A chegada do republicano Donald Trump à Casa Branca pode provocar mudanças significativas nas relações dos Estados Unidos com o mundo. Diante de declarações recentes e promessas de campanha de Trump, a BBC Brasil lista oito coisas que, potencialmente, podem mudar depois que Trump tomar posse e assumir o comando dos EUA.
1. Mudanças na maior aliança militar do mundo
O presidente eleito há muito vem tecendo críticas à Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan), a maior aliança militar do mundo, que é encabeçada pelos EUA e era vista como um dos pilares da política externa norte-americana há mais de 60 anos.
Trump já declarou que a Otan está obsoleta e descreveu seus membros como aliados ingratos que têm se beneficiado da generosidade dos EUA. Poucos dias antes da cerimônia de posse, marcada para esta sexta-feira (20), ele reiterou que "muitos" dos 28 membros do bloco não estão pagando as devidas contribuições o que, segundo Trump, é "muito injusto" para os americanos.
A crítica mais recente veio com o envio de 3 mil soldados americanos à Polônia, como parte do plano do presidente Barack Obama para gerar tranqüilidade para aliados europeus preocupados com um eventual ataque russo.
De certa forma, a retórica de Trump repete uma preocupação que já vinha sendo manifestada, uma vez que a maior parte dos membros da Otan não está cumprindo a meta estabelecida para cada membro do bloco de gastar pelo menos de 2% de seu respectivo Produto Interno Bruto (PIB) na área de defesa. Washington, por sua vez, é quem mais gasta no mundo com o setor.
Trump já afirmou que a Otan é "muito importante" para ele, mas suas declarações e críticas afastaram o clima de tranquilidade entre os sócios europeus. O ministro de Relações Exteriores da Alemanha disse que os comentários do presidente eleito dos EUA são motivo de preocupação na aliança.
2. Maior proximidade dos EUA com a Rússia
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez elogios a Donald Trump e a admiração parece ser mútua.
Durante a campanha eleitoral, o norte-americano classificou Putin de líder forte com o qual gostaria de ter uma boa relação.
Isso, contudo, foi antes de os serviços de inteligência dos EUA concluírem que a Rússia foi responsável por hackear e-mails do Partido Democrata durante a campanha eleitoral. Trump só reconheceu que os russos estavam por trás dos ataques cibernéticos há poucos dias.
A recente divulgação do conteúdo de um relatório feito por ex-espião britânico sobre as relações entre Trump e a Rússia, cuja veracidade não foi confirmada pelos serviços de inteligência dos EUA, também criou um novo e espinhoso problema para o presidente eleito. O documento, que está sendo investigado pelo FBI, traz a informação de que os russos coletaram material comprometedor sobre Trump.
Trump rechaçou as acusações e afirmou que os relatórios são "notícias falsas", sugerindo que o documento foi vazado de propósito por agentes de inteligência. A Rússia também negou as acusações.
O presidente eleito já declarou que começa o governo confiando em Putin (e na chanceler alemã Angela Merkel), mas advertiu que esse voto de confiança "pode não durar muito".
Também afirmou que vai manter as sanções dos EUA contra a Rússia "ao menos por um tempo". Contudo, durante uma entrevista, sugeriu que as sanções internacionais podem ser extintas se forem firmados "bons acordos" com a Rússia, incluindo a redução de armas nucleares.
As relações entre os EUA e a Rússia ficaram bem mais tensas durante o governo Obama, em especial por conta de diferenças sobre Ucrânia, Síria e acusações de ataques cibernéticos. Mas a dinâmica dessa relação bilateral tende a mudar significativamente durante o governo Trump.
3. O fim do livre comércio como o conhecemos
As políticas comerciais de Donald Trump podem significar a maior mudança na forma como os EUA vem fazendo negócios há décadas com o resto do mundo.
Ele ameaçou se livrar de uma série de acordos de livre comércio, incluindo o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês) entre os EUA, Canadá e México, por atribuir a eles a perda de empregos existentes. Sugeriu ainda a retirada dos EUA da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Desde que venceu as eleições, Trump tem focado em ameaçar empresas, especialmente montadoras de automóveis, dizendo que vai cobrar tarifa de 35% sobre bens manufaturados no México.
O objetivo por trás da sua política comercial mais protecionista é a criação de empregos, fechar o déficit comercial e obter "bons acordos" para os norte-americanos.
A China, especialmente, está na mira de Trump, mas não apenas por razões comerciais.
4. A política de "uma China única" ameaçada
O telefonema de Trump para a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, no início de dezembro, quebrou um protocolo de quatro décadas estabelecido entre EUA e China.
Para Pequim, Taiwan é uma província chinesa. Negar a Taiwan os direitos de um Estado independente é uma das prioridades da política externa chinesa, algo que os EUA vinham reconhecendo com sua visão política de de "uma China única".
Recentemente, o presidente eleito disse que tudo está passível de negociação, incluindo a China única. A China respondeu dizendo que se trata de um princípio que não negocia.
Essa posição conflitante levanta sérias questões sobre a trajetória da relação entre as duas maiores economias do mundo.
Mas Trump tem demonstrado pragmatismo em várias questões relacionadas à China. Retratou-se, por exemplo, depois de um de seus comentários feitos na campanha, em que disse que rotularia a China como manipuladora cambial. Agora, ele afirma que vai "falar com eles primeiro."
5. Redefinição das relações com a América Latina
O governo Trump pode provocar a maior mudança em décadas das relações entre Washington e na América Latina.
