Com agenda incerta, encontro com Bush é "ponto alto" da ida de Bolsonaro aos EUA

Encontro com o ex-presidente George W. Bush, opositor confesso de Trump, tende a ser principal momento da visita já marcada pelas polêmicas

Foto: Isac Nóbrega/PR
Viagem de Bolsonaro aos EUA, a quinta desde o início do governo, pode atrapalhar relação com Donald Trump

Quando pousar em Dallas, na manhã da próxima quarta-feira (15), em sua quinta viagem internacional, o  presidente Jair Bolsonaro terá pela frente dois dias com uma agenda ainda incerta, cujo ponto alto até agora pode lhe trazer resultados dúbios: um encontro com o ex-presidente George W. Bush.

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Se, no Brasil, o republicano que esteve à frente dos Estados Unidos nos ataques do 11 de Setembro, na guerra contra o terror e na crise do Lehman Brothers é, para muitos, um exemplo de conservador, nos EUA é uma das mais potentes vozes opositoras ao presidente Donald Trump. E isso pode acabar se tornando um "problema" para Bolsonaro .

Como o presidente brasileiro não esconde que pretende ter uma relação especial com o atual inquilino na Casa Branca — inclusive tendo dito, ao seu lado, em março, que confia em sua reeleição em 2020 — marcar uma agenda com um de seus arquirrivais pode azedar as relações.

"Não acredito que Trump vá mudar imediatamente sua relação com Bolsonaro, até pelo fato de o Brasil, atualmente, não estar no radar do americano. Mas não podemos esquecer que ele leva todos os temas para o lado pessoal e tende a ser rancoroso", afirma Oliver Stuenkel, professor-adjunto de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV).

Ele diz que o presidente brasileiro precisa adotar cautela nesta viagem. A família Bush nunca escondeu problemas com Trump . O ex-presidente George H. W. Bush, que morreu em novembro aos 94 anos, admitiu que, em 2016, votou na democrata Hillary Clinton.

Seu filho, o também ex-presidente George W. Bush , disse ter votado em branco. O irmão dele, Jeb Bush, ex-governador da Flórida, enfrentou Trump nas primárias republicanas, quando foi, por diversas vezes, ridicularizado pelo atual presidente americano. Esta postura da família levou a uma aproximação do clã Obama, em especial de Michelle, que ganhou do ex-presidente um doce durante o funeral de Bush pai, em dezembro.

"O conservadorismo é dividido nos Estados Unidos . Trump é a vertente de sua ala mais populista, enquanto o ex-estrategista Steve Bannon, também próximo de Bolsonaro, é da ala mais radical. O clã Bush representa a corrente tradicional, que está em queda", diz Stuenkel.

Guilherme Casarões, professor da FGV nas áreas de Administração Pública, Ciência Política e Relações Internacionais, afirma que este contato com os Bush não será útil a Bolsonaro se o objetivo for criar mais canais com a cúpula conservadora do governo americano:

"Do ponto de vista político, esta viagem de Bolsonaro não tem grande relevância. Da mesma forma, economicamente, os encontros com empresários não se justificam. Poderiam ocorrer até no Brasil. Assim, esta viagem tem um forte conteúdo simbólico, voltado mais para a base do eleitorado de Bolsonaro, que tem um certo fascínio pelos Estados Unidos, que representam parte da idealização deste grupo", afirma.

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Mudança após protestos

O motivo oficial para a segunda volta de Bolsonaro aos Estados Unidos é sua participação no jantar em que receberá o título de “Personalidade do Ano” da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.

Originalmente marcado para Nova York , o evento foi transferido depois de uma série de protestos contra a presença do brasileiro, que chegou a cancelar sua participação, até a mudança para Dallas. O prefeito nova-iorquino, Bill de Blasio, criticou a premiação e disse que o presidente não seria bem recebido na maior cidade americana. Também houve promessas de protestos, cancelamento de locais e desistência de patrocinadores do jantar.

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Bolsonaro chamou de Blasio de “radical” na quinta-feira, e foi apoiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Ontem, o prefeito de NY voltou a se manifestar, dizendo que o brasileiro era “homofóbico com orgulho”.

"Se eu não posso ser bem recebido em Nova York, seremos no Texas. Eu não poderia comparecer numa cidade onde o chefe do Executivo, o prefeito, no caso, se comportava como um radical, promovendo e se preparando para fazer manifestações, as piores possíveis contra a minha presença", disse, na manhã de quinta-feira.

A viagem ao Texas foi resolvida em tempo recorde, e diplomatas vêm trabalhando contra o relógio para garantir o sucesso da agenda. Não se sabe quais avanços serão obtidos na quinta viagem internacional do presidente, política e economicamente.

Grandes empresários do setor de petróleo, base da economia texana e que têm grande interesse no Brasil, nem sequer sabiam, na noite de sexta-feira, dos eventos corretos.

Da mesma forma, não estava fechada a lista de ministros da caravana presidencial. Os nomes mais cotados eram os de Paulo Guedes (Economia), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Bento Costa Lima (Minas e Energia), além do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.

Para Casarões, a estratégia de fazer viagens pensando no público interno já havia ocorrido, de certa maneira, na ida a Davos, Suíça, para o Fórum Econômico Mundial, e na passagem de Bolsonaro por Israel.

Lá, apesar de haver uma proposta de relações externas, também havia a necessidade de compartilhar na base bolsonarista a foto do presidente no Muro das Lamentações ao lado do premier Benjamin Netanyahu.

Para Casarões, o fato de o presidente estar realizando a segunda viagem aos Estados Unidos sem sequer ter pisado no Nordeste do Brasil desde janeiro também é significativo.

Além do encontro com George W. Bush e do almoço com empresários no World Affairs Councils, de Dallas, Bolsonaro receberá algum tipo de titulação da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos — que manteve os planos do jantar de gala em Nova York, sem o presidente. Bolsonaro ainda deverá prestar homenagem a John Kennedy, presidente americano assassinado na cidade.

Embora alguns grupos tentem mobilização contra Bolsonaro, em especial defensores dos direitos LGBT, os protestos tendem a ser em número muito menor do que os previstos para Nova York. Ao contrário de Blasio, seu colega de partido que controla Nova York, o prefeito de Dallas, Mike Rawlings, afirma que não vai protestar conta a visita.

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“Eu discordo fortemente de algumas das opiniões declaradas do Presidente Bolsonaro . No entanto, tenho grande respeito pelo povo do Brasil e não vou me envolver em uma luta política pública com nenhum líder eleito democraticamente”, afirmou o prefeito, em nota.

Assim, o ambiente festivo deverá prevalecer, inclusive na comitiva presidencial: ao contrário do que ocorreu na viagem de março, a primeira-dama, Michelle, acompanhará o marido ao Texas.