40 anos, ele chegou atrasado para o trabalho e desceu para conversar com o supervisor, em um dos seis subsolos do edifício. Foi quando ouviu o primeiro avião bater contra os prédios. As paredes racharam, o chão tremeu e os dispositivos contra incêndio começaram a esguichar água.
Nos 102 minutos seguintes, Rodriguez, saiu e entrou no prédio diversas vezes, socorrendo vítimas com queimaduras, carregando um cadeirante e conduzindo uma equipe de bombeiros pela escada até o 39º andar. Enquanto subia, o faxineiro abriu as portas de emergência com uma chave-mestra, o que permitiu a saída de centenas de pessoas. Ele foi um dos últimos a passar pelas portas giratórias do edifício. Correu por entre os corpos de pessoas que tinham pulado dos andares mais altos e se jogou embaixo de um carro de bombeiros. Foi retirado dos escombros horas depois. Hoje, ele vive em New Jersey e dá palestras pelo mundo todo. Neste sábado, 11, o atentado às Torres Gêmeas completa duas décadas. Rodriguez falou com Crusoé :
Vinte anos após o 11 de setembro, o que o sr. sente quando toca nesse assunto?
É uma ferida sempre aberta, porque estou sempre recordando alguma coisa. Não há um único dia em que eu não me lembre do que aconteceu naquele 11 de setembro. Como outros sobreviventes, sofro de estresse pós-traumático e carrego a culpa que vem com a síndrome do sobrevivente. Minha casa está cheia de objetos do World Trade Center. Vivo em um pequeno museu.
Por que decidiu ficar com essas memórias?
Perdi cerca de 200 amigos no World Trade Center, onde eu trabalhei por vinte anos. Quando eles desapareceram, abriu-se um vazio destruidor dentro de mim. Então eu decidi glorificar a vida daquelas pessoas. Afinal, não eram as torres que importavam. Era o que estava dentro delas. Também assumi uma missão, por acreditar que a violência não é mais importante que a compaixão. Me converti em um ativista. Ninguém estava defendendo as vítimas do atentado, principalmente os latinos que não tinham documentos. Quando criaram um fundo federal, eles nem sequer foram incluídos. Além disso, começou um ódio contra todos os estrangeiros e muitos imigrantes começaram a ser deportados. Então eu passei a defendê-los.
Como estão hoje as pessoas que o sr. ajudou a salvar?
Muitas ainda estão sofrendo. Há sete anos, eu falei com uma delas, Kenneth Johannemann, para um documentário de uso pessoal. Três dias depois, ele cometeu suicídio com uma pistola. É como se Kenneth estivesse esperando que alguém fosse até ele e lhe desse a oportunidade para falar sobre o que ele tinha passado. Muitos ainda precisam de ajuda psicológica. Essa foi uma tragédia que não apenas mudou a história do mundo, como afetou diretamente a vida de muitos inocentes.
Por que o sr. organizou passeatas contra a Guerra do Iraque?
Quando os militares americanos foram para o Afeganistão, em 2001, havia um ódio tão grande na sociedade que as pessoas apoiaram a guerra. Depois, o então presidente americano George W. Bush tentou conectar o 11 de setembro com o Iraque. Mas não havia relação alguma. O ditador iraquiano Saddam Hussein e o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, se odiavam. Então o presidente passou a falar que Saddam tinha armas de destruição em massa. Foi aí que nos demos conta que eles estavam usando nossa tragédia para um fim político. Queriam criar uma guerra de medo.
A retirada de tropas do Afeganistão, ordenada pelo atual presidente Joe Biden, tem algum significado para as vítimas?
Acho correta a saída do Afeganistão, mas isso tinha de ter acontecido há dez anos. Se tivessem feito antes, teria sido sem pressa e sem perder confiança dos nossos aliados. A maior desgraça para quem sobreviveu ao 11 de setembro é ter de lidar com a morte de tantos soldados no Afeganistão enviados para nos defender. É um significado muito grave.
O sr. acha que um acontecimento como o 11 de setembro pode se repetir?
Posso te garantir que vai ocorrer de novo. Não sabemos como, nem quando, mas vai acontecer. Talvez não seja em solo americano, mas em outro país. O terrorismo tem uma grande capacidade de fazer o mal não só quando matam pessoas, mas ao afetar a todos os outros, psicologicamente. O terrorismo cria um medo que nunca vai embora.