O professor de geografia de uma escola de pequeno porte do bairro Jardim Brasil, em Belford Roxo (RJ), criou um projeto com seus alunos no intuito de dar uma nova visão para a Baixada Fluminense. Para custear o projeto, ele repassou aos alunos uma quantia de R$ 8,00 e, à noite, recebeu uma notificação que o emocionou. "Sobrou dois reais, professor", dizia a mensagem que vinha junto a um PIX com o mesmo valor devolvido. Mais do que isso, o episódio ainda abriria portas para o professor desenvolver seus projetos sociais na região.
Tudo começou quando Thales Oliveira, 25, resolveu trazer um projeto de sua pós-graduação para dentro da sala de aula. O intuito era inserir os alunos na memória da região, com idas a museus e bibliotecas, a fim de fazer crescer a autoestima das crianças quanto à própria cidade, bairro e residência.
"Isso passa pelo acesso à memória do lugar. Os municípios da Baixada têm dispositivos de memória, como museus e bibliotecas, mas eles não são incentivados, então eles são pouco acessados. Percebemos que, quando a memória é incentivada, ela consegue mudar essa autoestima."
"Além de realizar pesquisas, o 9º ano resolveu apresentar um teatro de fantoches, em que cada fantoche representaria algum bairro de Belford Roxo. E essa representação abriu debates interessantes. Conversando com eles na véspera da apresentação, questionei sobre os fantoches serem brancos e loiros, e eles passaram a perceber que, realmente, os fantoches não eram tão representativos. Então eles se propuseram a mudar os fantoches, mas não tinham dinheiro para comprar meias e barbantes para a confecção. Então, eu disponibilizei os R$8,00 que eles precisavam e, à noite, recebi a devolução de R$ 2,00 de uma menina de 14 anos, porque havia sobrado. Isso me emocionou", conta Thales.
"Existe uma situação de precarização na educação. Eu acredito que esse cenário todo fez com que a aluna entendesse como importante fazer essa devolução. Achei legal pelo simbolismo. Eu mesmo trabalho em três escolas de pequeno porte e, juntando os três cargos, eu tenho basicamente um salário mínimo, sendo que em um deles há atraso de pagamento. Em apenas uma eu tenho carteira assinada. Eu creio que essa menina teve, no inconsciente dela, a noção de todo esse problema", continuou o professor.
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Episódio abriu portas para projetos sociais
Ao compartilhar a história nas redes sociais, Thales nunca imaginou que ela tomaria proporções tão grandes. Com o engajamento que a publicação alcançou, viu ali uma oportunidade de fazer nascer novos projetos, divulgados por meio da conta @geothales na plataforma. Usuários das redes sociais descobriram a chave PIX do professor e começaram a fazer doações de maneira espontânea.
"Descobriram meu PIX pelo meu e-mail de contato. E aí, do nada, começaram a chegar notificações no meu celular de doações. No momento, está batendo cerca de R$ 500,00. Eu continuo com aquela ideia de que esse dinheiro não é para mim. Então, estou desenvolvendo ideias para doar para alunos do bairro, para a compra de brinquedos, materiais e até alimentos".
Thales também foi abordado por pessoas que gostariam de doar diretamente para alunos necessitados. Um dos alunos, do 9º ano, estudava sem material didático por falta de dinheiro. Por conta das doações, conseguiu a cópia das páginas necessárias do material didático para completar o ano letivo.
"Ele se emocionou, até chorou. Afinal, pela primeira vez ele vai ter um acesso decente a um conhecimento formal", comemora.
"Recebi uma mensagem de um amigo de faculdade que não vejo há anos e que trabalha na prefeitura do Rio em escolas da periferia. Ele me convidou para fazer um trabalho de campo sobre a Pequena África e as pessoas dessas escolas. Ele me disse que vai custear ônibus, comida e tudo para os alunos. Isso me abriu oportunidades, que, ainda que pequenas, são muito importantes."