Ali Sipahi , de 31 anos, sócio de um restaurante em São Paulo , foi preso no último dia 6 de abril no Aeroporto de Guarulhos , acusado de terrorismo pela Turquia . A prisão de Sipahi marca a primeira ação do país governado por Recep Tayip Erdogan contra o Hizmet, movimento ligado ao religioso muçulmano Fethullah Gülen , mas considerado uma organização terrorista pelo governo turco.
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o interrogatório de Ali Sipahi, A oitiva foi marcada para o próximo 3 de maio. A defesa do acusado requereu a substituição da prisão preventiva, sustentando que é brasileiro naturalizado, tem 31 anos, atividade comercial e possui família, mulher e filho sob sua dependência fora da Turquia . Em parecer, a Procuradoria-Geral da República se manifestou contrariamente ao pedido.
Nenhum outro organismo internacional considera o Hizmet uma organização terrorista, mas a prisão de Sipahi, que já dura 19 dias, preocupa outras lideranças da comunidade turca, que também temem prisões iminentes.
Amigos contam que Sipahi está no Brasil há 12 anos, já morou em Belo Horizonte e em São Paulo, onde reside atualmente, é sócio de um restaurante na capital paulista, é naturalizado brasileiro e tem um filho nascido no país.
A Embaixada Turca no Brasil afirma, por outro lado, que o movimento Hizmet sequer existe, mas se trata de uma fachada para as "atividades da organização criminosa e terrorista FETÖ, grupo que estaria por trás da tentativa de golpe no país em 15 de julho de 2016.
Fundado pelo clérigo Fethullah Gülen, atualmente exilado nos Estados Unidos, o movimento vem sendo alvo de perseguição do governo turco desde 2013. O movimento se autodenomina uma iniciativa civil mundial, enraizada na tradição espiritual e humanística do Islã. Seus princípios básicos seriam o amor pela criação, o respeito às diferenças, a empatia pelo ser humano, a compaixão e o altruísmo. O movimento é particularmente forte na Turquia, onde criou escolas, um banco, jornais, e outros movimentos culturais. Erdogan e Gülen chegaram a ser politicamente próximos, mas se afastaram a partir de 2013, após denúncias de corrupção por um jornal ligado ao Hizmet.
A situação se tornou mais urgente em julho de 2016, quando a Turquia testemunhou uma tentativa de golpe contra Erdogan. O atual presidente culpou o movimento e os seguidores de Gülen. O movimento, por sua vez, acusa Erdogan de ter forjado um golpe para justificar a perseguição a opositores.
Sipahi é acusado de ter ajudado a organizar o movimento - considerado terrorista para Ancara - no Brasil por meio do Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT), ligado ao Hizmet. Uma das evidências seria um depósito feito por ele em uma conta que mantinha no banco Asya, ligado ao movimento Hizmet, no valor de 1.721 liras turcas, o equivalente a R$ 1,1 mil. Segundo integrantes do Hizmet no Brasil, o depósito foi feito em uma conta no nome do próprio Sipahi.
"O Hizmet teve um banco oficial na Turquia que tinha 6 milhões de clientes e o Ali tinha uma conta bancária. Ele depositou um dinheiro na sua conta. O governo vê isso uma prova de ajuda ao terrorismo. Foi para uso próprio em um banco legal que operava dentro das leis turcas. O banco também foi fechado e agora quem tinha conta nesse banco é perseguido", conta Kamil Ergin, um dos porta-vozes do movimento no Brasil.
Além das férias com a mulher e filhos, Goktepe também participou de reuniões sobre do movimento. Segundo ele, o líder do Hizmet, Fethullah Gülen já sabe da situação no país. Os pedidos de extradição feitos pela Turquia, no entanto, ocorrem no mundo inteiro. O próprio Gülen é alvo de um pedido feito pelo país para os Estados Unidos. Segundo Maristela Basso, professora da Universidade de São Paulo e especialista em Direito Internacional, a extradição é um conceito jurídico baseado no princípio da reciprocidade.
