Nuno Vasconcelos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcelos

Antes que o dia de hoje termine, os votos dos brasileiros estarão apurados e somados. Os nomes escolhidos para representar o eleitor nas assembleias legislativas, na Câmara e no Senado já serão conhecidos e o país saberá se as disputas pelos governos estaduais e pela presidência da República estarão encerradas. Ou, então, se a decisão ficará mesmo para o dia 30 de outubro, quando acontece o segundo turno...

Qualquer que venha a ser o resultado, o eleitor terá feito sua escolha e o país deixará de se preocupar, pelo menos por alguns dias, com o tema que dominou o noticiário às vésperas do pleito: as pesquisas eleitorais são ou não são confiáveis? Por mais que esse assunto tenha sido discutido, o certo é que a campanha do primeiro turno chegou ao fim sem que houvesse um consenso sobre ele.

A dúvida não é recente. Vem de outras eleições e, de um modo geral, pode ser esclarecida de uma forma relativamente simples. Para os apoiadores dos candidatos que as lideram, as pesquisas são indicadores seguros das intenções do eleitor. Já os grupos que ficam nas posições inferiores dos levantamentos, de um modo geral, fazem críticas às metodologias, rejeitam os resultados e quase sempre dão a entender que a empresa que conduziu o processo tem algum interesse no resultado ou alguma ligação com os nomes que estão no topo.

Foi assim nas eleições anteriores e também nestas. A pesquisas divulgadas na reta final da campanha deram o que falar — sobretudo por indicar um resultado que, pelo menos na avaliação deste colunista, dificilmente se confirmará nas urnas. Trata-se, no que diz respeito à disputa presidencial, da possibilidade de eleição do candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda no primeiro turno. Isso pode até acontecer. O mais provável, porém, é que a decisão fique mesmo para o segundo turno.

INCONSISTÊNCIAS DO RESULTADO

Reforçada pelo entusiasmo dos apoiadores mais inflamados do candidato petista, a ideia de uma possível vitória de Lula por uma soma superior à metade dos votos válidos já na eleição de hoje ganhou repercussão diante dos resultados divulgados na última semana da campanha. Na noite de quinta-feira passada, por exemplo, o instituto Datafolha divulgou uma pesquisa em que o petista aparecia com 50% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro tinha 36%.

O resultado aponta a mesma tendência observada pelo Ipec, o sucessor do Ibope, no levantamento divulgado na última segunda-feira. Encomendado pela TV Globo, apontada pelos defensores de Bolsonaro como a inimiga número um do presidente (o que, segundo os bolsonaristas, é suficiente para comprometer sua credibilidade), a pesquisa deu a Lula 48% das intenções de voto, diante de 31% dados ao candidato do PL. Ciro Gomes, Simone Tebet, Soraya Thronick e Felipe d’Avila, somados, tinham 13% sendo que os demais candidatos não pontuaram.

Os apoiadores do presidente, como era de se esperar, reagiram mal e se puseram a apontar as inconsistências do resultado. A principal crítica foi a de que os vícios de origem da amostra de eleitorado no levantamento do Ipec eram suficientes para distorcer os resultados. O instituto, de acordo com esses críticos, teria ouvido mais pessoas dos segmentos em que o desempenho de Lula é melhor. Os brasileiros que estão na base da pirâmide social e que são identificados com Lula, constam do levantamento numa quantidade superior à posição que ocupam nos dados do IBGE. Em contrapartida, o Ipec teria reduzido o contingente dos eleitores evangélicos e de representantes da classe média que, a princípio, tendem a votar em Bolsonaro.

Os apoiadores do presidente contra atacaram e fizeram circular em seus grupos de whatsapp um levantamento feito pelo pouco conhecido Instituto Equilíbrio Brasil, de Belo Horizonte. Nele, Bolsonaro lidera a corrida do primeiro turno com 46% dos votos e Lula surge com 41%. O Equilíbrio teria utilizado uma amostra mais ampla que a dos outros institutos, com 11 500 eleitores em 1286 municípios, consultados pelo telefone celular.

