Israel, Palestina e o contexto do conflito no Oriente Médio
Foto: Freepik
Israel, Palestina e o contexto do conflito no Oriente Médio


A argumentação de Arlene Clemesha na matéria “Terras Prometidas” publicado em um periódico paulista em 25/11/23, embora carregue mais autorreferências do que referencias, não traz nem a densidade, tampouco a acurácia intelectual necessária, especialmente quando se trata de insinuações e afirmações tão peremptórias em relação aos conflitos que estão em curso no Oriente Médio.

A autora faz do revisionismo histórico um caso, baseado nas teses “orientalistas” de Edward Said e nas fantasias ideológicas do autor Ilan Pappe, lastreado nas bibliografias correspondentes. Uma espécie de tese de ofício bibliograficamente referenciada ou desinformação ocultada por um mimetismo erudito. Isto é, dão como certezas que determinadas “novas descobertas”, (eufemismo para as teses revisionistas) sempre repetindo uma seleção de autores prediletos, e as apresentando como se fosse a última palavra em termos de leitura acadêmica.

Said, valendo-se de uma tese de “releitura” de toda orientalidade, que segundo ele, foi desconstruída pelo ocidente, faz do revisionismo histórico um ensaio militante e ideológico do que ele julga, como um narrador onisciente, ser uma espécie de reparação histórica. Na verdade, o que Said produz é um grande libelo politicamente motivado não apenas para deslegitimar o Estado Democrático de Israel, como para exaltar uma inconfessável versão justificacionista para o jihadismo que dali em diante assumiria feições laicas. Ledo engano.

O escritor, poeta e articulista Nelson Ascher já havia prescrutado e prenunciado os malabarismos de Said com os fatos históricos em 2003:

“Um ano depois, em 1979, sairia seu outro "clássico", "A Questão da Palestina", um livro que pretende narrar a tragédia de seu povo, mas cujos contatos com a verdade histórica são, na melhor das hipóteses, tangenciais. Em meio às incontáveis mistificações sobre as quais se constrói essa versão deformada do passado, a mais escandalosa é o misterioso desaparecimento do Grão Mufti de Jerusalém, Hadj Amin Al Husseini (1893-1974). O principal líder político daquilo que Said chama de Palestina, o desencadeador e dirigente da revolta antibritânica de 1936-39, o aliado dos nazistas que tentou convencer Adolf Hitler a exterminar os judeus de Tel Aviv e Haifa, a personalidade que dominou a vida dos árabes da região entre os anos 20 e 60, conduzindo-os de catástrofe em catástrofe, aparece uma única vez, de passagem, no livro inteiro. Isso equivale a escrever sobre os EUA ou a Itália dos mesmos anos omitindo respectivamente os nomes de Roosevelt e Mussolini.” (FSP, 29/09/2003).

Pois bem, esta notável omissão do papel de Al Husseini perdura estrategicamente na maioria das análises posteriores feitas por revisionistas e compreende-se porquê: a incomoda associação do nazismo com o renascimento da judeofobia na terra santa, e, como alguns autores apontaram, uma das inspirações para a chamada “solução final” que culminou no extermínio de seis milhões de judeus.

Aliás, conhecemos bem este tipo de exortação que mais se assemelha a libelos inspirados e baseados ora na cartilha produzida pela polícia política do czar, ora na doxologia neomarxista e nas já citadas teses revisionistas, do que propriamente trabalho analítico, a razão de ser, na verdade a única razão de ser da hermenêutica acadêmica. E sabemos também que, nas últimas vezes que eles, os tais libelos triunfaram tivemos como resultado o antissemitismo estrutural – que parece querer se redesenhar -- que culminou no Shoá, o holocausto, evento que muitos autores já definiram como o maior drama da história ocidental. 

As teses orientalistas de Said e de seu sucessor mais contemporâneo desembocam na mesma fonte arenosa: ao afirmar defender teses anticolonialistas e libertárias, caem numa das mais simplistas argumentações, ao tentar fazer renascer as teses de Gamal Nasser sobre o nacionalismo árabe para recontar o “mito” da criação do Estado de Israel.

Para que o leitor compreenda melhor a exortação pelo renascimento do nacionalismo e do panarabismo destes autores, ele está edificado, basicamente, no que há de mais retrógrado em matéria de costumes uma vez que ancorado numa reacionária visão antiocidental e, até certo ponto, retrógrada e antidemocrática.    