Extradição é baseada em reciprocidade
Mesmo que alguns fatores indiquem que Ali Sipahi não represente perigo para a sociedade brasileira, a Justiça brasileira é obrigada a cumprir o pedido da Turquia por reciprocidade, isto é: o Brasil tem interesse que a Turquia faça o mesmo quando a situação for inversa. Maristela, no entanto, destacou que Sipahi terá direito ao contraditório e a oportunidade para provar que é um perseguido político da Turquia. Para justificar a extradição, a Turquia, por sua vez, precisa provar que ele cometeu um crime no país e que não será condenado à pena de morte. O mandado de prisão, explica, também não é uma decisão tomada pela Justiça brasileira, mas pela Justiça turca.
"O pedido de extradição não passa pelo Poder Executivo: é do Judiciário da Turquia para o Judiciário do Brasil. O Supremo Tribunal Federal vai ouvir a pessoa de cuja a extradição se trata, vai dar o direito de defesa. Vai ouvir a Procuradoria-Geral da República. Há o contráditório e, se a pessoa tem argumentos consistentes, ela vai ficar. O Supremo não vai mandar alguém para um país onde ela será injustiçada", diz.
Mesmo assim, Sipahi já está preso há quase um mês. Seu advogado, Theo Dias, já pediu um habeas corpus para retirá-lo da carceragem da Polícia Federal, onde se encontra. Segundo ele, a acusação feita pela Turquia é parte da campanha internacional de perseguição política patrocinada por Erdogan contra simpatizantes do Hizmet. No pedido de soltura, personalidades como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Michel Schlesinger se posicionaram a favor de Sipahi, atestando a natureza pacífica do movimento ao qual o turco faz parte.
"A ausência de imparcialidade e independência do Judiciário turco é característica marcante do governo autoritário de Erdoğan. Não há garantia de que acusados serão julgados por juízes isentos, imparciais e sob a égide do devido processo legal. Há precedentes, nos quais o STF levou em consideração o risco de violação dos direitos humanos pelo Estado requerente para negar pedidos de extradição. A justiça brasileira não deve cooperar com um governo que não admite oposição política, que não respeita a autonomia do Poder Judiciário, e que não respeita tratados internacionais de direitos humanos", afirmou.
Nesta quinta-feira (25), em nota, o CCBT reafirmou que é uma "pequena comunidade vinda da Turquia para construir pontes educacionais, culturais e econômicas" formada por famílias que fugiram da perseguição na Turquia porque acreditam que o Brasil é um estado democrático de direito, seguro e respeitoso aos direitos humanos.
"Porém, neste momento, estamos muito preocupados com o pedido de extradição de um amigo empresário da nossa comunidade, enviado pelo Governo da Turquia ao Brasil", afirma o CCBT. "Presidente Erdogan é um político que utiliza todos os recursos do Estado para combater os valores fundamentais da democracia e não tolera quem discorda dele. Demonstra uma liderança ditatorial que prende, chamando de terroristas, os juízes, procuradores, professores, jornalistas, mulheres, crianças e dezenas de milhares de pessoas inocentes, só porque pensam diferente dele".
O CCBT afirmou que espera que as autoridades brasileiras avaliem a situação com mais atenção e pedimos o apoio do povo brasileiro contra essa perseguição.
Procurada, a Embaixada da Turquia disse que não comentaria as questões específicas sobre Ali Sipahi, uma vez que ele está sujeito a um processo legal em andamento, mas enviou um documento de duas páginas explicando porque, na visão do governo turco, a FETÖ (ou Hizmet) é uma organização terrorista. O documento cita que Fethullah Gülen é o mentor do golpe na Turquia em 15 de julho de 2016.
"Todas as evidências reunidas até agora, durante as investigações e julgamentos, demonstram que o ataque terrorista mais sangrento da história da Turquia foi orquestrado pela FETÖ sob as instrução de Fetullah Gülen", afirma a embaixada, que conclui que a FETÖ está presente em cerca de 160 países, com milhares de escolas, empresas, ONGs e agências de mídia, agindo da mesa forma em todo o mundo para, ainda segundo o governo turco, se infiltrar e ampliar sua influência econômica e política global, constituindo uma ameaça direta à segurança de qualquer país onde operam.