¿O Cortiço¿, um retrato da vida urbana no fim do século 19
Denunciar as mazelas sociais e se afastar da visão fantasiosa da vida, presente no romantismo. Estes eram os principais objetivos do movimento literário Realismo-Naturalismo, no qual “O Cortiço” se insere. O romance de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, desenha um amplo painel da sociedade do Rio de Janeiro do fim de século 19 e de suas relações sociais.
“Esse livro é um cânone. É um dos primeiros que trata, sobretudo, das personagens que trabalham. Ele dá visibilidade à figura do trabalhador”, destaca Angela Maria Rubel Fanini, doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora da tese “Os romances-folhetins de Aluísio Azevedo: aventuras periféricas”.
Em “O Cortiço” temos uma gama de personagens trabalhadores, de diferentes profissões – lavadora, ferreiro, operário – reflexo das transformações que o País enfrentava: determinação do fim do tráfico negreiro (1850) e da escravatura (1888), decadência da economia açucareira, industrialização e crescimento das cidades. Azevedo tenta fotografar o real e traz todos esses elementos e conflitos para o romance.
A história se dá em dois ambientes principais bem diferentes, o cortiço do João Romão e o sobrado do Barão Miranda, figura que representa a elite brasileira. “Temos a presença de várias camadas sócio-econômicas, desde a classe dos mais humildes, passando pela pequena classe média, burguesia e elite. O autor faz uma síntese da sociedade naquela época”, ressalta Angela, que também é professora de Letras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Angela aconselha os estudantes a prestarem atenção nos diversos conflitos que a obra apresenta. “Há relações de conflito interracial, oposição entre escravidão e trabalho livre, brasileiros e portugueses – havia uma animosidade, por conta da colonização”, afirma a professora.
O romance pretende denunciar a exploração do homem pelo próprio homem, expondo situações e relações de poder dentro de uma habitação coletiva. A leitura atenta leva a compreensão da proposta do Realismo-Naturalismo, que era pautado pela razão e pretendia fazer uma investigação, quase científica, dos mecanismos sociais.
Veja outras análises:
- “Auto da Barca do Inferno”, uma peça com quase 500 anos
- “Memórias de um Sargento de Milícias”, uma crônica do Rio
- “Iracema”, o romance indianista de José de Alencar
- “Dom Casmurro”, o enigma nunca desvendado de Machado de Assis
- “A Cidade e as Serras”, o romance póstumo de Eça de Queirós
- “Vidas Secas”, o sertão brasileiro na ótica de Graciliano Ramos
- “Capitães da Areia”, a narrativa pela ótica de meninos de rua
- “Antologia Poética”, as três fases de Vinicius de Moraes