Uma movimentação jurídica articulada pela ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, pode permitir à União cobrar de 18 proprietários de terra na Amazônia uma compensação financeira de R$ 247 milhões por "dano climático" causado pelo desmatamento.
Hoje atuando como especialista sênior da coalizão de ONGs Observatório do Clima, a advogada pede à justiça a entrada da entidade em três processos como "amicus curiae", no qual daria suporte à AGU (Advocacia Geral da União) para argumentação nos processos.
Juntos, os réus citados nos processos foram responsáveis por derrubar ilegalmente mais de 14 mil hectares de floresta entre 2004 e 2017, o que causou a emissão de mais de 10 milhões de toneladas de CO2.
Os fazendeiros, que possuem áreas no Pará e no Amazonas, já vem sendo processados na esfera civil pela AGU, que articulou uma parceria com o Ibama em 2018 para cobrar outros R$ 357 milhões dos réus, por danos ambientais não climáticos.
Como "amici curiae", os pesquisadores argumentam que os réus precisam indenizar a União em danos não previstos nas ações iniciais, porque as multas ambientais não levam em conta prejuízos causados pela emissão de CO2. Ao deteriorar o clima, a emissão desse gás pelo desmatamento tem consequências para a saúde, a segurança e outros aspectos que afetam os cidadãos brasileiros como um todo.
"O dano causado pelo desmatamento vai muito além daquela área desmatada onde você vê a degradação", explica Araújo. "Ocorre também a perda de biodiversidade, a degradação do solo, e existe o dano causado por emitir gases de efeito estufa ou impedir a floresta de fazer o sequestro desses gases, que estão implicados na mudança climática. Isso afeta o país e afeta todo mundo, então quando se pede reparação na esfera civil, isso obrigatoriamente tem que entrar".
Um dos cientistas envolvidos no processo é o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), que ajudou a calcular e traduzir em termos financeiros o dano causado pela perda de floresta.
O valor que o grupo de Azevedo estimou para compensação leva em conta o preço da tonelada de carbono pelo qual o Brasil era compensado dentro do Fundo Amazônia (equivalente a US$ 5 por tonelada de CO2). Também foi levada em conta no cálculo a queima de matéria orgânica usada no processo de limpeza da terra.
A ideia das petições articuladas por Araújo é criar jurisprudência para que a União possa pedir esse tipo de compensação em outros processos contra desmatadores.
Amizade inesperada
Caso os juízes dos três processos acatem o pedido dos pesquisadores de entrada nas ações como "amicus curiae", a Justiça criaria uma amizade inesperada entre ONGs e a AGU, que não tem histórico de bom relacionamento no governo Bolsonaro.
Em 2020, o planalto acionou a AGU para intimar o secretário-geral do Observatório do Clima, Márcio Astrini, a prestar esclarecimentos sobre críticas ao então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Para Astrini, porém, não há contradição em os pesquisadores ajudarem a AGU agora.
"Há funcionários do Estado brasileiro que, à revelia do seu presidente, que apoia explicitamente a destruição, buscam fazer a coisa certa", diz o ambientalista. "São esses servidores públicos que nós apoiaremos nos tribunais".
O GLOBO entrou em contato ontem com a AGU pedindo que comentasse a iniciativa dos pesquisadores, mas não recebeu retorno até o final da noite.
Ontem à tarde, a reportagem entrou em contato também com advogados de defesa de nove dos 18 proprietários de terra citados nos três processos (cinco deles são da mesma família). Esses réus são José Lopes, Nelson Cocati Filho, Luanda Amaral de Oliveira, Ricarlinda Macário do Amaral, Celestino Alecio Fuchina Facco, Lucas Stefanello Facco, Tereza Stefanello Facco, Tiago Stefanello Facco e Natascha Maria Pedroso Facco. Nenhum de seus advogados respondeu com pedido de manifestação até o fim da noite de ontem.
Segundo Suely Araújo, os casos escolhidos para pedido de reparação por dano climático agora são todos processos em que as ações criminais ou administrativas já estão concluídas. O que resta pedente é a compensação financeira a ser definida na esfera civil.
"São todos processos findos no Ibama, e ninguém tem dúvida de que houve desmatamento nem de quem são os culpados", afirma a ex-presidente do instituto. "Esses não são processos civis nos quais a expectativa seja a AGU perder, porque a reparação é um elemento garantido pela Constituição Federal".
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