Especialistas apontam caminhos para  combater ataques em escolas

A disseminação e até o incentivo de ataques acontecem principalmente nas redes sociais

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Ataque de aluno de 13 anos causou a morte de uma professora de 71 anos


Em um intervalo de 10 dias, o Brasil sofreu dois ataques em instituições de ensino que resultaram em mortes. No dia 27 de março, um aluno de 13 anos esfaqueou professores e alunos da Escola Thomázia Montoro, na Vila Sônia (SP) . A professora Elizabeth Tenreiro , de 71 anos, morreu após uma facada. Outro caso aconteceu em uma creche na cidade de Blumenau (SC). Um homem de 25 anos invadiu a Centro de Educação Infantil Cantinho Bom Pastor e matou quatro crianças com idade de 4 a 7 anos, no dia 5 de abril .

Segundo um mapeamento da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ) sobre casos de ataques em escolas por alunos ou ex-alunos , o primeiro episódio foi registrado em 2002. Naquele ano, um adolescente de 17 anos disparou contra duas colegas dentro da sala de aula de uma escola particular de Salvador.

Foram listadas 22 ocorrências desde 2002, sendo que em uma ocasião o ataque envolveu duas escolas. Em três episódios, o crime foi cometido em dupla. Em cinco, os atiradores se suicidaram na sequência. Ao todo, 30 pessoas morreram, sendo 23 estudantes, cinco professores e dois funcionários das escolas. 

Do total de casos, 13 estão concentrados apenas nos últimos dois anos, sem contar com os episódios das últimas semanas.

Perfil dos autores

"Meninos entre 10 e 25 anos de idade. A gente observa até o momento que são meninos brancos, eles têm um gosto pelas armas, participam de comunidades e alguns deles tem distúrbios em tratamento", relata ao iG , Simone de Melo, pedagoga, especialista em Relações Interpessoais na Escola e a Construção da Autonomia Moral e pesquisadora do GEPEM (Grupo de estudos em Educação Moral) da Unicamp.

A coordenadora da pesquisa da GEPEM, Telma Vinha, observa que há um perfil mais frequente entre os autores dos ataques. "Não são populares na turma. Eles têm muitas relações virtuais, mas não tanto presenciais. E nutrem uma falta de perspectiva, de propósito em termos de futuro", destacou ela em entrevista levada ao ar no dia 30 de março pela TV Unicamp.

Por que os ataques têm sido frequentes?

Na última terça-feira (11), um aluno atacou um colégio estadual em Santa Tereza de Goiás , deixando uma professora e dois alunos feridos. 

Segundo a pesquisadora em Educação , uma das hipóteses para o aumento da incitação à violência, foram as últimas eleições, que acabaram por ser polarizadas e ter o ódio presente em vários discursos.

"Não temos como dissociar um discurso bastante acirrado nos últimos meses em relação à eleição, porque também foi violência e a violência é muitas vezes banalizada, tem se tornado comum principalmente nesse momento que o Brasil vive", diz Simone de Melo.

Segundo a pesquisadora, o fácil acesso às armas, autorizada pelo governo anterior, também facilitou a ocorrência desses ataques.

"Nos últimos quatro anos aumentou quase 500% o acesso de armas e munição no Brasil, e a gente vê que fora do Brasil os ataques com armas de fogo são mais letais", explica de Melo.

Redes sociais

Foto: redacao@odia.com.br (IG - Último Segundo)
Twitter

De acordo com os estudos do GEPEM, a disseminação e até o incentivo de ataques acontecem principalmente nas redes sociais como o Twitter e o TikTok, plataformas mais utilizadas pelos jovens.

No dia 10 de abril, o governo federal, por meio do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, anunciou que as plataformas digitais serão notificadas  para serem mais ágeis e colaborativas em relação ao atendimento de pedidos de casos suspeitos de ataques a instituições de educação, além de apologia ao ódio e à violência.

A pasta se reuniu com representantes das redes sociais e mostrou o trabalho feito pela equipe da Operação Escola Segura , criada a partir da tragédia de Blumenau, na semana passada, que deixou quatro crianças mortas.

