O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou no fim de abril mudanças no calendário escolar para a rede estadual a partir de 2020. A principal delas trata-se do encurtamento do período de férias escolares de julho, que foram desmembradas entre abril e outubro.
A justificativa de Doria e também do secretário estadual da Educação, Rossieli Soares, é de que a redução do tempo de férias escolares em julho ajudará os alunos e professores, já que se trata de uma "espécie de descompressão" o que, supostamente, ajudaria a aumentar a aprendizagem dos estudantes.
A pesquisadora Luciene Regina Paulino Tognetta, professora do departamento de psicologia da educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), disse concordar em partes com o argumento. Ela disse ver a mudança como positiva por possibilitar "descansos espaçados" aos alunos, mas acredita que o problema educacional paulista não será resolvido apenas com isso.
"A mudança é boa por tirar o peso do final do ano, já que existe a possibilidade de mais descansos. Mas isso não é a maior ferida (da educação). Com apenas essa medida, não se mexe no problema principal", disse Luciene ao iG . "É preciso rever a metodologia de avaliação de um professor, quais são os conteúdos necessários para as aulas. Essa medida tem seu valor, mas ela não é suficiente para superar o problema da educação."
Para a pesquisadora, Rossieli Soares tem razão quando alega que o desmembramento no período de férias irá contribuir com a "diminuição do cansaço, da ansiedade e das muitas faltas que normalmente acontecem no final do ano", porém é preciso juntá-lo a um plano de redistribuição da grade curricular e fazer com que os alunos tenham maior participação em assembleias de classe.
"Pausas são necessárias não só para a educação, mas em qualquer área e para qualquer ser humano, ainda mais quem trabalha com a mente, como os professores. Mas é preciso olhar para a formação dos professores, para o currículo e uma renovação da escola. É necessário pensar em medidas para prevenir o bullying", pondera Luciene.
Já o professor e coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, vê a medida como uma forma de o governador João Doria mudar o foco diante do que tem sido feito no Ministério da Educação, como o corte no orçamento das universidades recentemente anunciado pelo governo federal .
"Eu gostaria que eles mostrassem os estudos em que se basearam. Não tem nada que seja efetivamente analítico até agora", diz Cara. "Eu vejo como uma medida muito mais pautada no sentido de gerar novidade para a população. Creio que seja mais um fato político do Doria para que seja tema durante todos os absurdos feitos nacionalmente do que de fato algo relativo à educação", complementa.
Ao contrário de Luciene, Daniel Cara disse acreditar que a pausa em abril e outubro não ajuda no aprendizado dos alunos e muito menos no trabalho dos professores. "Vai atrapalhar, certamente, porque mexe no planejamento da vida das pessoas. É a típica atitude descomprometida e mais preocupada em gerar notícia", opina. Para ele, se houver algum efeito direto no ensino estadual, "será negativo". "No mínimo, vai ser indiferente", salienta.
Luciene, por outro lado, recordou que as férias em quatro períodos é uma fórmula já utilizada em outros países, mas com motivos "mais concretos" do que os que foram dados pelas autoridades de São Paulo . "Na Europa, por exemplo, eles fazem de acordo com o período do ano. É um estudo geográfico por conta de períodos muito frios", lembra. "Mas se o que o Doria fizer for apenas uma cópia de países europeus, é uma medida que não se sustenta", acrescenta.
Questionado se a medida poderia ser adotada também pelo setor privado, Cara foi enfático: "Não acredito nisso. Não creio que uma mudança dessa mexa na estrutura educacional".
Mudanças nas férias vai impulsionar turismo em SP?
Outra explicação dada pelo governo estadual para o anúncio das mudanças no calendário escolar foi o de que o turismo paulista seria beneficiado com quatro períodos de férias porque a "pressão" do turismo em julho acabaria. Os educadores ouvidos pela reportagem, entretanto, discordam da argumentação apresentada pelo secretário de Turismo de São Paulo, Vinicius Lummertz.
"Se a medida é sobre educação, ela tem que ser voltada para a educação. Eu não tenho que pensar no turismo nesse momento. Existem alunos se matando na escola, eles não vão viajar e o bullying vai acabar", ironiza Luciene. "O que eu percebi é que, quando ele não tem argumentação, ele cita isso do turismo. Certamente os pais não vão poder tirar férias dessa nova maneira, muito menos professores por conta do salário horrível", pondera Cara.
Procurado pela reportagem do iG , o Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de São Paulo (Sindetur-SP) não respondeu se a mudança deve interferir, positiva ou negativamente, no turismo paulista.
Cerca de 3,5 milhões de estudantes devem ser afetados com os novos períodos de férias escolares na rede pública estadual a partir do ano que vem. O próximo ano letivo começa no dia 3 de fevereiro, com encerramento previsto para 22 de dezembro. O objetivo é organizar o calendário e o planejamento das atividades pedagógicas, além de garantir que docentes que atuam nas redes estadual e municipais consigam conciliar os períodos de recesso escolar e férias.