Paulo Lotufo: nova variante é "bobagem" e "vai matar menos" que a polícia no Rio
Em entrevista, o epidemiologista Paulo Lotufo afirma que as novas variantes são utilizadas como desculpa da incompetência de gestores públicos em controlar a situação e comenta sobre a pandemia da Covid-19 no Brasil atualmente: "estamos em situação muito ruim"
Epidemiologista e professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Lotufo tem se tornado uma das importantes vozes a disseminar a ciência no Brasil em meio ao caos de uma pandemia, na qual o país enfrenta problemas para garantir doses de vacina e ainda vê o surgimento de novas variantes do coronavírus, nacionais e importadas.
Em entrevista ao portal iG, Lotufo afirma que o importante neste momento é que haja um controle da infecção no país pelo poder público para que a população possa seguir o isolamento social e medidas de segurança, como o uso de máscaras de proteção e higiene constante das mãos.
Diante dos riscos do surgimento de terceira onda da pandemia, com a possibilidade de novas aglomerações neste domingo (9), quando é celebrado o Dia das Mães, o pesquisador aponta que a situação do Brasil é complicada e culpa o "boicote do Governo Federal", ressaltando ainda que, muitas vezes, os gestores públicos insistem em falar sobre novas variantes e reinfecção para culpar o vírus e esconder o que chama de "incompetência" diante da crise.
Confira a entrevista
Qual a sua análise do momento que estamos vivendo hoje na pandemia da Covid-19?
Nós estamos em uma situação muito ruim porque os números [de infectados e de óbtos] estão altos e, ao mesmo tempo, a vacina não vem sendo aplicada na velocidade necessária. E, obviamente, o maior problema continua sendo o boicote do Governo Federal, pelo Bolsonaro, de todas as medidas de controle [do novo coronavírus].
Esse é o grande problema do país. Mas outros países também enfrentam dificuldades. Vamos ter uma fase bastante complicada, porque precisamos chegar a uma cobertura vacinal bastante alta e não existe capacidade para fazer isso em relação a insumos. Por isso, o distanciamento social continua sendo muito importante.
A maioria dos estados brasileiros estão em estabilidade no número de novas infecções e mortes
pelo novo coronavírus. O Dia das Mães pode representar uma ameaça de piora dessa situação? Por quê?
Sim, pode representar sim. Esperamos que não aconteça nada, mas, realmente há uma grande chance de acontecer a mesma coisa que aconteceu no Natal, quando tivemos uma quantidade muito grande de aglomerações em domicílios e o impacto foi terrível, com internações de várias pessoas de uma mesma família. É algo realmente preocupante.
A falta de vacinas e insumos
pode atrasar ainda mais a queda de contaminações e consequentemente óbitos? É possível mensurar de alguma forma o impacto?
Com certeza! Se nós tivéssemos aqueles 60 milhões de doses da Pfizer e o Bolsonaro não tivesse boicotado o esforço do [Instituto] Butantan, teríamos agora entre 55 e 60 milhões de pessoas vacinadas, uma cobertura de 25% a 30% [da população brasileira].Com isso, teríamos um impacto muito menor neste segundo pico [da pandemia], que poderia ter acontecido, mas com uma intensidade muito mais baixa.
O Bolsonaro se deu mal, muito mal, no negacionismo da vacina. Quando ele começou a defender a cloroquina, ela ganhava popularidade por uma razão muito simples: não havia o que fazer [contra o coronavírus no início da pandemia] e ele dizia ‘eu sei o que fazer, estou preocupado com você, tome cloroquina’.
E ele teve o raciocínio contrário para a vacina, que ele considerou ser o oponente da cloroquina. Só que ele tomou uma posição contra a vacina diante de uma população, como é a brasileira, que 'super' se vacina. A população toma vacina mesmo. Eu trabalhava em uma unidade básica de saúde e, nossa, se atrasasse vacina, em dois ou três dias o secretário de saúde estava lá, com toda população reclamando.
Quando não existia vacina [para Covid-19], as pesquisas apontavam que 30% das pessoas diziam que não iriam se vacinar. Outras pesquisas cruzaram as infomações, as pessoas que falavam que eram contra vacina eram a favor do Bolsonaro.
Depois do surgimento da vacina, a ‘coisa’ [as pessoas que dizem que não vão se vacinar] não dá nem 5%. Teve até os ‘vacinados do armário’, que tomaram a vacina, mas ficaram ‘no armário’. Aquele filho da (...) do [Rodrigo] Constantino entrou na primeira fila que teve para tomar a Pfizer.
Conheço uma médica ‘cloroquiner’, que falava que era impossível ter vacina e foi correndo tomar a dela. E por isso também a popularidade do Bolsonaro se arrebenta com a chegada da vacina. Se ele tivesse tomado uma posição pró-vacina, ele estaria em outra posição. E o país também.
Em alguns países do mundo, as máscaras já começam a ser dispensadas em certos contextos e lugares
. O que falta para o Brasil também chegar nessa fase?
Essa é uma questão em que muitas coisas precisam ser discutidas. Eu estive no Japão no ano 2000, há 21 anos, e quando cheguei lá pensei: ‘nossa, quanta gente na rua andando de máscara!’. No Brasil, só andava de máscara quem tinha feito transplante ou tinha leucemia, por exemplo, para se proteger.
No oriente, ao contrário, há um costume, já há muito tempo, de que alguém que dá um segundo espirro passa a só sair de casa usando máscara. Tem várias coisas que o oriente faz, como o uso de máscara, não entrar com o sapato dentro de casa, e várias outras coisas, que nós vamos ter que começar a aceitar.
