O aterro do Flamengo, na zona sul do Rio, visto do Morro da Urca
Alexandre Macieira/Riotur
O aterro do Flamengo, na zona sul do Rio, visto do Morro da Urca

O Brasil é amplamente reconhecido internacionalmente como um exemplo de regulamentação de suas zonas costeiras. Com a proibição da privatização de praias e áreas marítimas, assim como da construção de estruturas que obstruam a entrada do público e a vista para o mar, o país tem mantido uma abordagem que valoriza o acesso coletivo ao litoral. No entanto, uma nova proposta legislativa tem gerado preocupações quanto à preservação desses princípios e à possível abertura para especulação econômica. 

Essa medida visa a proteger os ambientes marinhos e garantir que essas áreas permaneçam acessíveis e desfrutáveis por todos. 

Aterros no Rio de Janeiro

De acordo com a Constituição Federal de 1988, os "terrenos de marinha e seus acrescidos", que abrangem a área entre a linha imaginária da média das marés e 33 metros rumo ao continente, são considerados propriedades da União.  Mesmo em áreas que foram aterradas, continua valendo a metragem original. Isso cria um fenômeno curioso em algumas grandes metrópoles, como o Rio de Janeiro. 

A antiga Capital Federal promoveu vários empreendimentos para fins urbanísticos como os Aterros do Flamengo, Botafogo e Praias de Copacabana e trechos de Ipanema e Leblon. Nesses bairros, essas intervenções humanas, fizeram surgir ruas, parques e areais entre as construções existentes e a linha d´água. 

O que é Laudêmio? 

Dentro desse contexto, surgem os questionamentos sobre a polêmica da Taxa de "Laudêmio", que é um termo utilizado para descrever um valos pago  à União quando há ocupações de terrenos litorâneos. 

A aprovação da PEC tem sido justificada, em parte, pelo fim dessa taxa. No entanto, especialistas apontam que o formato atual da proposta não especifica de forma geográfica ou histórica as áreas abrangidas, abrindo espaço para as interpretações que podem permitir a ocupação e privatização de áreas de terrenos de marinha, incluindo praias, ilhas, mangues e margens de rios e lagoas afetadas pela maré. 

“O fim da taxa de laudêmio é uma das justificativas para a aprovação da PEC. No entanto, o formato da PEC não estabelece a indicação geográfica ou histórica destas áreas e traz aberturas de que qualquer área de terrenos de marinha possam ser ocupadas e utlizar desta legislação para clamar pela privatização, sendo um enorme retrocesso para a conservação e para o combate às mudanças climáticas” explica Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Proposta privatizante

A legislação nem sempre é rigidamente cumprida, e atualmente, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC)  pode abrir de vez “essa porteira”.  Está sendo discutida no Senado sob o número 03/22, suscitando preocupações sobre a possível privatização de áreas costeiras de patrimônio público. 

Pressões para a privatização têm sido notadas em diferentes frentes, com diversos grupos e setores buscando redefinir as normas em torno do acesso e controle desses espaços. Essas pressões frequentemente vêm de grupos ligados à indústria do turismo e à especulação imobiliária, que enxergam a costa brasileira como um terreno fértil para oportunidades lucrativas. 

Atraídos pelas belas paisagens e pelo potencial de desenvolvimento, alguns setores buscam relaxar as restrições atuais e permitir construções em áreas anteriormente protegidas. Essa abordagem coloca em risco tanto os valores ambientais quanto a acessibilidade pública. 

Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado debates intensos em relação às tentativas de privatização de praias e áreas costeiras.  Essa tendência tem encontrado resistência por parte de organizações ambientais, comunidades locais e especialistas que valorizam a preservação dos ecossistemas costeiros e o acesso democrático às praias. 

Esses defensores argumentam que a privatização das praias não só ameaçaria a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas marinhos, mas também perpetuaria desigualdades sociais ao restringir o acesso a espaços que deveriam ser desfrutados por todos os cidadãos. 

Ao apagar das Luzes

O que é mais alarmante é que a discussão parlamentar em torno dessa proposta não está recebendo a atenção merecida da sociedade e da mídia, criando uma lacuna na compreensão das implicações dessa legislação. A discussão aberta e ampliada é fundamental para garantir que as decisões tomadas considerem não apenas os interesses econômicos, mas também o bem-estar ambiental e social a longo prazo. 

Com a votação da PEC se aproximando, é crucial que a sociedade esteja ciente das implicações dessa proposta e das possíveis mudanças e efeitos colaterais que ela pode trazer para o acesso e a preservação de áreas costeiras e marítimas no Brasil. 

A possibilidade de restringir o acesso a locais que historicamente pertencem a todos os cidadãos poderia agravar as desigualdades sociais e criar barreiras entre diferentes estratos da sociedade. 

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