Nuno Vasconcelos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcelos

Com os aliados tentando aumentar e os adversários não medindo esforços para diminuir, torna-se difícil dizer com precisão o número de pessoas que foi às ruas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas manifestações do dia 7 de Setembro. O certo é que as multidões foram consideráveis, como mostram as imagens dos eventos que aconteceram de norte a sul do país.

No Rio de Janeiro, formou-se uma aglomeração quase intransponível na orla de Copacabana, que tomou conta da Avenida Atlântica entre a Avenida Princesa Isabel e a Rua Constante Ramos. A concentração foi maior diante da estrutura armada na altura do Posto 4, de onde Bolsonaro, que disputa a reeleição e provavelmente enfrentará o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, discursou para os apoiadores.

Concentrações semelhantes, com maior ou menor adesão, aconteceram na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo. Houve atos expressivos na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, no Centro Cívico, em Curitiba, nas imediações do Parque Moinhos de Vento, em Porto Alegre, no Farol da Barra, em Salvador, e em diversos outros pontos do país. Havia tanta gente nas ruas que fica difícil aceitar, como insistiram em dizer os críticos mais ferozes de Bolsonaro, que todos estavam ali para apoiar atos “antidemocráticos” ou que estavam interessados em apenas em hostilizar as instituições.

Ninguém está negando, aqui, que houvesse entre tantos manifestantes gente que, no final do dia, alimentasse a ilusão de promover um golpe de Estado ou tivesse a intenção de aplicar uma punição exemplar ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal — considerado por gente da extrema-direita o Inimigo Número 1. É provável que houvesse em meio a tantas pessoas alguém que levasse a sério esse tipo de devaneio — assim como certamente há nas manifestações da esquerda gente que ainda sonha em promover uma revolução e implantar no Brasil um regime comunista à moda cubana. Como se sabe, há louco para tudo neste mundo.

BANDEIRAS VERMELHAS

Também não acrescenta em nada ao debate democrático acusar Bolsonaro de tentar tirar proveito eleitoral de uma data cívica importante — o Bicentenário da Independência. Se existe no Brasil um partido que não tem o direito de fazer esse tipo de acusação a ele ou a quem quer que seja, esse partido é o PT. Era praticamente impossível não ver as concentrações promovidas pelos governos de Lula e Dilma, para comemorar o 1º de maio ou qualquer outra data importante, tomadas pelas bandeiras vermelhas das organizações de esquerda que sempre os apoiaram. Portanto, criticar Bolsonaro por ter atraído seguidores para um ato do qual participou como presidente e por ter estabelecido com eles o diálogo ao qual estão habituados é o mesmo que criticar seu adversário Lula por ter se dirigido a seus “companheiros”, e não ao povo brasileiro, nas aparições que fez como presidente.

O que interessa saber, portanto é: o que levou tanta gente para as ruas no dia 7 de setembro? Querer reduzir aquela multidão a uma massa de manobras sem vontade própria, que age movida pelos interesses de manipuladores interessados em atentar contra a democracia, é um equívoco. Ou, em outras palavras, querer enxergar as manifestações de 7 de Setembro como um movimento antidemocrático e ignorar os motivos que atraíram tanta gente para as ruas é um erro que, no limite, pode custar caro às pretensões do ex-presidente Lula.

SINAIS DE REAÇÃO

Em defesa do melhor nível da disputa eleitoral, determinados temas deveriam ser mantidos distantes dos palanques. Referências às esposas de um ou de outro candidato, assim como ataques pessoais de baixo calão são dois exemplos. De qualquer forma, o debate é livre. Assim como Bolsonaro se elegeu em 2018 sobre os escombros do que foi a era petista, Lula e seus apoiadores chegaram à campanha eleitoral deste ano certos de que os desacertos cometidos pelo atual governo seriam suficientes para reconduzi-los ao Palácio do Planalto. Essa possibilidade ficou ainda mais clara depois que a pandemia da Covid-19 cobrou um preço elevado em número de vidas que foram atribuídas a Bolsonaro.

A questão, porém, é que, nos últimos meses, e na medida em que a pandemia vai ficando para trás, o país vem apresentando uma reação que já se faz notar nos índices gerais da economia. O crescimento de 1,2% no segundo trimestre deste ano elevou o acumulado do PIB este ano para 2,5%, segundo o IBGE. O desempenho supera as expectativas mais otimistas do início de 2022.