Se executadas, as promessas de construir um muro ao longo da fronteira com o México e forçar os mexicanos a pagarem por isso, de promover uma deportação em massa de imigrantes hispânicos que vivem nos EUA e de aumentar o protecionismo comercial podem mudar completamente o clima nas Américas.
A incerteza que o próximo ocupante da Casa Branca representa para a região, desde sua vitória nas eleições em novembro, tem se refletido na volatilidade do peso mexicano, que atingiu níveis recordes em relação ao dólar.
As ameaças de deportações também causaram preocupação entre brasileiros em situação irregular nos EUA.
Há ainda incógnitas sobre o que Trump pretende fazer em relação à normalização das relações dos EUA com Cuba, retomada pelo presidente Barack Obama, ou como Washington vai enfrentar a política de drogas na região.
Ainda é preciso esperar para ver como os governos latino-americanos vão reagir às ações e anúncios de Trump, embora vários analistas antecipam que, pelo menos inicialmente, prevalecerá desconfiança sobre a atmosfera de cooperação já estabelecida na região.
6. Revisão de acordo nuclear com o Irã
Para o presidente Obama, o acordo que suspendeu as sanções contra o Irã em troca de garantias de não-proliferação de armas nucleares era um "entendimento histórico".
Mas, para Donald Trump, que faz ecoar preocupações dos republicanos, o acordo foi "o pior negócio que já vi ser negociado".
Ele declarou durante a campanha que desmantelá-lo será sua "prioridade número um", mas agora diz que não quer especificar o que vai fazer.
"Quem mostra suas cartas antes de jogar?", afirmou em uma entrevista ao jormal britânico The Times quando questionado sobre o tema.
A revisão do acordo teria um impacto enorme no Oriente Médio. O Irã é um ator chave no conflito sírio e um rival histórico da Arábia Saudita e de Israel, por exemplo.
E o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, já pediu a Trump que mantenha o acordo nuclear. Ele sugeriu que os EUA deveriam respeitar o acordo, apoiado por várias potências mundiais.
O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, foi mais direto. "Se quebrarem o acordo, vamos queimá-lo", declarou, segundo a agência de notícias Associated Press.
7. Esquentando o clima no Extremo Oriente
Antes mesmo de tomar posse, o governo Donald Trump já levantava importantes questões de segurança na Ásia.
O futuro secretário de Estado, Rex Tillerson, falou em bloquear o acesso da China à ilhas artificiais que estão sendo construídas pelos chineses em uma área marítima em disputa com o Japão, no Mar do Sul da China. As declarações de Tillerson desencadearam alertas para potenciais "conflitos militares", segundo um jornal estatal chinês.
Japão e Coreia do Sul foram identificados por Trump como países que confiam demais nos Estados Unidos. O presidente eleito disse que eses dois países se beneficiariam se tivessem seus próprios arsenais nucleares.
A Coreia do Norte está desenvolvendo suas próprias armas nucleares e Trump terá que enfrentar a tarefa de conter essas ambições, algo que seus antecessores não conseguiram evitar. Não está claro o que Trump pode e vai fazer, mas ele se propôs a negociar diretamente com o líder norte-coreano Kim Jong-un.
Mas, em resposta a um recente anúncio de Kim de que a Coreia do Norte estava prestes a testar mísseis de longo alcance capazes de transportar ogivas nucleares, Trump disse no Twitter que isso simplesmente "não vai acontecer".
Trump pode até ter uma estratégia em mente, ainda não revelada. Mas o mais imprevisível presidente norte-americano já eleito negociando com o país mais imprevisível do mundo faz com que a relação entre EUA e Coreia do Norte seja vista como potencial ponto crítico nos próximos anos.
8. Adeus aos acordos climáticos
Donald Trump afirmou que "cancelará" o acordo global de Paris sobre o clima nos primeiros 100 dias de mandato e que pretende fazer tudo o que for possível para reverter regulações sobre mudanças climáticas feitas pelo presidente Obama.
Trump há negado repetidamento o argumento científico de que o homem é o grande responsável pelas mudanças climáticas no planeta, classificando tal afirmação como "ficção".
No entanto, como em muitas outras questões, Trump expressou pontos de vista contraditórios sobre o tema. Em novembro, por exemplo, ele disse ao jornal norte-americano New York Times que havia "alguma conexão" entre a atividade humana e as alterações climáticas e que "iria verificar" o Acordo de Paris, apesar de já ter decidido promover a retirada da assinatura dos EUA do documento.
Em dezembro de 2015, durante a COP-21 (conferência do clima da Organização das Nações Unidas), países concordaram em reduzir suas emissões o suficiente para manter o aumento médio da temperatura global "bem abaixo de 2°C".
O ponto central do chamado Acordo de Paris, que valerá a partir de 2020, é a obrigação de participação de todas as nações - e não apenas países ricos - no combate às mudanças climáticas. Ao todo, 195 países membros da Convenção do Clima da ONU e a União Europeia assinaram o documento.
Ainda que queira tirar o nome do acordo, os EUA ficariam formalmente ligados ao plano por quatro anos. Além disso, há "bloqueios legais e processuais" que impediriam Trump de proceder a uma revisão global da política climática dos Estados Unidos, segundo o New York Times.
Os planos do presidente eleito de renunciar ao Acordo de Paris, o despreso pelo plano de energia limpa de Obama e a disposição em seguir com o uso de carvão nos EUA têm sido condenados por ambientalistas em todo o mundo.
Defensores de combustíveis fósseis, por sua vez, dizem que os planos Trump vão priorizar as necessidades das famílias americanas, fornecendo energia a preços acessíveis, além de estimular a economia e criar mais oportunidades para as gerações futuras.