‘O Brasil é a minha pátria’, diz Nuno Vasconcellos sobre cidadania
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‘O Brasil é a minha pátria’, diz Nuno Vasconcellos sobre cidadania

O artigo da semana passada, que tratou da novela em torno dos aeroportos cariocas, também apontou o outro problema que dificulta o melhor desempenho do turismo, que é uma das principais vocações econômicas do Rio de Janeiro. Diante desse outro problema, a questão dos aeroportos é até fácil de resolver: basta encontrar uma nova solução societária para a concessão do Galeão, entregar o Santos Dumont a um concessionário com capacidade de investimento suficiente para colocá-lo entre os melhores do país, passar a tratar os dois terminais como parte de um mesmo sistema — ao invés de estimular que ajam como concorrentes, como acontece hoje em dia. Mas nada disso trará o turista de volta se o combate ao crime organizado que assola o estado não for posto em primeiro lugar na lista de prioridades do Rio.

O problema, não é só do governo do estado. A sociedade, as entidades de classe, os trabalhadores e os empresários do Rio precisam se unir para apresentar uma solução para propor ações efetivas de combate ao crime. Não será um problema de fácil solução — mas quanto mais tempo demorar para se chegar a um consenso em relação ao caminho a ser seguido, mais pessoas morrerão e mais difícil será por um fim na tragédia que tomou conta do Rio.

É a violência e a desenvoltura com que o crime organizado age em todo estado que, sem sombra de dúvida, têm feito o Rio — por maiores que sejam suas belezas naturais e sua riqueza histórica e cultural — ser ignorado pela maioria dos turistas que viaja pelo mundo. A prova disso está nos números. Comparadas com as de qualquer país da Europa, as estatísticas do nosso turismo são de matar qualquer brasileiro de vergonha.

UM MILHÃO DE ARGENTINOS — No ano passado, de acordo com o Ministério do Turismo, pouco mais de 3,6 milhões de estrangeiros entraram no Brasil e deixaram no país um total de US$ 4,9 bilhões. Para se ter uma ideia da insignificância desses números, basta dizer que Portugal — que sequer aparece na lista dos dez países mais visitados do mundo — recebeu 15,3 milhões de visitantes estrangeiros em 2022. A soma das receitas geradas por esse grupo foi superior a € 21 bilhões.

Outro dado a ser observado é o da nacionalidade dos estrangeiros que visitaram o Brasil em 2022. Do grupo, pouco mais de um milhão eram vizinhos argentinos. Outros 441 mil vieram dos Estados Unidos (número que deve cair este ano, em razão da volta da exigência de visto dos turistas daquele país). Os paraguaios ocupam o terceiro lugar na lista, com 308 mil. Dos 3,63 milhões de estrangeiros que visitaram o Brasil, cerca de 1,5 milhão entraram no país por São Paulo. Apenas 652 mil entraram pelo Rio.

Tudo bem! O turismo no ano passado ainda sofria os efeitos da pandemia da covid-19. Mesmo assim, o número é muito baixo e permanecerá assim enquanto o Brasil, de um modo geral, e o Rio, em particular, continuarem carregando a má fama de serem dominados pela violência — onde as pessoas estão sempre expostas ao risco de serem vítimas de um assalto ou, o que é ainda pior, de serem atingidas por alguma bala perdida.

Esta é a realidade: para incrementar essa indústria e atrair o turista que fará a roda da Economia girar, ativará os negócios e criará milhares e milhares de novos empregos nos hotéis, nos restaurantes e bares, nas casas de espetáculos, nos museus e pontos turísticos, nos serviços de transporte, no pequeno comércio e em uma série de outras atividades estimuladas pelo turismo, o Rio precisa deixar a hipocrisia de lado e encarar a violência como um mal a ser combatido.

