
A expressão calote climático se refere à promessa não cumprida de países ricos de fornecer apoio financeiro a nações em desenvolvimento para ajudar no combate às mudanças climáticas.
O financiamento climático e o papel dos maiores poluidores do planeta serão amplamente discutidos durante a COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será realizada em Belém no mês de novembro.
Em entrevista ao Portal iG, o economista e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Cícero Pimenta, explicou o impacto do "calote'' aos países em desenvolvimento e os motivos para os acordos climáticos não serem levados a cabo ( leia a entrevista completa abaixo).
O apoio prometido às nações com menos recursos não é fruto da generosidade dos países desenvolvidos. Uma análise do WRI Brasil mostra que, na maioria dos países, as emissões de CO₂ cresceram junto com o avanço econômico e populacional.
Não por coincidência, Estados Unidos e alguns países da União Europeia, ou seja, nações desenvolvidas, figuraram entre os maiores emissores do planeta, responsáveis pela maior parte do dióxido de carbono na atmosfera.
Ainda de acordo com o WRI Brasil, apesar de os Estados Unidos terem mantido-se na liderança das emissões de Co₂ durante o século XX, países asiáticos têm despontado no cenário, liderados pela China - que é a maior emissora de dióxido de carbono atualmente.
Apesar de emitirem menos gases poluentes, países em desenvolvimento são os que mais sofrem com as mudanças climáticas e que menos possuem recursos para reagir em cenários extremos. A pobreza faz da crise climática que vivemos um problema social e econômico.
Conforme um relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) na última sexta-feira (17), quase 80% das pessoas mais pobres do mundo, cerca de 900 milhões, estão diretamente expostas a riscos climáticos, como calor extremo, inundações, secas ou poluição do ar.
"Os fardos identificados não são limitados ao presente. Espera-se que se intensifiquem no futuro” , afirmou Pedro Conceição, diretor do Escritório do Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD.
Diante dessa realidade, o Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund - GCF) foi criado em 2010, durante a 16ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 16), em Cancún, no México, pelos países-parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Ele faz parte de um compromisso internacional previsto em acordos climáticos como o Acordo de Paris, e tem como objetivo garantir que países em desenvolvimento possam implementar medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas sem o comprometimento de seu desenvolvimento econômico.
Apesar da urgência, países desenvolvidos estão longe de pagar os US$ 100 bilhões anuais (mais de R$ 530 bilhões, na cotação atual) prometidos ao Fundo Verde do Clima. Em entrevista ao Portal iG, o economista e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Cícero Pimenteira, explicou mais sobre esse "calote climático". Confira.
Portal iG: Por que tantos países ricos não cumpriram suas promessas financeiras anuais para o clima?
Cícero Pimenteira: Nós estamos em um momento de instabilidade geopolítica no planeta. Isso gera uma certa aversão a investimentos e também um deslocamento de capitais para outras atividades que acabam se tornando, infelizmente, mais importantes. Como a guerra que tem acontecido entre Ucrânia e Rússia, o conflito na Faixa de Gaza, que estão gerando instabilidade nas áreas que fornecem energia fóssil para a Europa e outros países do globo. Também observamos que os Estados Unidos, geopoliticamente, estão agora não signatários do Acordo de Paris.
Então, o fato de uns dos maiores poluidores estarem envolvidos em questões geopolíticas graves faz com que os demais investidores achem que esse investimento de alto risco porque eles vêem que terão perdas financeiras. Então, suas promessas de embarcar dinheiro em projetos de clima ainda não se tornaram prioridades do ponto de vista de quem mexe com as finanças globais. É prioridade do ponto de vista da população e da sociedade, mas a economia se movimenta em bloco, é como se fosse um cardume no mar - o peixe que se desgarra do grupo que faz o balé acaba sendo abocanhado por um predador que ronda o cardume.
Portal iG: Quais são os impactos econômicos imediatos para países vulneráveis que dependem desses recursos e não os recebem?
Cícero Pimenteira: É a suspensão das atividades e de promessas de medidas mitigadoras e do investimento dos países ricos poluidores em países pobres que ainda têm algo a conservar. Então, o que a gente observa é a paralisação e a interrupção permanente dos projetos. Geopoliticamente, a gente observou o Trump fazer vários desses movimentos internamente e externamente. Iniciativas de energias renováveis, por exemplo, perderam subsidío.
Em países que você tinha alguma iniciativa de projetar e gerar qualidade de vida para a população com energias e projetos industriais menos impactantes, houve uma paralisação ou uma interrupção do fluxo de capital para poder dar a velocidade inicial necessária.
Portal iG: O que o não cumprimento dessas promessas diz sobre a confiança internacional em acordos climáticos?
Cícero Pimenteira: Todos os acordos dentro da diplomacia ao longo da história são papéis. A partir do momento que uma das partes não cumpre o acordo, ele perde a validade e a força. Nós estamos observando vários acordos internacionais sendo desrespeitados por países. Os acordos climáticos são mais frágeis do que acordos de livre comércio e de não tributação, por exemplo. O acordo climático é o mais fácil de ser rompido do ponto de vista geopolítico, justamente pelo fato de as pessoas ainda terem uma cultura de duvidar que as mudanças climáticas estão acontecendo. Essas dúvidas são da sociedade civil e de líderes também, que às vezes embarcam, já que a sensibilidade deles é coletiva.
Os acordos climáticos estão sendo firmados ano a ano e desrespeitados ano a ano, COP a COP. Ninguém quer sair perdendo para preservar a natureza porque eles a consideram apenas um ativo financeiro a ser explorado.
Portal iG: Existem mecanismos de cobrança ou sanções para os países que não cumprem suas metas financeiras?
Cícero Pimenteira: Mecanismos de cobrança formais não existem. O que existem são mecanismos de cobrança sociais, a pressão da sociedade civil organizada.
Portal iG: A ONU anunciou que a meta climática de 1,5°C não será alcançada para frear o aquecimento global, qual sua opinião sobre o assunto?
Os eventos climáticos extremos irão continuar crescendo, ou seja, a situação climática não está muito boa para ser discutida daqui a duas semanas em Belém. Os países têm que realmente cumprir os acordos ou a gente vai chegar no famoso ponto de não retorno, onde a natureza vai entrar em colapso. Com isso, a sociedade pode viver um momento muito crítico, um verdadeiro estado de emergência global com questões climáticas. Então, não é o momento de tentar fazer dinheiro com o clima, é o momento de tentar salvar o planeta para ainda poder fazer dinheiro com outras coisas.