A agência reladora Food and Drug Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa no Brasil, determinou nesta quinta-feira que a empresa Juul pare de vender cigarros eletrônicos nos EUA. A decisão ocorre um dia após a agência anunciar que pretende limitar a quantidade de nicotina presente nos cigarros tradicionais e representa um golpe profundamente prejudicial para a Juul, que foi considerada culpada pela crise do consumo de cigarro eletrônico entre adolescentes.
A determinação afeta todos os produtos da empresa no mercado americano, a principal fonte de vendas da Juul. No Brasil, a comercialização destes produtos é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) , mas é comum ver pessoas, em especial adultos jovens, utilizando-os. Os elegantes vapes da Juul, que parecem com um pendrive, e os cartuchos com sabor doce ajudaram a inaugurar uma era de produtos alternativos de nicotina também entre os adultos.
“A ação de hoje é mais um progresso no compromisso da FDA em garantir que todos os produtos de cigarros eletrônicos e sistemas eletrônicos de entrega de nicotina atualmente sendo comercializados para os consumidores atendam aos nossos padrões de saúde pública”, disse o Dr. Robert M. Califf, comissário da agência, em comunicado.
A nicotina em si não é a causa do câncer de pulmão e outros males mortais do tabagismo, mas a droga é extremamente viciante, tornando difícil para os fumantes parar de fumar, apesar dos riscos à saúde. O cérebro adolescente é particularmente suscetível à nicotina, que pode afetar a memória, a concentração, o aprendizado e o autocontrole.
“A agência dedicou recursos significativos para analisar produtos das empresas que representam a maior parte do mercado dos EUA. Reconhecemos que eles constituem uma parte significativa dos produtos disponíveis e muitos desempenharam um papel desproporcional no aumento do uso entre jovem”.
A decisão da agência encerrou uma revisão de quase dois anos dos dados que a Juul havia enviado para tentar obter autorização para continuar vendendo seus produtos com sabor de tabaco e mentol nos Estados Unidos. O pedido exigia que a empresa comprovasse a segurança de seus dispositivos e se eles eram adequados para a proteção da saúde pública. A Juul era um alvo de reguladores, escolas e formuladores de políticas há anos, começando em 2018, quando a FDA iniciou uma investigação sobre as estratégias de marketing da empresa. Antes disso, a Juul havia anunciado seu produto usando modelos jovens atraentes e sabores doces que atraíam usuários menores de idade.
O uso entre os jovens disparou. Em 2017, 19% dos alunos do 12º ano, 16% dos alunos do 10º ano e 8% dos alunos do oitavo ano relataram vaping de nicotina no ano passado, de acordo com o Monitoring the Future , uma pesquisa anual feita para o National Institute on Drug Abuse . Por sua vez, a Juul negou rotineiramente que visasse jovens, mas foi perseguida em ações judiciais e por procuradores-gerais estaduais, com alguns casos resultando em milhões de dólares em danos contra a empresa. Em um acordo em 2021, a Juul concordou em pagar US$ 40 milhões à Carolina do Norte, que representava várias partes no estado que afirmavam que a empresa havia ajudado a atrair usuários menores de idade para o consumo de cigarros eletrônicos. Mais de uma dúzia de outros estados têm processos e investigações que ainda estão pendentes.
Em abril de 2018, a FDA anunciou uma repressão à venda de tais produtos, incluindo os da Juul, para menores de 21 anos. A nova decisão contra a Juul faz parte de uma nova missão regulatória da agência, que deve determinar quais cigarros eletrônicos atualmente à venda, ou propostos para venda, serão permanentemente permitidos nas prateleiras dos EUA, agora que o FDA tem autoridade sobre cigarros eletrônicos.
Pode levar anos até que essas propostas entrem em vigor – se elas puderem resistir à resistência feroz do poderoso lobby do tabaco, grupos anti-reguladores e da indústria de vaping. A Juul deve apelar da decisão da FDA.
A decisão da FDA faz parte de um amplo esforço para refazer as regras sobre produtos para fumar e vaporizar e reduzir doenças e mortes causadas por produtos inaláveis que contêm nicotina, uma substância altamente viciante.
Na terça-feira, a agência anunciou planos para reduzir os níveis de nicotina nos cigarros tradicionais como forma de desencorajar o uso do que é considerado o mais mortal dos produtos de consumo legais. Em abril, a FDA disse que avançaria para a proibição de cigarros com sabor mentolado.
Erika Sward, vice-presidente assistente nacional de defesa da Associação Americana de Pulmões, disse que " decisão da FDA de remover todos os produtos Juul do mercado é muito bem-vinda e esperada” "A campanha da Juul para atingir e fisgar crianças para o [consumo de] tabaco já dura muito tempo", concluiu. Por outro lado, uma declaração da American Vapor Manufacturing Association, um grupo comercial da indústria, sugere que haverá uma luta pela frente. “Medida em vidas perdidas e potencialmente destruídas, a indiferença impressionante da FDA para com os americanos e seu direito de mudar para a alternativa muito mais seguras de vaping certamente será classificada como um dos maiores episódios de negligência regulatória na história americana”, disse Amanda Wheeler, a presidente da associação, disse em um comunicado.
A notícia é um pouco menos importante para a indústria agora do que teria sido no auge da Juul, dada a queda de participação de mercado da empresa. Antes o player dominante com 75% do mercado, a Juul agora tem uma participação consideravelmente menor do mercado. Mas a notícia é um golpe significativo para a Altria , anteriormente conhecida como Philip Morris e fabricante da Marlboro , que em dezembro de 2018 comprou 35% da Juul por US$ 12,8 bilhões. Por causa da menor participação de mercado e dos obstáculos regulatórios, disse a empresa, o valor dessa participação caiu para US$ 1,7 bilhão até o final de 2021. No auge, a Juul tinha mais de 4.000 funcionários. Agora tem pouco mais de 1.000 , principalmente nos Estados Unidos, mas com alguns no Canadá, Grã-Bretanha e outros países. Sua receita caiu para US$ 1,3 bilhão em 2021, abaixo dos US$ 2 bilhões em 2019, com cerca de 95% nas vendas nos EUA.