Nuno Vasconcelos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcelos

A guerra que Israel trava neste momento contra o Hamas, organização terrorista que cometeu os atentados covardes do dia 7 de outubro, torna os tempos atuais altamente críticos e se inclui entre os acontecimentos capazes de dividir a história entre o que aconteceu antes e o que veio depois deles. A situação é grave e exige serenidade por parte de quem tem responsabilidades sobre qualquer governo do mundo. Um passo mal dado nesta hora será lembrado no futuro e dividirá a humanidade entre os que acreditam na civilização e os que apoiam a barbárie e tudo de ruim que vem com ela.

O que está acontecendo na Faixa de Gaza não ficará restrito à Faixa de Gaza — e isso é razão mais do que suficiente para que algumas autoridades brasileiras deixem de agir como se estivessem numa assembleia estudantil e pensem nas possíveis consequências de seus atos. Tudo o que o governo brasileiro faz neste momento está sendo observado pelos demais países do mundo. Suas posições serão lembradas depois que tudo terminar e terão consequências diplomáticas, econômicas e comerciais que se estenderão por muitas décadas depois do conflito.

Não adianta o país tentar se cobrir com o manto da neutralidade diante do conflito e, mais tarde, ser cobrado por uma postura que, como o vestido do poema de Carlos Drummond de Andrade, "mais mostrava que escondia" suas verdadeiras intenções. Há muitos fatos que podem ser citados como exemplos dessa atitude. Um deles é a reação do ministro da Justiça, Flávio Dino, no episódio dos brasileiros presos na semana passada, acusados de planejar realizar atentados terroristas contra as sedes de instituições judaicas no Brasil.

Esses brasileiros foram recrutados pela organização terrorista Hezbollah e teriam passado por treinamento no Líbano. Seus movimentos vinham sendo acompanhados pela Polícia Federal numa investigação que, conforme informou o próprio Dino, teria se iniciado meses atrás. Um deles foi preso após desembarcar no Aeroporto Internacional de São Paulo de um voo que partiu de Beirute, a capital libanesa. Outros dois brasileiros, que completariam a quadrilha, estão foragidos e, agora, são procurados pela Interpol.

Foi uma ação importante, que repercutiu no mundo inteiro e deixou claro, mais uma vez, que o terror não brinca em serviço nem respeita fronteiras. Mas, ao invés de ser aplaudida como uma contribuição brasileira na luta contra os extremistas e seus métodos sanguinários, desencadeou um bate-boca estéril, marcado pelas picuinhas ideológicas que têm pautado o relacionamento dos governos petistas do Brasil com Israel desde a primeira passagem de Lula pelo Planalto.

CASCA DE BANANA — A bem da verdade, não foi Dino quem atirou a primeira pedra no bate-boca infeliz que se seguiu ao episódio. A responsabilidade, nesse caso, coube ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Assim que a notícia da prisão dos brasileiros foi divulgada, ele disse, em nota publicada na rede social X, que o Mossad — agência de segurança israelense — tinha ajudado o Brasil a frustrar um "ataque planejado pela organização terrorista Hezbollah, dirigida e financiada pelo Irã".

O primeiro-ministro não precisava ter se pronunciado e, ao fazer isso, parece ter quebrado uma espécie de código das operações de inteligência. Não é comum que os serviços secretos, justamente por serem secretos, saiam alardeando seus feitos — e como chefe de um órgão experiente como o Mossad, Netanyahu sabe disso muito bem.

A resposta de Dino, também pela rede X, não menciona Israel nem Netanyahu, mas critica o uso de "investigações que nos cabem para fins de propaganda de seus interesses políticos". A intenção do primeiro-ministro certamente foi outra. Ele talvez quisesse alertar o Brasil sobre o risco que representa estar ao lado de uma companhia tóxica como o Irã — uma ditadura fundamentalista, autoritária, praticante do feminicídio, homofóbica, antissemita e patrocinadora do terrorismo que, desde 1979, se esforça para arrastar a humanidade de volta aos tempos dos califados persas. Uma ditadura capaz de lanhar com chibatadas o corpo de uma mulher que não usa o véu conforme as regras muçulmanas.

De qualquer forma, Netanuahu lançou a casca de banana e Dino não perdeu tempo para escorregar nela. Sua resposta, além de um elogio (merecido, por sinal) à eficiência da PF no episódio, contém uma afirmação ufanista da soberania brasileira. O problema é que o ministro faz críticas a Israel, mas não faz qualquer observação sobre o risco do Brasil vir se tornar palco de atentados terroristas ordenados pelo Hezbollah, grupo que não dá um passo sem autorização de Teerã.

O problema está justamente aí. Não é segredo para ninguém que o governo do PT trata o país dos aiatolás como aliado fraterno, a ponto de assumir o ônus pelo convite para que o Irã passe a integrar o bloco econômico dos países emergentes, reunido em torno dos Brics. Em fevereiro deste ano, num ato que o governo dos Estados Unidos considerou uma provocação, Brasília autorizou que dois navios de guerra iranianos atracassem no porto do Rio de Janeiro. Essa "demonstração de soberania" serviu como registro da disposição do governo brasileiro de se afastar dos aliados tradicionais do Ocidente e se aproximar cada vez mais dos inimigos declarados dos Estados Unidos e da Europa.