Aqui, teve gente falando que não precisava mais usar o álcool em gel, mas isso é mentira, porque tem bactérias e um monte de outras coisas que o uso do álcool vai proteger, não é só isso não [contra o novo coronavírus]. Sem dúvida, a máscara é uma coisa que veio para ficar.
A decisão do presidente Biden em apoiar a quebra de patentes
pode impactar a aceleração do processo de imunização da população brasileira? Por quê?
O termo ‘quebra de patente’ não é correto. Na verdade, chama-se licenciamento compulsório e tem regras para fazer isso, até a própria empresa [que desenvolveu a vacina] recebe um valor [de outras empresas que passarem a desenvolver a fórmula dela].
Mas, sem dúvida, isso vai impactar o processo de imunização brasileira. É uma coisa muito interessante. Na prática, o que vai acontecer é que várias empresas americanas, canadenses e europeias vão acabar replicando o que já fazem, mas em maior quantidade. Algo que será bastante benéfico para nós. Não vai ser laboratório brasileiro que vai começar a fazer as vacinas.
Até agora, já tem um laboratório canadense se organizando para isso. O que importa é que a consequência disso [do licenciamento compulsório] é que nós vamos ter uma oferta maior de vacinas por um preço menor.
O atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é contra a quebra de patentes
. Isso pode atrapalhar a chegada de mais vacinas no Brasil? Por quê?
O Queiroga é uma pessoa muito fraca. Ele é um falador e acha que, falando, consegue ter algum tipo de impacto. É um total absurdo o Ministro da Saúde se colocar contrário a ter mais vacinas. É claro que ele ser contra isso pode atrapalhar a chegada de mais vacinas.
Eles [o governo Bolsonaro] só fazem bobagem. Neste momento, o que nós [o Brasil] deveríamos fazer, aproveitando isso [o licenciamento compulsório], era oferecer que as empresas que tem comecem a produzir elas mesmas, a Pfizer e outras produzir aqui [a vacina]. Era isso que nós deveríamos fazer. Mas ele vai lá e fala ‘sou contra’. Só mostra a ausência de compromisso que ele tem.
Uma nova variante do coronavírus já começa a ser detectada no Rio de Janeiro
; secretários de Saúde de diversos estados estão cobrando que o Ministro Marcelo Queiroga feche as fronteiras ou determine quarentena obrigatória para quem chegar ao Brasil de alguns destinos, com o objetivo de evitar a entrada de outras variantes, principalmente a indiana
. Quais os riscos relacionados à chegada de novas variantes no país?
Isso é bobagem. A nova variante no Rio de Janeiro vai matar menos do que a variante antiga, que é a polícia do Rio . É claro que existe um risco, mas se a gente tiver uma situação de controle, não haverá espalhamento de variantes. Elas só se espalham quando não existe controle. E nós não temos.
Essa é a questão. O problema vai ser sempre o fato de não ter controle. Quem gosta de falar de variantes são os governantes, porque eles põem a culpa no vírus e não na incompetência deles. O mais engraçado é que o único lugar que teve, de fato, variantes, que deu para identificar, foi em Araraquara e foi resolvido fazendo um baita de um lockdown.
As vacinas podem perder efetividade na proteção da população diante de novas variantes?
Por enquanto, aparentemente, não temos um problema. Mas a questão das variantes é que o quanto mais rápido nós vacinarmos, o risco de novas variantes diminui.
Há a possibilidade de uma terceira onda da pandemia
da Covid-19 no Brasil?
Sim, muito grande. Nós vamos ver o resultado do Dia das Mães. Se for algo tranquilo, sem acúmulo de casos, ao contrário do ocorrido no Natal, a nossa chance de problemas vai ser menor. Mas há uma chance muito grande, muito grande mesmo, de termos uma nova situação igual a janeiro, depois do final do ano.
Há casos de pessoas que, mesmo vacinadas, contraíram o vírus
e até desenvolveram problemas graves de saúde. As vacinas continuam sendo seguras e o principal caminho para o fim da pandemia?
Isso acontece em qualquer processo de vacinação. Não existe nenhuma vacina 100%, é por isso que todo o mundo tem que estar vacinado. Por enquanto, o distanciamento social e o uso de máscaras é o fundamental.
Também há casos de reinfecção pelo vírus
. É possível evitar?
A questão da reinfecção é misteriosa. Sabemos muito pouco. Ela é mais falada do que vista. Não estou falando que não existe reinfecção, mas a proporção é muito pequena. A reinfecção também é uma desculpa de presidente, governadores, secretários e tudo o mais para justificar a inação deles.
O presidente Jair Bolsonaro, que vem sendo investigado na CPI da Covid, no senado, por suas posturas e afirmativas na pandemia, voltou a defender o uso da hidroxicloroquina e da ivermectina
. Esses medicamentos são seguros para pacientes com Covid-19? Eles funcionam para curar a infecção pelo coronavírus?
Não tem jeito. Ele não tem jeito. Ele já faz isso de propósito. Esses medicamentos são ineficazes e inseguros. Não devem ser utilizados em hipótese alguma [por pacientes diagnosticados com Covid-19].
Com essa defesa da cloquina, o Bolsonaro está ‘indo para o espaço’. Ele faz isso para manter a ‘galera’ dele animada, mas cada vez mais ele perde espaço com isso.
Na CPI da Covid, há uma discussão sobre ouvir ou não profissionais técnicos. Epidemiologistas também devem ser ouvidos? Isso ajudaria de alguma forma a entender a responsabilidade do Governo Federal?
Eu não sei. Acho que vai ser um show de pessoas querendo se mostrar e falar, sem nenhuma responsabilidade. Tenho muita dúvida se técnicos deveriam falar na CPI.