Miriam Sanger

A arte de rir da própria desgraça

O lendário humor judaico é uma válvula de escape para a realidade da guerra

Em Israel, eventos sérios são transformados em memes em poucos minutos
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Em Israel, eventos sérios são transformados em memes em poucos minutos


Yohay Sponder é um comediante incrível que começa a ganhar destaque em Israel.  Bem, mais um entre vários – afinal, o humor judaico é uma espécie de marca registrada do povo judeu, uma nação com milhares de comediantes sarcásticos que esperam apenas pela oportunidade de exibi-lo. 

O cinema está repleto de representantes lendários desse humor que, via de regra, é cínico e um tanto autodepreciativo (a exemplo de Woody Allen, os irmãos Joel e Eitan Coen ou Mel Brooks), assim como a TV (Jerry Seinfeld e Lenny Bruce), sem esquecer a literatura (como Philip Roth e até mesmo o prêmio Nobel de Literatura Isaac Bashevis Singer, que escrevia no dialeto dos judeus da Europa Central, o iídiche). O humor judaico nem sempre é de fácil digestão, uma vez que muitas vezes mexe com assuntos amargos, eventos históricos e traumas, e exige um tanto de inteligência para ser entendido pelo ângulo certo.

Ele segue também uma regra própria e importante: é de bom tom que seja usado apenas pelos próprios judeus. Os temas são infinitos, passando pela família – especialmente a autoritária e superprotetora iídiche mame –, gastronomia, educação, passado ou futuro. Os judeus também ironizam como ninguém o seu presente e, assim, é claro que a atual guerra e a onda de antissemitismo tornaram-se tema de muitas, muitas mesmo, piadas nesse último ano. Em um de seus reels recentes, Sponder brinca com o fato de muitos dizerem que este não é um bom momento da história para os judeus – como se outros o fossem.

Sarcasmo como defesa

Em Israel, eventos sérios são transformados em memes em poucos minutos. Nesses últimos meses, os principais personagens têm sido o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, seguido por nossos (ex) inimigos, como o líder do Hamas,  Yahya Sinwar, e o do Hezbollah,  Hassan Nasrallah. 

O Eretz Nehederet (País Maravilhoso) é um dos melhores e mais assistidos programas da TV local. Nele, políticos e personalidades israelenses são seus personagens principais, além de antissemitas internacionais “de plantão”: Greta Thunberg foi a estrela de alguns episódios, assim como os estudantes que realizam manifestações pró-Hamas em universidades americanas.






O Hayehudim Baim (Os Judeus Estão Chegando) é outro programa que fez enorme sucesso em Israel, no qual personagens históricos e bíblicos viviam situações hilárias, e até mesmo israelenses religiosos não conseguiam resistir a um Moisés que já não aguentava conduzir seu povo pelo deserto.  



Também em situações “em tempo real”, Jerry Seinfeld, um ícone do humor judaico, usa o sarcasmo com maestria para contornar situações constrangedoras que afligem judeus pelo mundo. Em um de seus shows nos Estados Unidos, ele soube reagir com classe aos gritos de Free Palestine de um dos espectadores na plateia. “Você terá que dizer a quem quer que dirija sua organização: acabamos de dar mais dinheiro para um judeu. Você precisa de um plano melhor.”



** Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.