O ministro revelou que foram identificados mais de 511 perfis em que há apologia à violência ou ameaças no último fim de semana.

“Estamos fazendo esse monitoramento e enviando às plataformas. E o que estamos vendo neste momento? Estamos vendo que alguns têm atendido, outros não. E estamos vendo por parte de algumas destas empresas, não todas, a dificuldade de compreender este papel ativo que estamos buscando, em face da gravidade da situação”, lamentou o ministro da Justiça, Flávio Dino.

Dino refere-se ao Twitter, que  defendeu, durante a reunião, que um perfil com fotos de assassinos envolvidos em massacres em escolas não fere a política de uso da rede.

O Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Twitter que informe quais são as providências que tem adotado para acompanhar e moderar os conteúdos que incitam a violência e que supostamente projetam um novo ataque a escolas.

Como lidar com os traumas dos alunos após os ataques em escolas?

Algumas emoções como o medo, a insegurança, o luto e a tristeza podem ser vistos nas pessoas que vivenciaram os ataques, sendo muitas vezes necessário uma ajuda profissional para lidar com a situação. Joseana Sousa, psicanalista e especialista em desenvolvimento humano, comenta que uma das primeiras medidas a serem tomadas, principalmente com as crianças, é o acolhimento em casa e na escola. 

“Entender e saber como encarar os traumas é desafiador. Aprender a lidar com eles é indispensável para minimizar danos emocionais. No caso de crianças e adolescentes, a iniciativa parte dos pais, pois muitas das vezes, o trauma pode impedir aquela criança de prosperar, avançar nos estudos, na vida social, por ainda estar paralisado no que aconteceu, fazendo com que os seus olhos sempre estejam voltados para trás”, comenta a especialista. 

Aos pais, a psicanalista reforça que também é importante perceber possíveis mudanças comportamentais nas crianças e adolescentes dentro de casa e não fomentar a raiva após o ocorrido.

“É importante saber que sempre será possível descobrir novos significados daquilo que já vivemos. O episódio aconteceu, infelizmente ele existiu na vida de muitas pessoas, e é necessário um tempo de processamento para cada uma delas, mas é preciso fazer o possível para que esse episódio não bloqueie os avanços, conquistas e crescimento dessas pessoas”, afirma Joseana.

Ainda, o Ministério Público do Rio de Janeiro passou a recomendar, no dia 5 de abril, a obrigatoriedade de oferta dos serviços de psicologia e de serviço social, no âmbito da rede estadual de ensino (SEEDUC).

O MPRJ pede que seja adotada, pela Secretaria do Estado de Educação, a elaboração do planejamento dos serviços de psicologia e serviço social para os anos de 2023 e 2024.

Segundo o órgão, os psicólogos nas redes de ensino pública e privada "são imprescindíveis à educação".

Como combater os ataques?

Nos Estados Unidos, os ataques a escolas acontecem há mais tempo do que no Brasil. A fim de proteger os alunos, os EUA investem em policiamento em cerca de 90% das escolas do país, além de detector de metais nas entradas das instituições de ensino e câmeras inteligentes. 

No entanto, mesmo com investimento em segurança , houve 46 ataques a escolas nos Estados Unidos no ano passado, considerando somente os casos que armas de fogo foram utilizadas.

Para Simone de Melo, é inegável a importância de aumentar a segurança externa nas escolas do Brasil, mas é preciso investir no cuidado das relações.

"O botão do pânico também é uma boa ideia, para agilizar a chegada de policiais na escola. E, além disso, ter um psicólogo nas escolas é essencial, porque os jovens adoeceram mentalmente durante a pandemia, isso tem uma consequência, então a junção de medidas de segurança externas e psicólogos nas instituições é muito interessante".

Para além disso, a pedagoga defende que as escolas precisam ser ouvidas pelas autoridades e os poderes precisam investir em políticas públicas.

"Uma possível atuação é promover um espaço de via institucional, que tenha políticas públicas que dê conta de ter essa discussão semanal, ou que seja quinzenal, para tratar desses assuntos antes que eles aconteçam. Então é necessária uma mediação, um diálogo interpessoal entre professores, pais e alunos", finaliza a pesquisadora.

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