Pouca gente a essa altura ainda demonstra algum incômodo diante da perigosa inversão de valores embutida nos comentários sobre a guerra no Oriente Médio. A vítima vem sendo cada vez mais tratada como o agressor e o agressor, como a vítima. Qualquer informação que tenha como fonte as Forças de Defesa de Israel — que falam em nome de um governo democrático que, queira ou não, será cobrado por tudo o que for dito — é recebida com reservas. E sempre aparece alguém para lembrar que ela não foi “checada por fontes independentes” — o que equivale a dizer que não merece crédito.
A reação é outra, porém, quando a informação vem do “Ministério da Saúde do Hamas”. Pouca gente, antes da guerra, tinha noção de que os terroristas, que desde 2007 dominam a Faixa de Gaza com mão de ferro, contavam com um “Ministério da Saúde” tão organizado, ágil e eficiente. Mas bastou ter sua existência revelada ao mundo para que a instituição fosse posta acima de qualquer suspeita. Tudo o que vem de lá é aceito como verdade pela própria Organização das Nações Unidas, ainda que se trate apenas de versões convenientes a terroristas que não prestam contas nem à sua própria consciência.
Muitas outras atitudes, além da confiança depositada nesse “Ministério”, denunciam o tratamento gentil que muita gente no Ocidente dispensa aos terroristas — que para a própria ONU e para alguns governos, entre eles o do Brasil, nem terrorista é. Uma das lorotas mais frequentes que se ouve a respeito do Hamas, por exemplo, é a que aponta diferenças de métodos e de opiniões entre “o braço armado”, encarregado de cometer os atentados terroristas e conhecido como Brigada Izz el-Deen al-Qassan, e os “civis” do Conselho Político — que se apresentam ao mundo para falar em nome da organização.
Da forma como um e outro são tratados, é como se os “combatentes” que cometem os crimes não seguissem as orientações dos “políticos” que os ordenam — e como se os “políticos” não tivessem a mínima responsabilidade pelas ações “militares” do bando. Ou seja, para a turma que por conveniência política ou por afinidade ideológica aceita sem pensar tudo que escuta do Hamas, é como se a mão que desfere a facada tivesse vontade própria e não obedecesse às ordens do cérebro que toma a decisão de agredir.
VITÓRIA DO TERROR — Não é a primeira vez que esse tema é tratado neste espaço — mas como o problema tem se tornado mais preocupante a cada semana, é sempre necessário voltar a ele, nem que seja apenas para alertar sobre o risco que essa atitude representa. Isso é necessário — ainda mais neste momento em que as hostilidades foram retomadas na sexta-feira passada, após um cessar fogo que durou uma semana para resguardar a troca de reféns israelenses, que estavam em poder dos terroristas, por palestinos que cumpriam penas em Israel. A volta dos bombardeios logo levará os terroristas a falar em um número exagerado de vítimas civis entre a população palestina e se esqueçam de que foi deles que partiram as primeiras brutalidades.
Segundo o “Ministério do Hamas”, houve 39 vítimas logo nas horas seguintes à retomada dos ataques. Ninguém deu importância ao fato de que, pouco antes dos ataques a seus esconderijos, eles tinham disparado foguetes contra Israel. Ninguém, da mesma forma, considerou grave a recusa do Hamas em apresentar aquilo que, para Israel é ponto de honra: provas irrefutáveis de vida dos reféns arrancados à força de suas casas no dia 7 de outubro. Da mesma forma, não apresentaram a lista com os nomes dos reféns que deveriam ser trocados. A alegação para a recusa é ridícula. Muitos dos reféns, segundo os porta-vozes dos terroristas, estariam em poder de outras organizações, sobre as quais o Hamas não tem qualquer influência.
Outro ponto que não parece preocupar a ninguém é a parcialidade absurda da ONU num conflito em torno do qual, por sua própria natureza, ela tinha a obrigação de se manter neutra. Mas bastou que Israel partisse para a ofensiva logo depois da agressão covarde do dia 7 de outubro para que o Secretário-Geral António Guterres livrasse os terroristas de qualquer responsabilidade sobre o conflito e começasse a falar da força exagerada empregada por Israel em sua reação.
