Em 2014, milhões de brasileiros acompanharam todos os dias, nos principais veículos de comunicação, informações sobre a Operação Lava Jato, responsável por investigar várias figuras influentes ao longo dos últimos anos. A operação cumpriu mais de mil mandados de busca e apreensão, prendeu temporariamente e preventivamente empresários e políticos, formou novas lideranças e virou debate entre especialistas do judiciário e da imprensa.
Ao identificar crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa, entre tantos outros crimes, a operação jogou holofote no sistema político do país. Na mesma época, parlamentares, governadores e a presidente Dilma Rousseff
(PT) eram alvos de protestos de milhões de brasileiros, tanto de esquerda quanto de direita.
Porém, ao investigar e prender Lula, a Lava Jato entrou na mira de jornalistas, juristas e políticos. O petista acusou os procuradores da operação e o ex-juiz Sergio Moro de estarem o perseguindo.
Entre 2016 e 2018, a popularidade de Moro viveu seu ápice, mas passou a ‘derreter’ quando ele aceitou ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro. A partir desse ponto, cresceu o argumento de que o ex-juiz instrumentalizou a justiça para retirar um adversário político da disputa das eleições presidenciais daquele período.
Com o surgimento da Vaza Jato, no qual hackers invadiram celulares dos procuradores e de Moro e vazaram conversas comprometedoras, a operação perdeu muita credibilidade aos olhos de milhões de brasileiros. Em 2019, o STF derrubou a prisão em segunda instância. No ano seguinte, Lula recuperou seus direitos políticos e se tornou pré-candidato à Presidência.
Bolsonaro foi acusado de enterrar a Lava Jato da forma que ela ficou conhecida. Moro se tornou suspeito após decisão do Supremo e várias condenações da operação foram anuladas.
Em fevereiro deste ano, Eduardo Appio, um dos críticos dos métodos adotados por Moro e pelos procuradores da operação , foi oficializado titular da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, tornando-se responsável pela Lava Jato.
Os atritos da Lava Jato
Na mira dos políticos, a Lava Jato seguiu servindo de palco para guerras de narrativas. Surgiram informações de que Eduardo Appio doou para a campanha de Lula em 2022. Ele negou. Em março, uma nova acusação. O ex-juiz usava a senha ‘LUL22’ para acessar o sistema da Justiça Federal. O magistrado alegou protesto pessoal e isolado.
Na segunda (22), o TRF-4 (Conselho do Tribunal Regional Federal) afastou o magistrado da função, substituindo temporariamente pela juíza Gabriela Hardt, que já admitiu admiração por Moro.
A decisão ocorreu após uma representação do desembargador federal Marcelo Malucelli. O magistrado alegou que o filho dele, João Eduardo Barreto Malucelli, recebeu “ameaças” através de um telefonema. Appio diz que é inocente.
E agora, a Lava Jato tem futuro?
O jurista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, nunca escondeu sua insatisfação com os métodos adotados pelos procuradores e Sergio Moro no auge da Lava Jato. Na avaliação dele, as atitudes tomadas pelo grupo farão com que todos os envolvidos sejam investigados.
“O futuro da Lava Jato é a investigação criminal sobre aqueles que o Supremo Tribunal Federal disse que fizeram a corrupção no sistema de justiça”, opina. “Estamos em um início de momento que é grave, porque você tem a divulgação que o disco rígido da Odebrecht foi quebrado a broca pelo juiz do interior, que também é do grupo do Moro”.
Ele trata o afastamento de Appio, no qual o classifica de ‘juiz sério’, como uma reação do grupo que se “sentiu ameaçado” pelas decisões tomadas pelo juiz, mas não acredita que a decisão é definitiva. “O que existe hoje, infelizmente, é a continuação de uma guerra dentro da Lava Jato de Curitiba”.
“Mas não acho que isso colocará em risco esse momento novo da operação, que tem feito a investigação das responsabilidades criminais, principalmente do ex-juiz Moro e dos procuradores que ele coordenava. Depois pode ter uma investigação para saber porque os tribunais foram tão coniventes com a operação”, afirma.
Kakay explica que a Lava Jato era “totalmente fechada em Curitiba”, porque existia apenas um grupo que ele se refere como “República de Curitiba”. Agora, na avaliação dele, o momento da operação é outro.
Contraditório
Ao longo da Lava Jato, Kakay acusou os membros da operação de cometerem várias irregularidades, principalmente contra o presidente Lula. Quando se cogitou a possibilidade de Moro ser indicado ao Supremo, o jurista ironizou.
Mas a visão de Kakay não é a mesma de Adelaide Oliveira. Formada em Letras, trabalhou no Grupo Votorantim e exerceu a profissão de corretora de imóveis durante 24 anos. Sua vida deu um giro há quase uma década, quando resolveu fazer parte do movimento Vem Pra Rua e participou das manifestações contra a ex-presidente Dilma Rousseff e a favor das 10 medidas anticorrupção.
Lavajatista assumida, seguiu defendendo a bandeira pró-operação dentro do MBL e chegou a ser vice da chapa de Arthur do Val, o Mamãe Falei, a Prefeitura de São Paulo em 2020. Porém, ela admite que a operação não tem o mesmo ‘DNA’ do passado.
“A Lava Jato acabou. Aquela Lava Jato que a gente conheceu, com um sistema inteligente, não existe mais. Hoje só tem o nome e 'cadáveres' para se resolver [juridicamente]”, lamenta.
Ela aponta que a operação enfraqueceu por culpa dos ataques promovidos pelo sistema, porque muitos políticos e empresários foram alvos. Também reconhece que a ida de Moro para o governo Bolsonaro acelerou o “processo de destruição”.
“Mesmo assim, cedo ou tarde, o sistema conseguiria acabar com a Lava Jato como a gente conheceu. O fim dela era benéfico para muita gente”, opina.
Apesar da frustração, Adelaide mantém a esperança que um dia a Lava Jato ou uma nova operação consiga combater à corrupção. Ela indica que isso só acontecerá se tiver a participação dos brasileiros.
"A Lava Jato, com a equipe do passado, responsável por combater à corrupção, poderia servir de exemplo para outros setores. Imagina uma Lava Jato para enfrentar o crime organizado? Iríamos ter grandes resultados. Infelizmente, não deu certo", lamenta.
"Mas acredito que possamos lutar por um sistema de combate à corrupção mais sólido. Acreditamos que bastava trocar de governo e iríamos resolver os problemas, mas não é bem assim. Tenho certeza que o brasileiro, aquele que participou das manifestações de 2014 e 2015, que paga seu imposto corretamente, seguirá lutando para que possamos ter justiça e ética no nosso país. Eu tenho essa esperança".
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