No momento em que os povos originários encontram garantia de participação no novo governo Lula e a sociedade começa a reconhecê-los como verdadeiros guardiões das florestas, a iniciativa dos Paumaris pode ser um exemplo de atuação conjunta dessas populações com o poder público e órgãos ambientais.

Após constantes invasões por barcos pesqueiros de grande porte, eles reverteram o processo de extinção em suas reservas, onde estavam cada vez mais escassas, espécies de peixes e quelônios. Em dez anos, conseguiram uma receita bruta de quase 1,5 milhão de reais com a implantação da pesca sustentável. Intensificaram a vigilância dos lagos e rios, e passaram a monitorar os estoques capturados anualmente.

Pirarucu
Divulgação/Raízes do Purus

O pirarucu é o maior peixe de escamas de água doce do mundo

"As crianças não conheciam mais o pirarucu", lembra Maria do Rosário Paumari, referindo-se a um passado não tão distante, no qual as três terras indígenas de seu povo, no Rio Tapauá, sul do Amazonas.

Pirarucu
Maior peixe de escamas de água doce do mundo, pode chegar a duzentos quilos, e três metros de comprimento, o que é cada vez mais raro hoje em dia por conta da pesca desenfreada. Sua carne é muito apreciada e, por isso, a espécie está próxima da extinção. Com as medidas implantadas, os paumaris aumentaram em mais de 600% a população dessa espécie em seu território.

"Ontem vimos pirarucus boiando no Rio Tapauá, o que não acontecia há muito tempo. Isso significa que os lagos estão cheios, porque os peixes estão saindo dos lagos para o leito do rio", celebrou Sara Paumari.  

Mesmo em 1996, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tendo proibido a captura em ambiente no Amazonas, não impede que as pescas ilegais na região continuem. Esses indígenas assumiram a defesa da espécie sendo os percursores a implementar o manejo sustentável em terras de povos originais. Foram necessários cinco anos de restrição total para que a população começasse a se regenerar. Só após esse período, em 2013, foi realizada a primeira pesca controlada. 

Captura permitida e tentativas de invasões
Todo ano, o Ibama permite que as comunidades que desenvolvem o manejo sustentável pesquem uma cota de até 30% dos pirarucus adultos. Podem consumidos e comercializados apenas indivíduos acima de 1,5 metros – o tamanho indica que o peixe já está na fase adulta e que, portanto, já foi capaz de se reproduzir.

O arrastro dos chamados bodegos ou pirarucus juvenis é proibido.

Atualmente, os Paumari têm sete bases flutuantes posicionadas em pontos estratégicos dos territórios, onde costuma haver invasões.

"Quando os rios começam a secar, posicionamos as bases e vigiamos as entradas de lagos e igarapés vinte e quatro horas por dia. Fora esse período mais intenso de vigilância, fazemos quatro rondas por todo os pontos vulneráveis das terras indígenas em diferentes épocas do ano", explica Francisco Paumari, coordenador do manejo sustentável de pirarucu do povo.

O sistema de vigilância tem surtido no geral, mas não impedem totalmente o problema enfrentado cotidianamente pelas comunidades.
"Eles ficam de olho na nossa rotina, e quando vamos para reuniões, aproveitam para invadir para pegar quelônios e pirarucus. Por isso, mesmo durante a pesca, as equipes precisam estar de plantão", comenta Margarida Paumari, do conselho de lideranças da Associação Indígena do Povo da Água (AIPA), que representa as comunidades das três terras indígenas no rio Tapauá. Nesse contexto, apontam os Paumari, é fundamental contar com o apoio dos órgãos responsáveis pela fiscalização de áreas protegidas, que podem efetivamente expulsar os invasores. "A gente pede para os invasores saírem, explicamos que não podem pescar no nosso território. Mas alguns ignoram, e ficam contrariados. É importante que a gente tenha o apoio das autoridades", relata Maria do Rosário.

Reversão da Extinção
Em 2012, foram contados 448 pirarucus adultos, e a cota autorizada pelo Ibama foi de 50 indivíduos, totalizando três toneladas de peixe. Em 2021, foram contados 2995, resultando em uma cota de 650 indivíduos, e mais de 36 toneladas de proteína animal de alta qualidade comercializadas por meio da  Associação dos Produtores Rurais de Carauari, que coordena um arranjo comercial justo e coletivo de pirarucu de manejo sustentável que reúne associações de base comunitárias indígenas e ribeirinhas que realizam o manejo em seus territórios. O grupo criou uma marca coletiva comunitária chamada  Gosto da Amazônia , para oferecer o pirarucu aos mercados do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Recife.

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