Vinicius Lummertz é ex-ministro do Turismo
Alan Morici
Vinicius Lummertz é ex-ministro do Turismo

Na tentativa de baixar o preço principalmente da gasolina e do diesel, que está impactando a inflação e as pesquisas eleitorais, o Congresso aprovou e o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que limita em torno de 17% o ICMS de combustíveis, gás, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo, ao classificar como essenciais esses bens e serviços.

Se para o consumidor a medida significa uma esperança de desembolsar menos na hora de abastecer, por outro lado representa o risco de perda de mais de R$ 100 bilhões por ano para estados e municípios (que têm direito a cota-parte dessa arrecadação, de 25%). Ainda na fase de discussão do projeto de lei, o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, apresentou no Senado Federal uma solução lógica e prática para diminuir os preços dos combustíveis e ao mesmo tempo não penalizar os estados e municípios, que terão agora graves prejuízos no custeio de serviços essenciais como educação, saúde, segurança pública, habitação popular, desenvolvimento social e infraestrutura urbana.

A proposta de Rodrigo Garcia – que poderia ser estendida às demais 26 unidades da federação – era de que o Governo Federal suspendesse por dois anos a dívida de São Paulo com a União para que o Estado pudesse reduzir o ICMS da gasolina e zerar a taxação sobre demais combustíveis. “Eu uso esse dinheiro que seria da dívida para zerar o ICMS do diesel, etanol e gás de cozinha e reduzir a gasolina. Não precisa de PEC [Proposta de Emenda Constitucional] para isso”, declarou o governador.

Seria mais rápido – e também mais justo, diz o governador. Rodrigo Garcia lembrou que São Paulo “sempre ajudou e ajuda o Brasil: em 2021, nosso Estado enviou R$ 716 bilhões de impostos para Brasília. Mas o retorno para São Paulo foi de apenas R$ 25 bilhões [3,5%]”. Além dessa brutal diferença, há também gastos ineficientes e mal geridos pela União – ou seja, arrecada demais, devolve de menos, e ainda perde bilhões ao fazer maus investimentos.

Outros Estados são penalizados pela União nesta relação entre a arrecadação e o retorno. Depois de São Paulo, vem Santa Catarina, meu Estado de origem, que enviou R$ 97 bilhões para Brasília em 2021, mas só teve R$ 7 bilhões (7,6%) de volta para aplicar em todos os setores básicos e infraestrutura. Em seguida vem o Rio de Janeiro, com R$ 329 bilhões de arrecadação e R$ 25 bilhões (7,6%) de retorno – mas o Rio tem a vantagem dos royalties do petróleo. Depois vêm o Paraná, com R$ 91 bi e 10 bi de retorno (11,1%); Espírito Santo, R$ 30 bi e R$ 4 bi (13,8%); e o Amazonas, com R$ 20 bi e R$ 3 bi (14,5%).

Um país grande e carente como o Brasil precisa de mais investimentos. Porém, na prática, a concentração dos recursos em Brasília, com 58% de tudo o que se arrecada de impostos ficando com a União, e apenas 24% com Estados e 18% com municípios cria uma situação de extrema desigualdade, lembrando que obrigações como saúde, educação e infraestrutura foram levadas para a “ponta” pela Constituição de 1988. Depois de sua promulgação, foram criadas e aumentadas taxas e contribuições que foram direcionadas para a União.
Mesmo com toda essa concentração de recursos em Brasília, o nosso país mais gasta do que arrecada há pelos menos 10 anos, lembrou o governador Rodrigo Garcia. Para se ter uma ideia do que isso significa, a despesa pública brasileira cresceu de 29,5% para 41% do PIB, ou seja, a soma de todas as riquezas produzidas pelo Brasil, entre 2008 e 2019. Depois veio a pandemia – e a explosão do teto de gastos, só em 2020 de R$ 524 bilhões.

E tem mais: esse déficit público causou um serviço (juros) da dívida calculado entre R$ 600 e 700 bilhões em 2021 – há controvérsias entre os números do Governo e o dos institutos e universidades – enquanto que a União devolveu aos Estados apenas R$ 197,4 bilhões, ou seja, cerca de 30% desse valor para as unidades da Federação darem conta das áreas básicas e infraestrutura. Com isso, os investimentos públicos no Brasil chegaram aos níveis mais baixos da história, os mesmos de 1947, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas – e devem cair mais ainda. Afinal, como investir, se 95% do orçamento da União está comprometido com gastos fixos e obrigatórios, como a Previdência e o pagamento dos servidores públicos?

É preciso mudar este estado de coisas – e de forma criativa, como foi a solução proposta pelo governador Rodrigo Garcia, para suspensão da dívida de São Paulo por dois anos, compensando as bilionárias perdas com a arrecadação do ICMS. Vou mais longe: é preciso fazer algo nessa linha, de forma emergencial, com a dívida dos Estados. Hoje a União é “agiota” das unidades da Federação, como se Estados e municípios fossem entes “extraterrestres”.

As dívidas estaduais poderiam ser imediatamente aplicadas em cada um deles em saúde, educação, segurança, infraestrutura e outros setores prioritários. Governo Federal e os Estados passariam a ser "sócios" nestas obras e investimentos, que beneficiariam os 212 milhões de brasileiros em 5.570 municípios. As obras priorizadas deveriam ser escolhidas em comum acordo de forma a aumentar a produtividade da economia – e assim reforçar a própria economia e ampliar as arrecadações futuras.

São estas coisas que devemos levar à sociedade nestas eleições - e não banalidades, factoides, fake news, nem ficar discutindo qual é o futuro “menos pior”.

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