No último domingo (1º), o exército israelense localizou os corpos de seis civis sequestrados
durante a invasão do Hamas ao sul de Israel no dia 7 de outubro de 2023. Assassinados com vários tiros à queima-roupa entre 2 e 3 dias antes da autópsia eles foram encontrados a apenas um quilômetro de distância do local de onde foi resgatado com vida, no dia 27 de agosto, o refém Kaid Farhan Al-Qadi.
A conclusão do exército de Israel é que guardas do Hamas, assustados com a proximidade de soldados israelenses, entenderam que não haveria possibilidade de mover os reféns para outro local, e tomaram por conta própria a decisão de exterminá-los para facilitar sua própria fuga.
Mais uma vez, como vem acontecendo nesses quase 11 meses de guerra entre Hamas e Israel, tenho a sensação de que estou assistindo a uma versão sinistra da série de TV A Guerra dos Tronos: quando acho que compreendi todo o roteiro e a trama chegou ao seu ápice, surge um elemento-surpresa.
A notícia caiu como uma bomba sobre a cabeça dos israelenses, confirmando que grupo terrorista Hamas não apenas está disposto a prolongar indefinidamente o conflito como, também, está pronto para eliminar cruelmente, e sem disfarces, sua moeda de troca mais preciosa: os poucos reféns vivos que permanecem sob seu poder.
(Durante a invasão do Hamas ao território sul de Israel, mais de 250 pessoas foram sequestradas. Hoje, 101 israelenses ainda são mantidos em Gaza: o governo israelense confirmou há tempos a morte de 39 deles, mas em Israel acredita-se que o número de sobreviventes não passe de 30.)
Essa notícia abalou profundamente a população, que há meses aguarda, com enorme angústia, a concretização de um acordo de cessar-fogo que inclua obrigatoriamente a libertação de todos os reféns, vivos e mortos.
A divisão da sociedade israelense
Os israelenses são naturalmente afeitos a polêmicas e discussões, além de ser uma sociedade altamente politizada (o que é provavelmente resultado dos quase 100% de índice de alfabetização e da própria população multidiversificada, formada por imigrantes dedezenas de países de todos os continentes). Assim, é natural que hoje se observe a dissonância clara – e estridente – entre os que são a favor ou contra um acordo de cessar-fogo.
O primeiro grupo defende que a principal obrigação do governo é trazer que volta aqueles que foram violentamente arrancados de suas casas naquele sábado negro. Para eles, nenhum outro aspecto pode ser mais prioritário e, para alcançar esse objetivo, o governo deve atender a qualquer exigência do Hamas – mesmo aquelas que colocam a segurança de Israel em risco, como a libertação de milhares de terroristas palestinos presos em Israel.
O segundo grupo foca-se mais na segurança permanente do país e teme que outros aspectos previstos nas atuais propostas de acordo criem um ambiente ainda mais propenso a guerras e terror na região. Entre os itens mais críticos estão a devolução do controle da fronteira entre Gaza e Egito ao Hamas, denominada Corredor Philadelphi, já que por ali, por meio de enormes túneis, foi contrabandeada a maior parte do arsenal bélico do grupo. Outro aspecto inaceitável do acordo para esse grupo refere-se à retiradadas tropas israelenses antes mesmo da devolução de todos os reféns, o que impediria o exército de atuar caso o Hamas não cumpra com sua parte do acordo.
Greve geral aumenta a turbulência no país
A libertação dos reféns tornou-se um assunto político em Israel e foi encampado por grupos que, no ano anterior à guerra, lideraram manifestações semanais por todo o país em prol da derrubada do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu. Nos eventos como o do último domingo, que reuniu dezenas de milhares de pessoas em diferentes cidades do país, os dois assuntos – libertação dos reféns e troca de governo – estavam em pauta.
Juntou-se ao cenário a Central dos Sindicatos local, que convocou uma greve geral que paralisou por um dia, entre outros órgãos, companhias de transporte público, jardins de infância e até mesmo o Aeroporto Ben Gurion, o principal meio de ligação de Israel com o mundo. O objetivo da paralização foi político: pressionar o governo por um acordo de cessar-fogo.
A comoção em relação aos reféns em Gaza atinge igualmente toda a população, a qual busca enxergar qualquer ínfima luz no fim do túnel. No entanto, tudo indica que apenas uma parte dela tem consciência de que o líder do Hamas, Yahya Sinwar, está assistindo ao espetáculo popular com enorme satisfação, com os dedos prontos em sinal de V (de vitória).
** Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.