Com retomada das hostilidades, a organização voltou a demonstrar que já escolheu seu lado no conflito. Uma das declarações que deixaram isso claro foi dada por James Elder, porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância — Unicef.
A exemplo do que tem feito Guterres, Elder exigiu um cessar-fogo imediato e criticou as grandes potências aliadas de Israel por não evitarem a retomada dos conflitos. Além disso, afirmou que “a inação, em sua essência, é uma aprovação da matança de crianças. É imprudente pensar que mais ataques contra o povo de Gaza levarão a algo diferente de uma carnificina”. Há mais de 50 dias espera-se do Unicef uma condenação, mínima que seja, ao assassinato de recém-nascidos (alguns deles assados vivos em fornos domésticos) e ao sequestro de crianças pelos terroristas durante os atentados de 7 de outubro...
Não há como negar que a reação de Israel tem sido firme e implacável — e que muitas vezes atinge civis. É igualmente obrigatório, porém, denunciar que os terroristas têm o hábito de expor a população civil a um risco exagerado ao se esconder atrás dela para se proteger dos ataques. Os organismos da ONU conhecem essa prática — mas nunca a condenaram. A impressão que fica é a de que o órgão internacional já havia decidido de quem é a culpa nessa história antes mesmo de a guerra começar e que, se não fosse a ação dos Estados Unidos no Conselho de Segurança, Israel já teria sido obrigado a oferecer a outra face aos terroristas que o agrediram. Seja como for, as declarações que condenam a reação como um fato mais grave do que a agressão que a motivou são prova de que, naquilo que depender das Nações Unidas, o terror sairá vitorioso dessa guerra.
A vitória, pelo menos agora, não será militar. E nem é esse o objetivo do terror neste momento. O que o Hamas pretende é encostar Israel contra a parede e, assim, obter uma espécie de salvo conduto que lhe permita continuar praticando seus crimes com a certeza de que o outro lado pagará por eles. E isso, convenhamos, é a vitória do terror.
A cada vez que as informações de seu interesse são tratadas com mais respeito do que as que são passadas pelo governo de Israel, os terroristas se fortalecem. E esse fortalecimento representa um perigo real não só para Israel, mas para todo o Ocidente. Alguém já parou para pensar no que aconteceria ao Oriente Médio e ao mundo caso o Hamas, no final das contas, ganhasse de fato essa guerra? O que poderia acontecer caso os terroristas alcançassem o objetivo de destruir Israel e impusessem seus valores a todos os que estiverem sob seu domínio?
É bom que os brasileiros, a começar por integrantes do próprio governo, comecem a refletir sobre questões como essas antes de sair por aí culpando Israel e seus aliados por tudo de ruim que está acontecendo no Oriente Médio — uma postura que, no final das contas, significa a defesa de tudo o que os terroristas defendem. Na sexta-feira passada, em sua participação na abertura da COP-28, a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, que acontece em Dubai nos Emirados Árabes Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a fazer críticas veladas aos Estados Unidos — que, em outubro, vetou no Conselho de Segurança a resolução apresentada pelo Brasil, que determinava um cessar-fogo, mas não reconhecia o direito de Israel reagir à agressão nem exigia a libertação dos reféns sequestrado pelos facínoras.
“É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz simplesmente porque alguns de seus membros lucram com a guerra”, disse Lula. O presidente, ao insinuar que os Estados Unidos lucram com a guerra, não fez qualquer menção ao Irã, país que jamais escondeu seu interesse nesse conflito nem negou seu patrocínio a organizações terroristas como o Hezbollah e o Hamas, que estão por trás de toda a violência que se vê no Oriente Médio. O governo atual pode não considerar isso um problema, mas o fato é que a postura do Brasil tem sido vista com reserva crescente por seus tradicionais aliados do Ocidente — e isso poderá custar caro na negociação de temas importantes que envolvam os Estados Unidos ou os países europeus. A diplomacia brasileira, cada vez mais, tem se alinhado com os países que preferem fechar os olhos para as verdadeiras causas da guerra. E que, como fez o porta-voz do Unicef, se referem às vítimas entre a população civil da Faixa de Gaza sem demonstrar qualquer comoção diante das vítimas da agressão. Isso tem servido para que o Brasil perca a confiança de seus antigos aliados e seja visto como um país subserviente aos interesses de quem, de fato, quer lucrar com o terrorismo.