TRATAMENTO GENTIL E CORTÊS — Calma! Ninguém está dizendo que a violência deve ser combatida com truculência e que a polícia tem o direito de sair por aí esculachando qualquer pessoa suspeita de cometer algum delito! Isso é inaceitável. Na mesma medida, é inaceitável o argumento que condena toda e qualquer ação policial e que defende um tratamento gentil e cortês a criminosos que usam e abusam do direito de fazer da população escudo humano para se manter a salvo da lei.

Na quarta-feira da semana passada, policiais do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, o Bope, perseguiram e prenderam um grupo de dez bandidos que se refugiaram dentro do Ciep Elis Regina, na favela Nova Holanda, na região da Maré. “É doloroso ver as cenas de uma escola invadida por um caveirão na favela da Maré, no Rio de Janeiro”, reagiu a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, referindo-se ao veículo blindado que a polícia utiliza nesse tipo de operação. “É inaceitável que tantas crianças tenham o ano letivo prejudicado pela violência e que tenham, ainda, suas vidas colocadas em risco em operações policiais”.

Em nenhum momento Sua Excelência se referiu aos bandidos que circulam com liberdade dentro da comunidade e que estavam armados até os dentes quando bateram em retirada para dentro da escola para tentar se esconder da polícia. Da mesma forma, não se referiu ao objetivo da operação, que era trancar na cadeia criminosos que lideram a facção criminosa Comando Vermelho, que comanda o tráfico de drogas no Rio. Também não mencionou o fato de que, no horário da operação — 6h30 da manhã — não havia crianças no prédio e que, portanto, não presenciaram as cenas.

SOLUÇÃO CONCRETA — Esse tipo de visão — que culpa as autoridades por tudo, mas que não propõe uma única solução concreta para o problema da violência — é mais do que conhecido. Com base nele, o Rio de Janeiro continuará a ter áreas extensas em que a bandidagem manda mais do que o Estado. A questão da segurança, isso também está provado, não se resolverá apenas com ações policiais, por mais imprescindíveis que elas às vezes se tornem.

É necessário, como já foi dito neste espaço mais uma vez, que se priorize ações concretas que levem dignidade aos moradores das comunidades. É preciso, em primeiro lugar, urbanizar as favelas e dar aos moradores residências sólidas, confortáveis e invioláveis. É preciso que esses cidadãos e cidadãs estejam sob a proteção do Estado e que suas famílias sejam servidas pela rede pública de eletricidade, água e esgoto. E que não sejam obrigadas a se submeter aos bandidos para ter serviços de TV a cabo e abastecimento de gás. É preciso instalar nas comunidades postos de Saúde, ambulatórios e até hospitais bem montados e bem abastecidos. Ou seja, é preciso transformar as comunidades em bairros com ruas pavimentadas e coleta de lixo regular.

Ao contrário do que dão a entender os que pensam como a ministra Anielle, não é a ausência do Estado, mas, ao contrário, sua presença ostensiva, que dará aos moradores das comunidades — sejam eles pretos, brancos, indígenas, mulheres, homens ou crianças — a dignidade que todo cidadão merece. E para que o Estado se faça presente, é essencial, em primeiro lugar, que se combata o crime organizado a partir de ações de inteligência bem conduzidas e capazes de identificar e punir os delinquentes com todo o rigor da lei. Não é, como defendem alguns, flexibilizando as penas e abrindo as portas das cadeias que se resolverá o problema da violência no país. Muito pelo contrário.

É possível fazer isso? Claro que sim! Nos anos 1980, a Colômbia decidiu dar combate sem tréguas às organizações narcoterroristas que movimentavam bilhões e bilhões de dólares com a venda de cocaína e infernizavam a vida do país. O primeiro passo para isso foi a de convencer a sociedade de que os traficantes — por mais que se fizessem passar por Robin Hood — não passavam de criminosos sanguinários.