Recorro novamente ao texto de Ascher para denunciar os abusos dos conceitos trazidos por Said e outros revisionistas mais contemporâneos:

“Seu "clássico" (de Edward Said) é uma diatribe confusa, desinformada e raivosa que se resume na aplicação a um caso particular da batida tese genérica de acordo com a qual intelectuais são, em sua maioria, lacaios da classe dominante. O que "Orientalismo" tenta expor com meias verdades, com um "non sequitur" após o outro, com exemplos abstrusos e exceções convertidas em regras, é que o orientalismo, a disciplina, ou melhor, o conjunto de disciplinas dedicadas ao estudo dos povos e culturas ao leste da Europa não passa do braço teórico da prática imperial. Trocando em miúdos, quem quer que tenha se aprofundado no estudo de línguas difíceis, como o chinês ou o sânscrito, traduzido e anotado obras antigas ou esquecidas da Pérsia ou do Japão, localizado e restaurado as ruínas de templos e palácios soterrados fez o que fez para que capitalistas londrinos ou parisienses extraíssem confortavelmente a mais-valia gerada por povos distantes.”(mesma fonte). 

O álibi que justifica o terror em função de “terras ocupadas” pode ser discutido do ponto de vista da ética e da filosofia, mas seria mais adequado encaminhar a discussão também do ponto de vista da lógica cultural de nosso tempo. A autora do referido artigo pretende destruir o “mito do êxodo voluntário dos palestinos em 1948” (sic) omitindo o contexto de quem foi o primeiro agressor – uma coalização de exércitos nacionais liderados pelo Egito, Síria e Jordânia -- assim que a ONU proclamou a partilha da regiãono histórico ano de 1948.

E, ao mesmo tempo, a autora esconde dos leitores o êxodo dos judeus expulsos dos países árabes, este êxodo sim, flagrantemente involuntário. Vejamos numa rápida passagem os números para entender este ponto.

Do Iraque foram expulsos 135.000 judeus, hoje vivem 4, da Síria 40.000, do Líbano 20.000, hoje vivem 29, da Líbia 38.000, hoje nenhum, da Tunísia 105.600 hoje vivem 1000, do Marrocos 265.000, hoje vivem 2100, do Egito 63.500, hoje vivem 3, da Argélia 140.000, hoje vivem 200, do Yemen 60.000, hoje vive apenas 1, e centenas de milhares mais dos países nas adjacências. Fora aqueles expulsos de países não árabes, como o Irã, onde mais de 100.000 judeus foram convidados a “se deslocar”, hoje vivem apenas 1000 no País persa. Em Gaza viviam 7.947 judeus, hoje, nenhum.

A pergunta certa deveria ser: onde estão hoje estas populações judaicas expulsas? 

Não há resposta que seja politicamente suportável para quem elabora teses fabricadas para desinformar.

Portanto, se a acusação subliminar de limpeza étnica (um slogan que segue conquistando incautos e aqueles que não querem se debruçar sobre fatos) tivesse o mínimo fundamento veríamos outra realidade de solo: não só outros números.

No caso específico do atual conflito em Gaza, o “Ministério de Saúde do Hamas”, seja lá o que ele significa em termos de confiabilidade, parece ter tempo de sobra para contabilizar em tempo real recorde todo os registros de identificação das vítimas da guerra. Vítimas civis e feridos inocentes são sempre uma tragédia a ser lamentada, entretanto as circunstâncias estão cada vez mais transparentes: Hamas não só os utiliza de forma instrumental, como deseja a morte de civis. E usa a distorção dos fatos para alavancar sua agenda genocida contra Israel, judeus e todos os “infiéis” do mundo. Basta checar o número exato de cidadãos civis que os terroristas alegam ter falecido em Gaza. Notem que dentre eles não há nenhum combatente, nenhum terrorista armado. Se a capacidade militar de Israel fosse plenamente exercida, teríamos decerto outro tipo de desfecho.

A omissão ou protagonismo da comunidade internacional para encontrar uma solução de civis usados como escudos humanos, o uso militar de instalações hospitalares, o financiamento internacional de grupos terroristas também faz parte da equação. 