Não foi a única nem a mais preocupante manifestação de simpatia ao Irã, que fizeram os países do Ocidente acender a luz de alerta em relação às escolhas que o Brasil vem fazendo no cenário internacional. No último 17 de outubro, dez dias depois dos ataques terroristas que receberam apoio explícito do governo iraniano, Lula telefonou para Ebrahim Raisi, o títere dos aiatolás que atualmente responde pela presidência do Irã.

A intenção anunciada foi buscar apoio para acabar com a guerra. Só que, ao tomar aquela atitude e, pior ainda, ao tornar público o conteúdo da conversa, Lula proporcionou a Raisi a oportunidade de se livrar da responsabilidade sobre um conflito que seu país ajudou a causar. E, como era de se esperar, de jogar toda a culpa nas costas do país agredido. Supor que atitudes como essa não gerem desconfiança no Ocidente e não serão cobradas no futuro é, para dizer o mínimo, uma grande demonstração de ingenuidade diplomática.

GRÊMIO SECUNDARISTA — Ao longo da semana passada, houve algumas tentativas rasteiras de inserir a guerra em Gaza entre os temas que, no último ano, têm mantido a política brasileira refém da disputa entre a esquerda petista e a direita bolsonarista. A discussão pela internet entre o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-chefe da Casa Civil no governo de Jair Bolsonaro, e a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-chefe da Casa Civil no governo Dilma Rousseff, em torno da autorização para que os cidadãos brasileiros deixassem a Faixa de Gaza, foi tão tolinha que nem pode ser comparada às disputas estudantis universitárias. Ficou abaixo disso, no nível dos debates mais superficiais dos grêmios secundaristas.

Depois que os 34 brasileiros, depois de nove dias de espera sob condições adversas, tiveram seus nomes incluídos na lista dos que poderiam cruzar a passagem de Rafah, Nogueira se manifestou por meio de uma nota infeliz e atribuiu a Bolsonaro as gestões junto à embaixada de Israel em Brasília que resultaram na autorização. Foi o que bastou para que a deputada Gleisi, presidente nacional do PT, entrasse em cena para falar dos "brasileiros (as) ameaçados pelo massacre da população civil de Gaza" e elogiar os "esforços de nossa diplomacia orientada pelo presidente Lula".

A simples disputa de uma queda de braços sem sentido antes mesmo do grupo de brasileiros, sob a fiscalização de Egito e do Hamas (não de Israel), cruzar a fronteira e embarcar para o Brasil, expõe o despreparo de pessoas que estão à frente da política brasileira. O mundo e o Brasil passam por problemas sérios, cuja solução exige um olhar voltado para a busca das soluções que moldarão o futuro. Mesmo assim, eles insistem em manter o país preso a essa disputa infantil, que só interessa a eles mesmos.

Neste momento grave, uma das atitudes mais importantes e necessárias dos líderes políticos seria, ao invés de briguinhas como essa, assumir uma postura que está acima da divisão entre "direita" e "esquerda". E, com base nela, impedir que o mundo volte a ser palco de tragédias que, para o bem da humanidade, devem lembradas apenas para que nunca mais voltem a se repetir.

NOITE DOS CRISTAIS — No dia 9 de novembro, quinta-feira da semana passada, completaram-se 85 anos de uma das demonstrações mais cabais de intolerância e de ódio a serviço da política já vistas no mundo. Naquela data, em 1938, a Alemanha, então sob a ditadura de Adolf Hitler, foi palco da Noite dos Cristais — uma série de atentados contra sinagogas, residências e lojas de judeus, que se espalharam por todo o país e pela Áustria. O nome se deve aos estilhaços de vidro que cobriam as calçadas quando o dia amanheceu e se percebeu o tamanho da quebradeira, que se estendeu pela noite do dia 10.

Instigada pelo partido Nazista, a agressão desencadeou acontecimentos repugnantes. Eles cresceram em violência pelos meses seguintes e conduziram ao holocausto — que custou a vida de mais de seis milhões de judeus e aconteceu, em grande parte, por culpa do silêncio de quem poderia ter reagido às barbaridades no primeiro momento. Cenas como aquelas não podem ser esquecidas, ainda mais neste momento em que o antissemitismo volta a se manifestar no mundo, inclusive no Brasil, nos desdobramentos da guerra em Gaza.

Não se pode perder de vista como a guerra começou. É necessário insistir a todo instante na tecla de que o primeiro golpe partiu dos terroristas do Hamas, que invadiram Israel, estupraram mulheres, degolaram crianças e deixaram para trás cerca de 1.500 cadáveres de idosos, jovens e crianças. E que, ao retornar a seus covis, arrastaram 240 pessoas como reféns. Mas, diante da reação dos que desejam negar a Israel o direito de reagir à agressão, é possível prever que a origem de tudo logo será esquecida. E isso, lamentavelmente, significará a vitória do terror.

