Na primeira visita de funcionários de alto nível da Casa Branca ao Brasil desde a posse de Joe Biden, em janeiro, a agenda da missão que chega hoje a Brasília, liderada pelo conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, é profundamente pragmática e concentrada em questões prioritárias para os Estados Unidos, com o leilão da tecnologia de telefonia móvel 5G, disseram fontes ouvidas pelo GLOBO.
Diferentemente da relação mais fluida e abrangente que o governo Biden tem com a Argentina, país que a equipe de Biden visitará amanhã, com o governo do presidente Jair Bolsonaro sabe-se que as diferenças políticas tornam difícil um vínculo que vá além da possibilidade de trabalhar juntos em interesses comuns.
Embora tenha atacado a política ambiental do governo brasileiro na campanha eleitoral do ano passado, desde que assumiu o poder, Biden evitou abrir frentes de conflito com o Brasil, decepcionando a ala esquerda do Partido Democrata.
Os pontos mais sensíveis da relação continuam sendo a adesão de Bolsonaro às falsas denúncias de fraude eleitoral do ex-presidente Donald Trump, e, mais importante, o combate às mudanças climáticas. Numa clara sinalização de que não existe confiança nas promessas feitas por Bolsonaro na Cúpula de Líderes sobre o Clima organizada por Biden em abril, a missão americana se reunirá com governadores da região amazônica.
Cibersegurança
A lista de enviados ao Brasil e à Argentina inclui os diretores do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental, Juan Gonzalez; para Tecnologia e Segurança Nacional, Tarun Chhabra; e para Estratégia de Cibersegurança, Amit Mital. Também está no grupo o alto funcionário do Departamento de Estado Ricardo Zúñiga. No início de julho, esteve em Brasília o diretor da CIA, William Burns.
Uma fonte envolvida com a visita informou que Sullivan será recebido pelo presidente. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, poderá participar da conversa. Oficialmente, o conselheiro de Segurança Nacional terá reuniões com o chanceler Carlos França; o ministro da Defesa, Braga Netto; o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno; e o secretário especial de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha.
"Trata-se de uma visita muito importante. Sullivan trabalha diretamente com o presidente Biden, e a presença de funcionários como González, Zúniga, Chhabra e Mital significa que é uma missão não apenas americana, é uma missão da Casa Branca que reconhece a importância do Brasil", afirma o ex-embaixador em Brasília Thomas Shannon, para quem o leilão do 5G ocupa uma posição prioritária na agenda americana: "A questão China é central, e dentro dela o 5G é crucial".
Shannon acredita que os enviados de Biden trarão mensagens claras para o governo, mas também para a sociedade.
"Será expressado o desejo de trabalhar juntos. A relação bilateral possível está baseada em interesses comuns, é pragmática", frisa o embaixador.
Do lado brasileiro, a expectativa é de que os enviados de Biden reforcem a pressão, feita desde Trump, pela exclusão da empresa chinesa Huawei da lista de fornecedores de equipamentos para a implantação da rede 5G, sob o argumento, negado pelos chineses, de que Pequim poderia ter acesso a dados sigilosos do governo.
A previsão é de que o leilão aconteça este ano, segundo informou a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ao TCU (Tribunal de Contas da União), que se pronunciará sobre o edital no dia 18. O documento não exclui a Huawei da rede comercial, mas cria uma rede separada para o governo, da qual a empresa não participaria, segundo já disse o ministro Fábio Faria.
A situação em Venezuela, Nicarágua e Cuba também será tratada na visita. Se com a Argentina Biden aproveita o canal de diálogo que existe entre a Casa Rosada e os governos dos três países, quando se trata de denunciá-los o Brasil de Bolsonaro está mais alinhado. Na semana passada, o governo brasileiro foi um dos 21 países que aderiu a um comunicado dos EUA condenando a repressão em Cuba. O documento nem sequer foi enviado ao governo argentino.
Floresta e eleições
Outro tema da missão será o combate às mudanças climáticas. Existe a expectativa de Sullivan renovar a cobrança de Washington por medidas concretas contra o desmatamento ilegal na Amazônia.
"Houve aproximação do governo de Biden com os ministros de Bolsonaro antes da Cúpula de Líderes do Clima. Quais foram os resultados? O governo brasileiro mudou de tom, mas não mudou a política", aponta Daniel Wilkinson, diretor da Divisão de Meio Ambiente daHuman Rights Watch (HRW), para quem a aproximação com os governadores da Amazônia é muito importante.
"A comunidade internacional está prestando mais atenção aos governadores e ao consórcio que integram. Seu compromisso com o combate ao desmatamento é bem-vindo, e se for verdadeiro, haverá muito interesse em apoiá-los".
A missão demonstra que o governo Biden está buscando maneiras de conviver com o Brasil. Não existe, na avaliação de Michael Shifter, diretor do Diálogo Interamericano, centro de estudos de Washington, “ânimo de brigar com o Brasil, apesar das pressões dentro da coalizão democrata”: "Estão ganhando os pragmáticos e moderados, como Sullivan. Claro que, se Bolsonaro fizer algo radical, Biden terá de se posicionar".
Shifter acredita que um cenário de confronto com Bolsonaro será evitado ao máximo, até porque, ressaltou, “existe a consciência de que isso teria impacto na política interna brasileira, e os EUA não querem ter qualquer participação na polarização entre Bolsonaro e o PT”.
Biden e muitos dos integrantes de seu governo se relacionaram com governos do PT, mantendo então boas relações. Hoje, cientes de que o Brasil vive um clima de pré-campanha, o objetivo é focar no pragmatismo para evitar favorecer ou irritar qualquer um dos dois lados da disputa.