Portanto é espantoso, que se use o espaço público de um periódico para espalhar palavras de ordem sem consistência. Com qual propósito a persistência em desinformar prossegue? Impulsionar conhecidas tendencias antissionistas? Reafirmar teses pouco empáticas ao povo judeu? Ora, o cenário atual é velho conhecido dos judeus, aqueles que sobreviveram à múltiplas perseguições sistemáticas.

Não há aqui a pretensão de sanear o ambiente tóxico no qual se tornou o debate em torno desta guerra. Guerra, vale lembrar, que não foi iniciada por Israel. Amos Óz um celebre e reconhecido agente pela paz, mundialmente conhecido, deixava claro, ele não era exatamente um pacifista, definia-se antes como um peacenik .

A diferença entre ambos seria: sua convicção pela paz seguiria firme até que se constatasse agressão. Caso ela ocorra, como foi o caso dos massacres que os terroristas do Hamas fizeram contra crianças, mulheres, idosos e demais civis, no sul de Israel com estupros, mutilação e uma perversidade inaudita, deixando um rastro de 5.000 feridos, 1.200 mortos, e restando mais de 130 sequestrados, ela não só precisa ser respondida, é uma obrigação do Estado para com seus cidadãos.

Israel está isolado em sua posição de exercer a legítima defesa? Se depender das presidentes de três das maiores instituições universitárias dos EUA Elise sim. As representantes de Harvard, Pensilvânia e do MIT falharam na audiência do Congresso ao ser interpeladas pela corajosa congressista deputada Elise Stefanik. Foram questionadas se condenavam a violação dos respectivos códigos de conduta presente no estatuto destas instituições quando estudantes pró-Palestina promoveram vandalismo e atos de intimidação contra judeus em seus campi, conclamando morte e genocídio. Pois o trio respondeu um frio e patético “depende do contexto” num vexatório e antiético jogral combinado.

Ora, de qual contexto depende condenar violência e bullying dentro de seus domínios acadêmicos?

Do contexto da conveniência política?

Ou do volume de subsídios vindo de países como o Qatar, sozinho responsável pela doação de 4,7 bilhões de dólares para Universidades americana somente no ano de 2022? 

Espera-se que agora elas possam fornecer respostas um pouco mais elaboradas, à altura de suas titulações acadêmicas.

Recentemente, o ex-candidato à presidência dos EUA, Bernie Sanders, e a ex-primeira-dama Hillary Clinton e outras figuras relevantes da atual administração norte americana reconheceram: é preciso sempre salvaguardar a vida de civis, mesmo quando o terrorismo os utiliza de forma instrumental, porém não se pode conceder a um adversário que renova várias vezes ao dia seu juramento de morte a um País e ao seu povo.

Nestas circunstâncias, a ação para se proteger do terror deixa de ser opcional: ela se torna compulsória. Evidentemente uma pena deve ser aplicada para evitar que o agressor fique em liberdade para reincidir no crime.

Para esta finalidade o direito nos deu o conceito de dosimetria.

Mas e se o agressor for um governo usurpador? E se o domínio for exercido de forma tirânica e autocrática? E se estivermos dentro de um reino de terror? Pois é o que vem acontecendo em Gaza desde 2005, quando através de um golpe de Estado, o Hamas, apoiado por países como o Irã e outras autocracias, implanta uma ditadura islâmica de base teocrática pregando abertamente o genocídio de outras religiões e etnias.

Israel e os judeus do mundo jamais se submeterão às forças que nunca abdicaram de desejar sua eliminação. As promessas da Terra sempre estiveram lastreadas por evidências históricas, arqueológicas, escriturais, epistemológicas e pela longeva tradição. As promessas da terra foram de um pátio estéril a uma terra prometida. São estas evidências que atestam sua força e permanência. Se não querem ouvi-lo, Israel se fará presente à revelia. Se não desejam permitir sua existência, se tornará a própria terra. Até que o desejo de paz e coexistência atinjam o consenso entre os povos que aceitam a civilização.

De preferência com uma paz justa, talvez duradoura, construída com interlocutores que declarem não às portas fechadas para seus próprios corpos diplomáticos, mas aos quatro ventos, e, publicamente: doravante renunciam à morte.

De agora em diante darão preferência à vida.

Preferência absoluta. 

Paulo Rosenbaum

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!