TROCA DE INSULTOS

São detalhes que, certos ou errados, escapam à percepção do eleitor que vê as pesquisas apenas pela totalização. A pergunta a ser feita, nesse caso, é: será que algum eleitor se deixa influenciar por resultados de pesquisas para definir o seu voto? No limite, isso é até possível. Mas muito pouco provável sobretudo nesse clima polarizado que tomou conta do ambiente eleitoral brasileiro — em que lulistas e bolsonaristas se deixaram envolver pela troca de insultos, por discussões acaloradas e por brigas que geraram antipatias irreconciliáveis. Nesse ambiente, é muito pouco provável que o eleitor mais fiel de um ou de outro mude seu voto só porque algum instituto de pesquisa deu a liderança a algum deles.
O resultado eleitoral, como se sabe, não é definido pelos grupos que saem às ruas vestindo camisetas amarelas para demonstrar apoio ao presidente que busca a reeleição. Muito menos está naqueles que usam camisetas vermelhas para manifestar apoio a Lula. Ele é definido pelos eleitores de centro que, no início da campanha deste ano, não faziam parte dos segmentos mais fiéis a um nem ao outro.
Esse grupo é formado por pessoas que, no início deste ano, não estavam com Lula nem com Bolsonaro. E que, poucos meses atrás — como esta coluna chegou a observar — ainda aguardavam o surgimento de algum nome capaz de canalizar seu descontentamento com a polarização exagerada. Como esse candidato não apareceu e na medida em que o tempo foi passando, o eleitor acabou escolhendo seu candidato entre os dois que vinham liderando a corrida desde o início.
Aí é que está o xis da questão. Todo eleitor forma suas convicções a partir dos próprios interesses e sob a influência de dados muito mais sensíveis do que as pesquisas de intenção de voto. Na semana passada, por exemplo, o IBGE divulgou os resultados da PNAD contínua. De acordo com o levantamento, a taxa de desemprego no país bateu em 8,9% — o menor patamar desde junho de 2015. De acordo com essa pesquisa, a renda média também aumentou.
Esses números certamente têm influências sobre as escolhas e, com certeza, ajudam a formar as convicções políticas do eleitor de centro. Seja como for, é preciso levar em conta que, ao contrário do que ocorre com a geometria, em matéria de política não existe um centro perfeito. O eleitor que ocupa essa posição no espectro político, embora rejeite os extremos, quase sempre tem suas simpatias pelas teses da direita ou da esquerda.

DE QUEM É A CULPA?

De qualquer forma, o eleitor de centro prefere, mais do que se unir a um ou a outro nome mais identificado com a esquerda ou com a direita, ter à sua disposição uma proposta capaz de por o país para andar na direção correta. E que, ao invés de fomentar as disputas entre os extremos de cada lado, oferecesse oportunidades para todos.
Uma dúvida que fica depois dessas observações é: de quantos eleitores que estamos falando? Quantos, entre os 156 milhões de eleitores brasileiros, estão fartos da polarização e poderiam ter abraçado uma candidatura de centro capaz de representar seus interesses? Esse número talvez fosse, como parece, suficiente para mandar um candidato para o segundo turno. Sendo assim, por que não surgiu um candidato de centro capaz de se viabilizar diante do eleitor? Se isso não aconteceu, de quem é a culpa?

De forma simplista e resumida, a resposta a essa questão está estampada no título deste artigo. Se havia um partido capaz de liderar esse processo em nível nacional, era o PSDB. Pela abrangência nacional da legenda, por sua relevância na cena política brasileira e por seu papel na história do país, era ele que reunia as melhores condições de oferecer ao eleitor uma candidatura baseada em propostas que significasse uma alternativa real de poder.

Das oito eleições diretas para Presidente da República que houve no Brasil desde 1989, o partido foi protagonista em seis. Em duas delas, em 1994 e 1998, levou Fernando Henrique Cardoso ao Planalto no primeiro turno. Das outras seis disputas, só não esteve no segundo turno em duas oportunidades: na primeira, em 1989 e na última, em 2018. As eleições deste ano são as primeiras em que o partido não se mostrou capaz, sequer de se entender em torno de um nome para representá-lo.

Preso em seus problemas internos e consumido pela ciumeira entre seus principais líderes, o partido chegou a promover prévias para a escolha de seu candidato ao Planalto nas eleições deste ano. O que poderia ter significado um avanço na política brasileira (ou seja, a consulta aos filiados para a definição da cabeça de chapa) acabou sendo a prova da incapacidade das lideranças tucanas de respeitar a decisão de suas bases. O escolhido, o então governador de São Paulo, João Doria, foi boicotado por seus próprios aliados. E, diante da incapacidade de fazer os líderes endossar a escolha dos filiados, ele acabou desistindo da candidatura.

E o que fez o partido depois disso? Nada. Incapazes de encontrar uma alternativa para resolver o problema que criaram para si mesmos, os mesmos políticos que jogaram Doria aos leões ficaram sem alternativas — e, no final, tiveram que se contentar com a presença da senadora Mara Gabrilli como candidata a vice na chapa do MDB.

Mais do que uma demonstração de incompetência política, há uma lição a ser tirada da incapacidade que o centro demonstrou de encontrar um candidato capaz de representá-lo nas eleições deste ano. A ausência de um nome de consenso mostra que, sem um projeto claro e sem a indicação dos benefícios que aquilo pode gerar para o cidadão, nenhum político consegue ir a lugar algum. Que sirva de lição ao PSDB e a todo o centro: numa eleição o passado é importante para a definição do candidato; mas na hora da decisão, conta menos do que a promessa de futuro.

O centro precisa se unir, debater, chegar a um acordo sobre o que está disposto a oferecer. E depois, como fez Lula após a derrota para Fernando Henrique em 1998, sair pelo Brasil explicando à sociedade o que pretende fazer. E, como fez Bolsonaro nos anos anteriores a 2018, se dirigir ao eleitor com um discurso objetivo e convincente. O eleitor só escolhe um político para representá-lo depois que ele se oferece como alternativa, mostra capacidade de articulação, apresenta o que tem a oferecer e indica onde pretende chegar. Para ganhar uma eleição, o candidato precisa ter visão de futuro, clareza, sinceridade e disposição de mostrar serviço. O resto é com o eleitor.

Bom voto a todos.

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