As forças dos Estados Unidos e pró-governo de Cabul, capital do país, mataram pela primeira vez mais civis afegãos do que os talibãs e outros grupos insurgentes no Afeganistão, informou um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado nesta quarta-feira (24).
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Nos primeiros três meses de 2019, as forças internacionais e pró-governo foram responsáveis pela morte de 305 civis, enquanto os grupos rebeldes mataram 227 pessoas, segundo o relatório trimestral da Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama).
Várias mortes foram registradas após ataques aéreos ou nas chamadas missões de reconhecimento do território, executadas fundamentalmente pelas forças afegãs. Algumas unidades "parecem atuar com total impunidade", afirma o documento.
"A Unama pede às forças de segurança nacional afegãs e às forças militares internacionais que façam investigações sobre as suspeitas de vítimas civis, publiquem os resultados e indenizem as vítimas de maneira apropriada", ressaltou a organização.
A ONU começou compilar estatísticas de vítimas civis em 2009, quando a situação de segurança no país começou a deteriorar. O ano de 2018 foi o mais violento até agora para os civis afegãos, com 3.804 mortos, segundo a Unama.
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Os novos números vêm a público no momento em que os Estados Unidos, com presença militar no país desde 2001, intensifica as operações aéreas e tenta negociar um acordo de paz com os talibãs , retirados do poder há 18 anos, mas hoje controladores de amplos setores do território afegão.
Há quase duas semanas, juízes do Tribunal Penal Internacional (TPI) rejeitaram o pedido da promotora Fatou Bensouda para a abertura de uma investigação sobre supostas atrocidades na Guerra do Afeganistão. A decisão, contra a qual cabe recurso, irritou grupos de defesa dos direitos humanos e livrou o Talibã, o governo afegão e o governo dos Estados Unidos de serem investigados pelo TPI por eventuais crimes de guerra que teriam acontecido entre 2003 e 2004.
Os juízes citaram o fracasso em coletar provas em um estágio inicial, a falta de cooperação dos governos envolvidos e prováveis custos proibitivos. Os promotores do TPI afirmaram em 2015 que têm evidências sugerindo que as forças internacionais causaram sérios danos aos detidos, submetendo-os a abusos físicos e psicológicos. Eles também notaram que havia evidências de violações cometidas por talibãs e forças que apoiavam o governo afegão.
Longe do fim, a guerra no país ganhou, em fevereiro, um novo capítulo, entremeado por disputas sobre próximos passos, dissenso nacional e pelo temor de uma geração pós-11 de Setembro que cresceu com menos restrições à liberdade do que as impostas pelo Talibã no período em que esteve no poder, de 1996 a 2001. Na ocasião, os EUA e o grupo fundamentalista anunciaram um esboço de acordo de paz após conversas que excluíram autoridades de Cabul.
As conversas no Qatar deixaram divergências pendentes. Enquanto os EUA exigem um cessar-fogo para deixarem o país, o Talibã demanda a retirada das tropas antes, e Cabul rejeita a articulação de um governo interino que possa debilitá-lo. Além disso, há dúvidas sobre a unidade dos insurgentes.
Derrubado em 2001, quando os norte-americanos reagiram ao ataque da al-Qaeda nos EUA, o Talibã nunca esteve tão forte desde então: relatório do Inspetor Geral dos EUA para a Reconstrução do Afeganistão (Sigar) mostrou que, em outubro, o governo controlava ou influenciava apenas 53,8% do território, onde vivem 63,5% dos afegãos.
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Segundo o New York Times , Trump já ventila retirar metade dos 14 mil soldados alocados no Afeganistão (no auge, chegaram a cem mil). O presidente Ghani tem ressaltado que as forças afegãs sucumbirão sem o principal aliado. Uma avaliação da inteligência americana em 2017 encontrou ao menos 20 grupos terroristas no país — muitos braços de al-Qaeda e EI — que poderiam crescer e preparar ataques contra o Ocidente.