Nuno Vasconcellos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcellos

Desde o início deste ano — e não poderia ter sido diferente — as eleições vêm sendo um tema frequente neste espaço. Nossa intenção (ou pretensão) sempre foi ajudar o eleitor a formar seu juízo sobre o tema e alertar para os riscos de uma escolha equivocada num momento tão importante como o que estamos vivendo. Mais do que em pleitos anteriores, um erro este ano pode ser fatal.

O Brasil, de um modo geral, e o Rio de Janeiro, em particular, atravessam momentos delicados de suas histórias e precisam de governos que lhes permitam recuperar o fôlego para voltar a crescer e oferecer a seus cidadãos oportunidades dignas de futuro.

A duas semanas da eleição (sim, a eleição será daqui a dois domingos!), ainda há tempo para refletir. E mais do que escolher nomes para cada um dos cargos em disputa (Presidente da República, Governador, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual), será preciso optar por um projeto e, em nome dele, votar numa chapa alinhada e capaz de levá-lo adiante.

TOMA LÁ, DÁ CÁ

Num quadro partidário confuso para o brasileiro, é normal que o eleitor tenha dificuldades para se orientar e fazer uma escolha que reflita o alinhamento necessário. Todos os 32 partidos autorizados a funcionar no país têm diretórios no Rio — sendo que há, também, um total de 789 diretórios espalhados pelos 92 municípios fluminenses.

Essa proliferação de legendas gera um batalhão de candidatos. Há 1083 postulantes a Deputado Federal e 1639 a Deputado Estadual no Rio. Esses números apenas aumentam a dificuldade (e, na mesma proporção, a responsabilidade) do eleitor na hora de escolher, por exemplo, para Deputado Estadual um nome capaz de trabalhar em sintonia com seu preferido para governar o estado.

E na hora de buscar um candidato a Deputado Federal e a Senador da República, chegar a um nome que esteja em linha e que seja capaz de trabalhar, se eleito, com o candidato que vier a escolher para a presidência da República.

É preciso haver coerência nas escolhas. Até porque — e estamos cada vez mais fartos desse jogo — a falta dessa coerência compromete a sintonia que, em momentos difíceis como o que estamos vivendo, deve existir entre o Legislativo e o Executivo. A consequência da falta de sintonia é a prática do toma lá, dá cá que tem transformado a política brasileira num balcão de negócios.

Essa brincadeira, como todos sentimos, tem custado cada vez mais caro ao país e, no final das contas, quem paga a conta é a população — que vê o dinheiro que deveria ser utilizado em seu benefício ser destinado a projetos que beneficiam apenas aos políticos. O eleitor, portanto, estará fazendo um favor a seu candidato ao Executivo, seja ele quem for, caso o ajude a construir a base que garantirá a governabilidade e a que permitir que ele ponha em prática as promessas que vier a fazer à sociedade.

PACOTE DE ABRIL

É lógico que o problema é muito mais complexo do que está sendo mostrado aqui e que a formação de uma maioria parlamentar, num quadro partidário bagunçado e ineficiente como o brasileiro, depende de fatores que não estão apenas nas mãos dos eleitores do estado do Rio. A lei eleitoral brasileira, no que diz respeito à proporcionalidade entre as bancadas regionais na Câmara dos Deputados, reflete os defeitos de sua origem.

A raiz da definição no número de vagas destinada a cada estado na Câmara está fincada no Pacote de Abril de 1977. Trata-se de um instrumento baixado pelo general Ernesto Geisel com base no famigerado AI-5 e estava destinado a impedir que a oposição, então reunida sob o guarda-chuva do velho MDB, tomasse a maioria parlamentar da extinta Arena (o partido de sustentação do regime militar).

Veio a redemocratização e, ao invés de corrigir a anomalia que tirou representatividade dos cidadãos dos estados mais populosos no Congresso, o que a nova lei fez foi acentuar o peso dos estados de menor densidade eleitoral. Com 46 deputados federais, a bancada do Rio de Janeiro é quase cinco vezes maior do que, por exemplo a do estado do Amapá. O problema, porém, é a quantidade de votos que cada candidato precisa para se tornar deputado por um ou pelo outro estado.

Tendo como base o contingente eleitoral de 12,8 milhões de eleitores no estado, e sem considerar os desvios causados pelas abstenções que sempre acontecem, são necessários 278 mil votos para se eleger um deputado federal pelo Rio. Enquanto isso, no Amapá, 550 mil cidadãos elegem oito parlamentares. Ou seja, são necessários (também sem considerar as abstenções), quase 69 mil votos para de eleger um deputado. Isso significa, por esses critérios, que o voto de um cidadão brasileiro no estado do Amapá vale quatro vezes mais do que o de outro brasileiro que vota no Rio de Janeiro.