É impressionante a quantidade de líderes mundiais que, a pretexto de defender o povo palestino, se calam diante dos métodos utilizados pelos facínoras terroristas. Muitos já nem mais mencionam as atrocidades que eles cometeram e agem como se Israel estivesse em guerra contra o povo palestino, não contra o Hamas. A guerra já provocou milhares de mortes na população civil. Mas antes de utilizar o número de vítimas como prova da culpa de Israel, convém considerar a maneira como esses dados são gerados.

Na semana passada, o "Ministério da Saúde" do Hamas anunciou que 10.569 civis palestinos morreram em consequência dos bombardeios de Israel contra a Faixa de Gaza no primeiro mês do conflito. E que, entre as vítimas, cerca de 40% eram crianças. São números espantosos, mas algumas perguntas devem ser feitas antes de se dar crédito a eles. Quais são as responsabilidades desse "ministério"? Quem é o ministro? Em que consistia sua atuação antes do conflito? O que "autoridades de saúde" de Gaza pensam a respeito do uso dos hospitais como esconderijo de terroristas e depósitos de armas? Eles concordam com o uso dos pacientes e dos médicos como escudo pelos terroristas?

São dúvidas pertinentes, com as quais ninguém parece se preocupar. A única observação da imprensa brasileira em relação a esse "Ministério da Saúde" é a de que os números divulgados por ele não são aferidos de forma independente. A postura contrasta com a desses mesmos órgãos de imprensa durante a pandemia da covid-19. Naquele momento, eles manifestaram descrença em relação à veracidade dos dados totalizados pelo Ministério da Saúde e criaram o "Consórcio de Veículos de Imprensa" para, segundo eles, dar credibilidade aos números. O "consórcio" funcionou até o início deste ano.

Antes que alguém veja na menção ao "consórcio" uma manifestação de simpatia a Jair Bolsonaro, é bom deixar claro que o foco da discussão não são as ações do governo brasileiro naquele momento, mas a desconfiança demonstrada diante dos números que ele apresentava. A divulgação de um único número falso teria bastado para que Bolsonaro ou seus ministros fossem chamados a se explicar perante a opinião pública e a Justiça. E o Hamas? Quem responde pelos erros nos números divulgados pelos terroristas?

RESERVAS DE GÁS — Muitos dirão, com razão, que as condições do conflito impedem a conferência dos dados. Mesmo assim, é possível discutir sobre os números e tecer algumas considerações sobre o que eles escondem. O Hamas em nenhum momento menciona a quantidade de terroristas atingidos pelas ações israelenses, dando a entender que todos os 10.569 mortos no lado palestino eram civis. Pela quantidade de "combatentes" que o grupo afirmava ter antes do conflito — cerca de 30 mil — é impossível que nenhum deles esteja entre as vítimas. Mas o "Ministério da Saúde" do Hamas considera todos os mortos como civis e inocentes.

Outro ponto que chama atenção é a quantidade de crianças que teriam sido mortas. De acordo, mais uma vez, com o "ministério", 40% dos atingidos seriam crianças. Não existe qualquer evidência de que esse percentual seja real. Mas, para efeito de raciocínio, vamos supor que os terroristas estejam falando a verdade e que 40% entre 10.569, ou seja 4.227 vítimas fatais, sejam crianças. Esse número elevado não poderia ser considerado uma prova de que os terroristas estão, de fato, usando crianças como escudos?

Cada um que tire suas conclusões escolha seu lado. O fato é que os terroristas, pela própria natureza, são hábeis em inventar e espalhar mentiras — e têm encontrado um número cada vez maior de pessoas dispostas a aceitar sem questionamento tudo que que eles dizem. Em nome disso, muitos defendem o fim imediato dos bombardeios por razões humanitárias, mas poucos se lembram de defender a libertação dos reféns. Se eles voltassem para casa, os bombardeiros parariam imediatamente e ninguém mais morreria por esse motivo.

O problema é que, por trás do conflito no Oriente Médio, há mais do que razões ideológicas e desavenças milenares. Há motivações econômicas que passam ao largo dos interesses brasileiros. O Irã não é movido apenas por seu ódio crônico aos judeus. Mais do que isso, ele se opõe à implantação de um gasoduto que Israel pretende construir no Mediterrâneo. A obra levaria o gás das jazidas descobertas no litoral norte do país até a Europa — livrando a Alemanha da dependência do fornecimento russo.

Em meio a tudo isso — e embora o governo, por mais que se diga neutro, já tenha escolhido seu lado no conflito — é preciso olhar com atenção para o cenário internacional e evitar trazer para dentro de casa um conflito que deveria ser mantido à distância. É preciso a serenidade que vem faltando a alguns políticos para não se deixar contaminar pelo ódio e pela intolerância — e essa serenidade inclui a necessidade de se levar adiante operações antiterroristas em cooperação com Israel e com os Estados Unidos. Por menos que o governo rejeite a companhia desses países e não perca a oportunidade de demonstrar sua preferência pelo Irã, pela Venezuela, pela Nicarágua e por outras ditaduras da mesma cepa, é com eles que deverá contar para impedir que o terrorismo chegue até nós e passe a produzir vítimas entre os brasileiros. Todo cuidado é pouco nessa hora.

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