Mantido esse nível de submissão a seus interesses, os terroristas do Hamas não terão dificuldades para expandir seus domínios para além da Palestina. Pouco a pouco, eles acabarão fincando sua bandeira no Brasil e, diante da simpatia que despertam em alguns setores políticos do país, talvez até consigam crescer entre nós. Sem enfrentar resistências, eles expandirão sua influência e até (quem sabe?) chegar ao ponto de impor por aqui a mesma rédea curta com que mantêm o controle sobre as populações dominadas por eles. Como acontece, por exemplo, no Irã, onde o povo é sufocado pelo regime de terror dos fundamentalistas desde 1979.
E assim, quando menos esperarmos, as mulheres cariocas se verão proibidas de andar de minissaia ou de usar biquíni em Ipanema. Os integrantes da população LGBTQIA+ serão arremessados do 41º do Edifício Cândido Mendes, na Rua da Assembleia. E a rapaziada não poderá mais tomar seu chope e suas caipirinhas nas noites animadas do Leblon.
TRUCULÊNCIA E OPRESSÃO — A imagem acima, sem dúvida, é exagerada e até mesmo grotesca. Certamente, cenas como essa são improváveis e não passam pela cabeça de nenhum brasileiro que demonstra sua simpatia ao Hamas. Mas, com toda certeza, isso é levado em conta pela turma do Hamas, do Hezbollah ou de qualquer outro grupo que, ao ser acolhido num país estrangeiro, não faz a menor questão de assimilar os valores da cultura local. E que, ao contrário, tenta impor os seus valores a quem os recebeu. É isso que está por trás de uma série de atentados que volta e meia são cometidos em países europeus por gente que, depois de se abrigar no Ocidente, passa a combater os princípios e os valores que as democracias ocidentais levaram séculos para construir. Para quem impõe seu domínio pelo terror, a liberdade de que os outros desfrutam é ofensiva.
Ninguém pode ignorar que, por trás da guerra que se trava em Gaza, mais do que uma disputa por territórios, existe um choque de cultura e de valores que precisa ser levado em conta. A despeito das ideias anacrônicas defendidas por alguns integrantes do atual gabinete de coalizão liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Israel é e continuará sendo, até prova em contrário, a única democracia daquela parte do mundo — e até por essa razão, sua existência não é suportada por vizinhos que só conseguem se afirmar pela truculência, pela opressão e pelo medo.
Os milhares e milhares de árabes e palestinos que vivem no território israelense desfrutam de mais liberdade de expressão, de movimentação, de escolha e até mesmo de crença do que teriam em qualquer outro país da região. O que está em curso neste momento, portanto, não é apenas uma guerra entre o Estado de Israel e os terroristas que tentam destruí-lo com seus métodos cruéis e covardes. O que está em disputa são os princípios e valores democráticos da sociedade ocidental contra o modo de vida arcaico que os terroristas impõem às áreas sob seu domínio na Palestina ou em qualquer outra parte.
O FILHO DO HAMAS — Outro aspecto que precisa ser debatido com mais profundidade diz respeito à verdadeira razão da inexistência até este momento de um Estado Palestino na região. Ele poderia ter sido criado em 1948 e ter, portanto, a mesma idade de Israel. Foram os próprios líderes palestinos que, naquele momento, rejeitaram a decisão da ONU nesse sentido. Desde então, e por mais que expressassem o desejo de ter seu próprio Estado, eles nunca moveram esforços reais para viabilizar a iniciativa. Por duas razões.