A lei é essa! Enquanto ela não for mudada, continuará valendo e tirando a força do eleitor do Rio de Janeiro e dos estados mais populosos — como São Paulo e Minas Gerais. Isso significa, dentro das atuais regras do jogo, que a responsabilidade do eleitor fluminense é maior do que da maioria dos demais estados da federação. E que isso apenas aumenta seu dever de coerência em relação aos eleitores da maioria dos outros estados.

DIFICULDADE DE ESCOLHA

É nesse cenário, portanto, que se dará, dentro de duas semanas, a disputa eleitoral que vem sendo apontada por todos os analistas como a mais importante de todos os tempos. Pelas regras da disputa, a escolha dos cargos parlamentares é feita na data prevista para o primeiro turno dos cargos Executivos. Esse é apenas mais um entre os muitos detalhes que, cada vez mais, aumenta as exigências de coerência que pesam sobre o eleitor.

Explica-se: caso a eleição para deputados se desse não agora, no dia 2 de outubro, mas no dia 30 de outubro — juntamente com o segundo turno —, ficaria mais fácil para o eleitor escolher candidatos alinhados com os nomes de sua preferência para governar o país e o estado pelos próximos quatro anos. Como a lei determina que essa escolha seja feita ainda no primeiro turno, o cenário torna-se mais complexo e apenas aumenta a responsabilidade do eleitor em não errar numa decisão que, no final das contas, pode significar a diferença entre a governabilidade e o toma-lá-dá-cá permanente ao longo da próxima legislatura.

Todo o raciocínio construído até aqui tem por objetivo mostrar ao eleitor a importância de fazer uma escolha coerente e capaz de impedir a instalação de um problema que, no final das contas, poderá se voltar contra ele na medida em que dificulte a vida de quem vier a ser eleito para comandar o Executivo. As cartas estão na mesa e é pouco provável que venha a se concretizar o sonho que vem sendo alimentado publicamente pelos apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Como se sabe, eles vêm apelando ao eleitor indeciso ou mesmo àquele que manifesta a intenção de votar em Ciro Gomes (PDT) ou em Simone Tebet (MDB) no primeiro turno por uma mudança que liquide a fatura já no primeiro turno. Trata-se do velho e bom “voto útil” que a esquerda, no passado, considerava prejudicial à democracia.

Embora não tornem pública essa esperança, os apoiadores mais próximos de Bolsonaro, que têm acesso às pesquisas internas que embasam as decisões da campanha, vem acreditando numa arrancada final que lhe garanta a vitória já no próximo dia 2. Será?

Num quadro como esse, talvez, a melhor trilha sonora para as pretensões de uma vitória de Lula ou mesmo de Bolsonaro já no primeiro turno seja o samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval de 1992: “sonhar não custa nada”. Pelo comportamento do eleitor e pelo aumento da rejeição a ambos, tudo indica que o resultado, no plano federal, se encaminha mesmo para uma disputa em segundo turno entre Lula e Bolsonaro. No Rio, tudo indica que o governador Cláudio Castro (PL) chegará ao segundo turno ao lado do deputado Marcelo Freixo.

Ao contrário do que aconteceu em 2018, quando o ex-juiz Wilson Witzel despontou do anonimato para uma vitória espetacular sobre Eduardo Paes na corrida pelo governo do estado, tudo indica que, este ano, não deverá haver surpresas. Ou melhor, tudo indica que, este ano, nenhum fenômeno que tenha escapado à atenção dos analistas, como aconteceu em 2018, se manifestará a tempo de produzir um resultado diferente do que vem se desenhando desde o início da campanha.

CANDIDATURA DE CENTRO

A disputa entre Lula e Bolsonaro no segundo turno se dará pela soma de dois fatores. Em primeiro lugar, ela significará o coroamento da estratégia posta em prática pelas duas candidaturas favoritas desde o primeiro passo dessa caminhada. Desde o início, ficou claro que Bolsonaro era o nome que Lula preferia enfrentar no segundo turno e que o petista era a escolha do atual presidente e candidato à reeleição para uma disputa na reta final.

Em nome dessa preferência, foi definida a estratégia que consistiu em atrair as atenções e construir entre os dois um clima de confronto forte o suficiente para impedir que o eleitor olhasse para qualquer outro candidato que pretendesse entrar na briga. O segundo fator foi que, mesmo sabendo disso, os interessados em furar o bloqueio dessa polarização, foram incompetentes para encontrar um nome capaz de fazer frente aos dois favoritos e, quem sabe, chegar ao segundo turno contra Lula ou contra Bolsonaro.

Ao invés de procurar somar suas forças e construir uma candidatura de centro capaz de fazer frente aos dois favoritos, eles optaram por manter acesa uma divisão interna que acentuava as dissenções entre eles ao invés de buscar um consenso capaz de dar uma alternativa ao eleitor que já anda cansado desse clima de polarização que tomou conta do país nos últimos anos. A sorte está lançada e a eleição já está logo aí. Cabe agora, ao eleitor, buscar a coerência que tem faltado aos políticos e fazer uma escolha que não torne a situação pior do que já está.

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