E o que fez o Estado a partir daí? Ao invés de passarem as mãos na cabeça dos bandidos, as autoridades agiram com firmeza no sentido de combater as atividades ilícitas. Ao mesmo tempo, investiam para melhorar as condições de vida nas favelas das cidades de Bogotá, Cali e Medellin e, assim, manter a população do seu lado.

RECRUTAMENTO E TREINAMENTO — Um dos trabalhos mais difíceis se deu em relação à polícia. Como acontece no Rio de Janeiro, os policiais colombianos eram muitas vezes suspeitos de manter ligações e receber propinas do narcotráfico, de passar aos bandidos informações sobre as operações que estavam sendo planejadas e de fazer corpo mole nas ações de combate ao crime. Muitos desses policiais tinham a mesma origem dos bandidos e, em muitos casos, haviam crescido ao lado de pessoas que se ligaram ao tráfico.

Um dos primeiros movimentos foi o de remanejar o contingente, evitando que policiais participassem de ações que pudesse atingir seus amigos ou parentes. Em seguida, foi feito o recrutamento e o treinamento intensivo de jovens das pequenas localidades do interior para atuar nas grandes cidades.

No final, nem o Estado colombiano nem qualquer outro conseguiu aniquilar o tráfico de drogas nem debelar as organizações. Mas é evidente que, hoje, elas já não agem com a mesma desenvoltura que tinham no passado. O combate sistemático tirou os líderes dos palacetes em que viviam nas grandes cidades, os empurrou para as matas colombianas e descolou para a Venezuela a cabeça das principais ações narcoterroristas.

A maior sensação de segurança que se espalhou pelo país, é claro, repercutiu sobre o turismo e aumentou o número de estrangeiros em visita à Colômbia. Em 2019, último ano antes da pandemia, 4,5 milhões de estrangeiros visitaram o país — um número muito expressivo para um destino que, ao contrário do Brasil, não tinha qualquer tradição na área cerca de 20 anos atrás (apenas a título de comparação, o Brasil recebeu naquele ano 6,3 milhões de visitantes do exterior).
Cerca de um milhão dos turistas que estiveram na Colômbia em 2019 partiram dos Estados Unidos — um número equivalente ao de argentinos que visitaram o Brasil no ano passado. E cerca de 540 mil eram franceses — um número superior ao de paraguaios que estiveram no Brasil em 2022.

ENXUGAR GELO — Nada contra os argentinos e os paraguaios que nos visitam, longe disso. O que se pretende mostrar é que, a partir da maior sensação de segurança que passaram a ter, turistas de países de renda mais elevada e, portanto, de maior poder aquisitivo, passaram a visitar um país que, embora tenha seus encantos (e com todo respeito que a Colômbia merece) não tem a metade dos atrativos que apenas o Estado do Rio de Janeiro é capaz de oferecer aos visitantes.

O problema não é só do Rio. É do país inteiro. O governador Cláudio de Castro está certíssimo ao pedir ajuda do governo federal para enfrentar o problema da violência no estado. Na semana passada, diante dos três fuzis apreendidos na operação da Maré e de outras nove armas do tipo tomadas na véspera, em outras operações, Castro pediu ajuda do governo federal para combater a violência no estado. “O Rio de janeiro não produz armas, não produz drogas. Se isso está entrando é porque nossas fronteiras estão ficando desprotegidas. Pedi que a Polícia Federal e a Polícia Rodoviárias Federal acelerem o trabalho de proteção, porque senão a gente fica daqui enxugando gelo”.

O argumento não é novo, mas é cada vez mais atual e poderoso. É preciso enfraquecer o poder dos bandidos e das organizações que hoje têm no mundo do crime um papel de destaque semelhante aos que os bandidos colombianos tinham no final do século passado. É preciso tratar bem o cidadão e endurecer o jogo com o crime. Do contrário, e por melhores que os aeroportos do Rio venham a se tornar, nada será capaz de trazer o turista de volta.

(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no Twitter e no Instagram: @nuno_vccls)

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