“O Brasil cresceu mais do que os países do G7 (os países mais ricos do mundo) e cresceu mais do que a China no primeiro semestre”, afirma o chefe da assessoria especial de estudos econômicos do Ministério da Economia, Rogério Boueri. A taxa de desemprego, que estava em 11,1% no primeiro trimestre, caiu para 9,3% no segundo, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE. A inflação, embora ainda esteja elevada, começa a ceder sob efeito da redução dos preços dos combustíveis.

Esses números não significam, de forma alguma, que o país tenha entrado num círculo virtuoso de crescimento e que o novo momento seja, por si só, capaz de carimbar o passaporte de Bolsonaro na direção do segundo mandato, assim como a economia carimbou o de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, o de Lula, em 2006, e até mesmo o de Dilma, em 2010. Nada disso. Eles significam apenas que o país deixou de piorar. Os sinais de recuperação ainda são tímidos diante das necessidades. Mesmo assim, eles aumentam as chances eleitorais de Bolsonaro e deixam Lula na obrigação de mostrar a todos que tem condições de fazer melhor.

MAIORIA PARLAMENTAR

Seja como for, é possível perceber que a estratégia traçada pelas campanhas de Lula e de Bolsonaro desde o início da campanha parece ter sido bem sucedida até aqui. Essa estratégia, grosso modo, consistia em manter entre eles um clima de polarização tão acentuado que mantinha as atenções concentradas nos movimentos de um e do outro e praticamente eliminava a chance de surgir um terceiro nome em condição de lhes fazer frente.

Os resultados de qualquer eleição só podem ser considerados definitivos depois de abertas as urnas e apurados os votos. Mas a cada dia que passa fica mais claro que, no final, os dois chegarão ao segundo turno e, então, disputarão para valer a preferência do eleitor. Ao invés de ser uma solução, isso pode ser o início de um novo problema para o vencedor.

Por maior que seja a disputa pela cadeira de Presidente da República e por mais que ela mobilize a atenção e os ânimos — a ponto de tirar tanta gente de casa em pleno feriado — nem Lula nem Bolsonaro serão capazes de cumprir com suas próprias forças tudo o que estão prometendo ao eleitor. Eles só conseguirão isso se puderem contar com uma maioria parlamentar sólida o suficiente para dar ao vencedor as condições mínimas de governabilidade.

O problema, aí, não é de Lula nem de Bolsonaro — mas da própria lógica da política brasileira. Desde que as regras partidárias adotadas a partir da Constituição de 1988 empurraram o Brasil na direção do chamado “presidencialismo de coalizão” o cumprimento das promessas eleitorais depende mais das negociações com o Congresso do que da ideologia ou das intenções do eleito.

Isso significa o seguinte: não adianta o candidato prometer, por exemplo, privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil. Se, depois que for eleito, o Congresso disser que não, concorda com isso, nada será feito. Da mesma forma, não adianta o presidente prometer em sua campanha que irá reestatizar a Eletrobras e fazer a legislação trabalhista retroceder ao que era antes de 2016. Se o Congresso entender que tudo deve permanecer como está, não há nada que ele pode fazer a respeito.

PARTIDOS DEMAIS

A realidade é uma só. A organização política brasileira não oferece ao presidente a menor condição de formar uma maioria parlamentar sem a necessidade de, depois de eleito, negociar com pessoas que não faziam parte das alianças que o levaram ao poder. Ele não age assim por fraqueza política — mas por imposição das regras partidárias adotadas no Brasil. Pode ser que exista — mas é praticamente impossível encontrar em outra democracia um parlamento dividido entre tantas siglas, facções e tendências como na brasileira.

A situação é absurda. Nas eleições de 2014, nada menos do que 28 partidos diferentes elegeram representantes para a Câmara dos Deputados. O número de legendas que conseguiram representação depois das eleições de 2018 foi ainda maior: 30. Atualmente, depois da fusão de siglas e da troca de legendas por parlamentares em exercício do mandato (que, por sinal, é outra anomalia da lei brasileira) há 24 partidos com representação parlamentar. Construir uma maioria saudável num ambiente como esse é praticamente impossível.

A sociedade brasileira precisa, com urgência, perceber que isso é um problema e exigir que as forças políticas coloquem ordem na casa. Ninguém está defendendo aqui a volta do quadro bipartidário criado pelo Ato Institucional nº 2, de 1965 — quando apenas a Arena, o partido da situação, e o MDB, da oposição, podiam disputar a preferência do eleitor. Por outro lado, é impossível imaginar que todas as 32 agremiações autorizadas a funcionar pela justiça eleitoral tenham respaldo social — o que nos autoriza a supor que muitas delas existem apenas para representar os interesses de seus próprios integrantes.

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