A primeira delas é a de que eles simplesmente não aceitam compartilhar o território com Israel, a quem desejam varrer do mapa. A outra é a de que um Estado formal, com instituições estruturadas e sujeitas aos padrões contemporâneos de convivência entre as nações, dificultaria o uso do terrorismo como arma de afirmação política.
Portanto, quem estiver disposto a acreditar na visão que praticamente isenta de culpa a organização terrorista que invadiu Israel, estuprou mulheres, degolou crianças e sequestrou mais de duas centenas de pessoas, que acredite. É bom saber, porém, que os “políticos” e os “combatentes” do Hamas se submetem ao mesmo comando e se guiam pelos mesmíssimos propósitos.
E esses propósitos são: aniquilar o Estado de Israel, combater os valores da sociedade ocidental e impor a “sharia” — a justiça islâmica que, neste momento, pesa contra o povo do Afeganistão ou de qualquer outro espaço dominado pelos fanáticos que corrompem os valores da fé islâmica para impor o terror sobre o povo.
Isso ficou ainda mais claro nos últimos dias, com a passagem pelo Brasil do palestino Mossab Hassan Yousef. Autor do livro Filho do Hamas, lançado em 2010, ele fala do papel de seu pai, o sheik Hassan Youssef, um dos sete fundadores da organização terrorista. O texto descreve com detalhes as agressões físicas frequentes, que Mossab, na juventude, sofreu dos líderes da organização para que desenvolvesse o mesmo fanatismo que move o grupo.
Em sua jornada, Mossab foi deserdado pela família, trabalhou por mais de uma década como agente infiltrado da inteligência israelense junto aos palestinos mais radicais. Se converteu ao cristianismo, é considerado um traidor e vive nos Estados Unidos sob permanente ameaça de morte.
BANDEIRA TERRORISTA — Na passagem pelo Brasil, Mossab concedeu entrevistas a diversos órgãos de imprensa. Numa delas, ao apresentador Paulo Mathias, da TV Jovem Pan, ele foi convidado a analisar a fotografia de um grupo jovens militantes da esquerda brasileira — que, no dia 12 de novembro, tiveram a desfaçatez de sair às ruas de São Paulo numa manifestação a favor do Hamas. Atenção! Os manifestantes sequer se deram ao trabalho, como outros fazem a todo instante, de camuflar seu apoio aos terroristas atrás da suposta solidariedade ao povo palestino. Em todo momento, eles deixaram claro sua admiração pelo Hamas e por seus métodos assassinos.
Na foto, os jovens brasileiros, todos sorridentes, empunhavam as bandeiras verdes com palavras em árabe escritas em letras douradas. Mossab disse que os manifestantes não sabiam que aquilo significava “Alá é Deus e Maomé é Seu Profeta” — expressão utilizada pelo Hamas para impor a superioridade de suas crenças sobre todas as demais.
Desfraldar aquela bandeira, disse ele, significa aceitar o discurso de ódio utilizado pelo terror para disseminar as posições antissemitas com as quais os terroristas obtêm — eles, sim — lucros formidáveis. Em outras palavras, aqueles estudantes, ligados a partidos nanicos da esquerda radical, como PSTU e PCO, não passam de cordeirinhos prontos para serem imolados, de inocentes úteis à propaganda terrorista.
É importante, acima de tudo, não perder o contato com a realidade. Na medida em que a tentativa de transformar a vítima em agressor ganha força pelo mundo, as pessoas precisam ser lembradas o tempo todo de que a guerra só está sendo travada porque um bando de terroristas se achou no direito de invadir o território israelense e sair estuprando mulheres, degolando crianças e sequestrando pessoas. Mas isso é um detalhe insignificante aos olhos de quem faz questão de ignorar o ato de extrema covardia e exige que Israel nunca reaja ao Hamas. É isso que interessa: no dia em que a opinião pública mundial conseguir manter Israel imóvel diante das agressões, o terror terá vencido a guerra. E nesse dia, pode ter certeza, os sinos dobrarão pela democracia e pelos valores que já custaram a vida de tantas pessoas.