Responsável por representar os ex-funcionários da Prevent Senior — que elaboraram um dossiê com denúncias contra a operadora de saúde — Bruna Morato se tornou figura importante para que a CPI da Covid elucide as supostas irregularidades que a empresa tenha cometido no tratamento de pacientes da Covid-19— entre os quais, o uso de enfermos como cobaias em um estudo realizado para testar a eficácia da hidroxicloroquina; ocultação de óbitos; e distribuição a pacientes do "kit Covid" — com remédios comprovadamente ineficazes para o tratamento da doença.
Em entrevista exclusiva ao iG , Morato reforçou as denúncias contra a operadora de saúde, negou motivação política, disse acreditar que a Comissão Parlamentar de Inquérito terá resultados efetivos para que os culpados sejam exemplarmente punidos. A advogada também lamentou as ameaças sofridas por parte de apoiadores do governo federal. Confira a íntegra da entrevista:
O que se sabe de uma possível influência do governo Bolsonaro na distribuição dos chamados kits Covid?
Sobre esse assunto, o que se sabe foi divulgado durante o depoimento à CPI da Covid-19, que o governo federal, agindo contra as medidas de distanciamento social decretadas por vários estados e municípios do país (principalmente sobre o efeito deletério que o lockdown provoca na economia), buscou encontrar um medicamento cujo uso pudesse gerar nas pessoas a confiança da imunidade ou proteção para sair as ruas.
Portanto, a influência seria mais quanto à divulgação da hidroxicloroquina como sendo um medicamento eficaz para o tratamento da doença (que seria “confirmado” pelo estudo realizado pelo Instituto Prevent Senior) e não tanto sobre a distribuição do kit covid.
Podemos esperar novas denúncias para os próximos dias? Ainda há o que ser revelado?
A cada dia novos relatos de pacientes/vítimas nos chegam ao nosso conhecimento. Assim como ocorre noutros casos (ex.: crimes de assédio ou de estrupo), após a primeira denúncia outras tendem a surgir. As pessoas sentem-se encorajadas a narrar suas histórias, pois percebem que não foram as únicas a enfrentar aquela infeliz experiência. Por isso, sim, com o passar do tempo esperamos que mais relatos apareçam.
Principalmente, esperamos que vários outros médicos e enfermeiros que já deixaram a instituição ou ainda nela trabalham e têm conhecimento das irregularidades denunciadas (e até mesmo de outras ainda não tornadas públicas), tenham a coragem e a dignidade de não encobertar tais práticas, pois a Prevent Senior já deu mostras que não irá amparar os seus profissionais quando houver alguma situação de risco a sua imagem, ao contrário, irá acusa-los.
Qual é a expectativa dos clientes com as denúncias, considerando o peso que elas têm para a Prevent e para as suas próprias carreiras?
A expectativa dos clientes, em primeiro lugar, é pela ocorrência de uma investigação séria e imparcial, a qual, se assim for feita, certamente revelará as inúmeras irregularidades denunciadas, como inclusive demonstram os vários depoimentos de pacientes/vítimas que estão chegando ao conhecimento dos órgãos de controle e da mídia.
Em segundo lugar, a expectativa é pela responsabilização dos culpados, que certamente representam uma pequena parcela dos profissionais que trabalham na empresa, mas que, por sua posição de prevalência hierárquica, acabam induzindo a erro todos aqueles que lhe são subordinados.
Com relação ao peso das denúncias para a empresa, sabe-se da relevância que o depoimento dos profissionais que trabalharam por anos tem para o caso. No entanto, tal participação não poderia ser negada, pois são elas que dão credibilidade para a notícia, de tal forma que a empresa sequer consegue “combater” a própria denúncia, restando-lhe a lamentável tática de tentar difamar a imagem destes profissionais e da advogada que os representa.
Com relação ao peso das denúncias para a própria carreira dos médicos, de fato, é uma questão sensível, pois a disputa de forças é desproporcional, haja vista a empresa não medir esforços para, com seu orçamento bilionário, angariar apoio a favor da sua tese. Contudo, eles não poderiam conviver com o fato de ter conhecimento das irregularidades ocorridas e não as denunciar, ainda que isto exigisse um alto custo pessoal e profissional, sendo preciso enfrenta-lo.
Qual é sua expectativa em relação a resultados concretos da CPI da Covid?
