Vinicius Lummertz
Alan Morici/Divulgação
Vinicius Lummertz

Em paciente processo de recuperação, o Rio Pinheiros, um dos fluxos de água mais famosos da Capital paulista, está sendo devolvido aos moradores e visitantes. Depois de esforços e promessas, e mesmo diante da dúvida de tantos, em quatro anos cumpriu-se a tarefa.

Um rio tem significado múltiplo. Na Cidade Maravilhosa e no Estado paulista está na história do povoamento e no gentílico. O Rio Carioca nasce no Corcovado, corre por Santa Teresa, Cosme Velho, Laranjeiras e, no Flamengo, chega à Baia de Guanabara; “fluminense” designa os nascidos no Estado e significa “natural do rio”.

O Rio Pinheiros empresta o nome às pistas marginais. Nasce da união do Guarapiranga e do Grande e deságua no Tietê. É conhecido também pela “inversão” de suas águas, quando corre no sentido da Represa Billings – operação feita pela então Usina Elevatória de Traição - concedida a um investidor e rebatizada como Usina São Paulo receberá R$ 300 milhões de recursos privados, constituindo-se no nosso “Puerto Madero”, como o de Bueno Aires.

A história do Pinheiros registra o mesmo roteiro de tantos cursos d'água pelo mundo: foi retificado (até os anos 50), ganhou moradores no entorno e, já nos anos 70, as pistas marginais, que o isolaram de vez. A cidade lhe dava as costas.

A prioridade passou a ser a via expressa, uma rota de passagem, um meio, um “não lugar”, para usar uma expressão do antropólogo francês Marc Augé. Um “não lugar” é um local desprovido de interações pessoais. Um aeroporto, por exemplo, ou hipermercados e outlets. Nas Marginais do Pinheiros isso está presente. Passagem de milhões de pessoas, porém sem qualquer relacionamento por quilômetros de solidão motorizada.

Isso começou a mudar de forma mais radical com o Parque Linear Bruno Covas. Em parte, já havia uma ciclovia. Com o avanço da despoluição, espaços de estar vão sendo abertos, como quiosques e, nos mais de oito quilômetros já disponíveis, crianças e famílias desfrutam do saudável lazer ao ar livre, com playground, pistas de caminhada e corrida. A mais recente intervenção é uma passarela flutuante que permite aos ciclistas utilizarem as duas margens. Quando completo, o parque terá 17 quilômetros.

Seria impossível essa devolução do rio aos moradores sem a despoluição. Esta é a conquista mais significativa: um dos maiores e mais arrojados projetos ambientais e de saneamento básico do País. Desde 2019, 560 mil domicílios na bacia do Pinheiros passaram a ter ligação de esgoto. São mais de 2.300 litros por segundo, de 1,5 milhão de moradores.

Não será possível o consumo da água do Pinheiros. Mas o reaparecimento de peixes, garças e outros pássaros mostra um rio que volta à vida. A poluição e o tráfego intenso continuam e, por isso, as águas não estão ainda mais limpas.

Até o momento foram retiradas 72 mil toneladas de lixo e 730 mil metros cúbicos de sedimentos do rio. Em silêncio, um novo espaço de bem-estar surge e poderá ser vivenciado por paulistanos e visitantes. Os rios têm sido fontes de nascimento e vida de cidades por milênios e a maneira como os tratamos diz muito sobre a civilização que vive ao redor — o Estado de São Paulo está de parabéns.


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