Entidades educacionais acreditam que estudantes de baixa renda e de instituições públicas podem sair na desvantagem
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Entidades educacionais acreditam que estudantes de baixa renda e de instituições públicas podem sair na desvantagem

Na última semana, a Justiça de São Paulo determinou que o cronograma do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deverá ser readequado à realidade do ano letivo por causa da suspensão das aulas em todo o Brasil. Segundo o texto da decisão, com o fechamento das escolas, grande parte dos alunos não tem acesso ao conteúdo necessário para se submeter à prova.

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O Ministério da Educação ( MEC ) anunciou que iria recorrer da decisão. O Enem, principal porta de entrada para quem quer estudar nas universidades federais, está marcado para os dias 1 o e 8 de novembro. Este ano o exame terá uma versão digital, que acontecerá nos dias 22 e 29 de novembro (inicialmente, essa prova ocorreria em 11 e 18 de outubro).

Em publicações recentes no Twitter, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, colocou a questão na conta dos governos estaduais. "Governadores fizeram uma quarentena generalizada e precipitada", escreveu ele. "O ano não está perdido. Governadores devem planejar o retorno das aulas, tirar as nádegas da cadeira e rebolar atrás do prejuízo".

O presidente do Inep, órgão subordinado ao Ministério da Educação (MEC) e responsável pela aplicação do exame, Alexandre Lopes, afirma que é preciso levar em conta o calendário das universidades em 2021 para que os estudantes não deixem de usar a nota do Enem para ter acesso a políticas de cotas e outros programas como Fies e Prouni, por exemplo.

"O calendário do Enem é muito apertado, são etapas encadeadas e, quando você atrasa uma delas, acaba atrasando tudo. Mais à frente, se de fato houver razões técnicas para isso, a data do exame poderá ser modificada", afirmou Lopes ao GLOBO (leia a entrevista completa).

Afinal, o Enem deve ou não ser adiado? Entidades como o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a Associação Brasileira de Avaliações Educacionais (Abave) já se posicionaram a favor de uma nova data, para que não haja mais prejuízo aos alunos mais pobres. Secretários estaduais de educação de todo o país divulgaram uma nota afirmando que o MEC não tem apoiado os estados para garantir a aprendizagem dos estudantes durante a pandemia.

Segundo Maria Helena Guimarães, presidente da Abave e membro do CNE, outros países, comprometidos em garantir uma participação adequada de seus estudantes, adiaram seus exames nacionais que acontecem ao fim do ensino médio. O Gaokao, da China; o BAC, na França; o SAT, nos EUA; e o A Level, na Inglaterra, tiveram datas alteradas:

"Os alunos que estão agora no 3 o ano do ensino médio no Brasil praticamente não tiveram aulas em 2020. Começamos em fevereiro, veio o carnaval, retornamos e logo depois paramos. O ano letivo mal começou e nem todas as escolas estão oferecendo aulas a distância. Muitas instituições não têm infraestrutura para isso e nem todos os alunos têm acesso a uma boa rede wi-fi. Eles podem até ter seus smartphones, mas não têm condições de acessar uma videoaula por questões de conexão".

Alunos e professores sem internet

A professora Gilda Batista, que dá aulas de História e Filosofia da Educação para o 3 o ano do ensino médio do Colégio Estadual Júlia Kubitschek, no Rio de Janeiro, concorda:

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"O Enem precisa ser adiado para que a gente tenha tempo de traçar estratégias para esses quase dois meses sem aulas presenciais", analisa. "Percebo, durante as aulas online, que muitos estudantes não têm uma boa conexão em casa, não há qualidade no acesso à internet. O mesmo acontece com os professores: não estamos preparados para participar desse tipo de ação pedagógica das nossas casas. A aula online era antes um recurso, agora ela é o principal".

Na ação que resultou na decisão da Justiça de São Paulo para que o MEC adeque o cronograma do Enem, a Defensoria Pública da União informava que as condições de acesso à internet são desiguais no país. "De acordo com os dados colhidos pelo TIC Educação 2018 e pelo TIC Domicílios 2018 (...) 30% da população não possui acesso à internet, assim como 43% das escolas rurais".

Além disso, em três estados não há nenhuma forma de ensino à distância, e só em 16 há videoaulas. Mesmo nesses locais, alunos perderam semanas aguardando até que as escolas se organizassem. E o ensino remoto ainda tem limitações: escolas não contam com canais de comunicação eficientes para tirar dúvidas, segundo os estudantes.

Presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz chama a atenção para uma questão que vai além do acesso ao conteúdo: o fato de que muitos estudantes de escolas públicas são estimulados por seus professores e seus colégios a se inscreverem no Enem.

— Teremos um número de inscrições menor dos mais pobres. Uma parcela considerável desses jovens é estimulada e apoiada no processo de inscrição para o Enem pelos seus professores. É um processo que acontece dentro das escola.s Estudantes com mais renda não precisam desse tipo de estímulo porque ir para a universidade já faz parte do seu repertório familiar.

"Públicas sentirão mais"

Entre as entidades que representam os colégios privados, as opiniões se dividem. Ademar Batista Pereira, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) afirma que mudar a data do Enem não faz sentido e isso acabará prejudicando todos os candidatos.

"O Enem avalia todo o processo, não só o 3 o ano. Claro que nessa série ainda faltam alguns conteúdos, mas o aluno que está sem aulas pode correr atrás. O que não vale é prejudicar todo mundo fazendo algo que não vai trazer um resultado muito diferente. O que faz diferença no Enem é o estudante ter sido alfabetizado adequadamente, saber fazer uma boa redação... E isso se aprende na vida escolar toda. A questão agora é a judicialização. Nós temos uma insegurança jurídica enorme no Brasil", afirma ele, referindo-se à decisão da Justiça de São Paulo e outras ações que estão em curso pelo país.

Já para o diretor da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), Artur Fonseca Filho, o calendário de 2020 deve ser revisto e o Enem , consequentemente, também: "Por causa dessa necessidade de revisão do exame, as instituições paulistas, como Fuvest, Unesp e Unicamp, também precisariam rever suas datas".

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Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp), explica que, para as escolas particulares, manter a data do exame inalterada não deve trazer prejuízos. "Mas nós sentimos pelos alunos das escolas públicas, pois eles serão os mais prejudicados".

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