Acreditamos que, ao contrário do que muitos dizem, dos trabalhos da CPI resultarão efeitos práticos em relação aos fatos investigados, vale dizer, acreditamos que haverá punição para os indiciados pelo relatório.
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Não só porque a quantidade de provas apresentadas é relevante, mas também porque a sociedade de um modo geral precisa de uma resposta sobre as irregularidades expostas durante as investigações.
E apesar do relatório a ser produzido pela CPI não conseguir decidir, por si só, pela responsabilidade civil ou criminal dos indiciados, acreditamos na seriedade dos órgãos que a receberão.
Além dos depoimentos dos médicos, existem outras provas que confirmam a denúncia de que o plano de saúde pressionava o corpo clínico a prescrever cloroquina?
Sim. Existem muitas outras provas além do depoimento dos médicos, principalmente documentais, como as várias mensagens nos grupos de WhatsApp dos médicos da instituição, que era o meio por excelência de comunicação entre eles. Além, haviam os protocolos institucionais divulgados e atualizados periodicamente, os quais, por óbvio, tinham que ser seguidos pelos médicos da instituição.
Mas talvez a principal (fora o depoimento dos médicos) seja o depoimento dos próprios pacientes/vítimas. Muitos confirmaram ter recebido o kit covid antes de ter conhecimento do resultado do exame PCR. Outros relataram ter ouvido de alguns médicos para apenas tomar as vitaminas do Kit, e não os medicamentos. Depoimentos ou testemunhos também são meios de prova, e assumem especial relevo quando advindas das próprias vítimas.
O diretor-executivo da operadora, Pedro Benedito Batista Júnior, é tenente da reserva do Exército. Acredita que possa haver alguma relação entre a decisão do diretor de usar o medicamento nos pacientes e a produção de mais de 3 milhões de comprimidos do remédio fabricados pelas Forças Armadas desde o início da pandemia?
Acreditamos que sim, pois o modus operandi da empresa durante este período foi buscar apoio à sua estratégia de atuação junto a todos conhecidos, principalmente para atuar contra as críticas que vinham sofrendo no início da pandemia, sem exceção ou limites, entretanto, a denúncia apresentada não trouxe elementos ou provas desta possível ligação.
Chegou a receber ou tem recebido ameaças após as revelações feitas à cúpula da CPI?
Antes mesmo das denúncias à CPI, várias ameaças foram feitas. Após os depoimentos à CPI, as ameaças por parte da empresa Prevent Senior vieram através das publicações de notas a imprensa e em posts nas redes sociais, nos quais a empresa explicitamente diz que processará os médicos denunciantes.
Em relação às demais pessoas, infelizmente algumas distorcem o objeto de discussão (o direito à vida dos segurados da rede), querendo politizar o assunto, como se, supostamente, os médicos tivessem algum interesse político por detrás da denúncia, o que, obviamente é uma enorme falácia. E essas pessoas, quase em sua totalidade apoiadores do governo do atual presidente, ultrapassam a linha da crítica do debate e passam a proferir ofensas e ameaças nas redes sociais contra os médicos e contra a advogada que os representa, como se a discussão travada admitisse politização.
O que há de mais contundente no conjunto de provas enviado às autoridades?
A gravidade dos fatos denunciados faz com que todas as provas enviadas sejam consideradas contundentes. No entanto, acreditamos que as mensagens de texto e os áudios enviados pelos diretores médicos aos demais profissionais sejam provas incontestáveis das irregularidades havidas.
Contudo, revelam-se de grande importância as confissões havidas:
a) dois dias antes do depoimento do Dr. Pedro Batista à CPI, o sócio fundador da Prevent Senior (Fernando Parrillo) concedeu uma entrevista à revista Veja confessando que o estudo apresentado não tinha autorização do CONEP para sua realização.
b) Ou ainda, a confissão do próprio Dr. Pedro Batista durante o seu depoimento à CPI, quando disse que a empresa adotou a prática de retirar o CID da doença COVID-19 após certa quantidade de dias de internação do paciente, de modo a gerar uma clara dúvida quanto a regularidade dos números apresentados pela instituição, induzindo uma situação de subnotificação de casos, o que, inclusive, explica o número de óbitos e internações por COVID-19 dos beneficiários da Prevent Senior ser abaixo da média dos demais órgão públicos e privados de saúde.