O calendário eleitoral de 2022 avança rapidamente e mudou de página na quarta-feira da semana passada, dia 20 de julho, com a abertura da temporada das convenções que definirão os nomes dos candidatos aos cargos em disputa este ano. Até o dia 5 de agosto, o diretório nacional de cada partido deverá se reunir e votar nos nomes de seu candidato ou de sua candidata à Presidência da República. Aos diretórios estaduais, cabe aprovar os nomes dos candidatos aos governos estaduais e as chapas ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados e às Assembleias Legislativas.
Até aí, nada de novo. As convenções partidárias, por mais importância que tenham para a consolidação das escolhas dos partidos, são tratadas pelos políticos e pelas próprias legendas como um evento enfadonho, que existe apenas para formalizar o que já estava decidido. Tanto isso é verdade que nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nem o ex-governador Geraldo Alkmin estiveram na convenção que, na quinta-feira passada, no Novotel Jaraguá, no centro de São Paulo, oficializou seus nomes como candidatos a presidente e a vice-presidente da República na chapa encabeçada pelo PT.
O PL, por sua vez, oficializará o nome do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, na convenção marcada para hoje no Maracanãzinho e organizou uma festa maior. Bolsonaro estará presente e deverá ser o único a discursar. Seja como for, no final das contas, tanto um ato quanto o outro servirá apenas para confirmar o que já se sabia.
ARRANJOS POLÍTICOS
Atenção! Não é só os partidos de Lula e de Bolsonaro que agem dessa maneira. Essa atitude é comum senão em todos, pelo menos na maioria dos 32 partidos políticos que, sozinhos ou coligados com outras legendas, serão os responsáveis pelos doze nomes que deverão disputar as eleições deste ano. Entre essas 32, como se sabe, existem aquelas legendas de cunho ideológico mais radical — que se lançam à disputa apenas para fazer propaganda de sua própria existência. Também existem os partidos de menor visibilidade e pouca expressão eleitoral, que agem como “legendas de aluguel” e negociam vagas com candidatos com quem não têm a mais mínima ligação.
O fato é que, embora a lei eleitoral permita que mais de um nome se lance à disputa pelos cargos nas convenções, tais encontros, na prática, servem apenas para referendar as decisões e os arranjos políticos feitos nos bastidores. Ou, então, para confirmar algo que já estava claro para quem quisesse enxergar, mas que ainda era tratado como uma decisão a ser tomada. No Brasil, infelizmente, os partidos não são espaços para o debate de ideias e nem para a afirmação de princípios políticos.
Eles são, em muitos casos, meros ajuntamentos de pessoas sob a liderança de um chefe que ninguém ousa contrariar. Ou, então, estruturas que servem apenas para referendar decisões em que o povo — que deveria ser o protagonista de qualquer decisão — é tratado como um peão a ser sacrificado no xadrez da política.
REALIDADE ELEITORAL
Numa visão ideal e — por que não admitir? — um tanto ingênua, o certo seria que os candidatos disputassem espaço dentro das agremiações a partir da adesão a um programa partidário e só depois que conquistassem o apoio dos correligionários se apresentassem ao eleitor em busca do voto. Nesse caso, a afinidade com os princípios partidários é que definiria o lançamento das candidaturas e, mais do que isso, definiria os limites do exercício dos mandatos. O que se vê, porém, é o contrário. Os interesses e as conveniências do candidato parecem falar sempre mais alto do que os da legenda que o abrigou e dos eleitores que o escolheram.
É claro que, como toda regra, essa tem suas exceções. Mas, infelizmente, é essa a situação que tem prevalecido em nossa cena política. Para qualquer lugar que se olhe, parece existir uma distância enorme entre a formalidade legal e a realidade eleitoral. As convenções são um exemplo disso. Para citar apenas mais um exemplo, o calendário eleitoral diz que as campanhas terão início apenas no dia 16 de agosto. Pela lei, só daqui a pouco mais de três semanas os candidatos poderiam se dirigir ao eleitorado para fazer algo que, na prática, vêm fazendo há muito tempo.
Por que esses fatos estão sendo mencionados aqui? Por uma razão muito simples: quem mais sofre com essa estrutura em que as decisões política são sempre tomadas de cima para baixo com a intenção de sempre beneficiar quem já está no topo é o cidadão que está na base da pirâmide. Cabe a ela, portanto, deixar de agir como se fosse um mero instrumento nas nãos dos políticos e, dentro dos limites consagrados pelo Estado Democrático de Direito, assumir a responsabilidade de tomar as decisões e escolher candidatos que falem em seu nome.
Isso não diz respeito, é claro, apenas à escolha do presidente. Talvez seja até mais interessante, para efeito de clareza do raciocínio, esquecer a disputa pelo cargo mais importante da República e pensar na escolha dos deputados estaduais e dos federais, que são eleitos para representar a sociedade e nem sempre cumprem os compromissos que assumiram quando se dirigiram ao eleitor para pedir o voto. O primeiro passo para mudar o jogo seria assumir um papel mais efetivo na vida dos partidos — que são a célula mãe da atividade política em qualquer democracia representativa.
DUE DILIGENCE
Isso talvez seja mais uma demonstração de ingenuidade. Mas já que começamos, não custa concluir o raciocínio. Seria muito bom que a sociedade brasileira deixasse de ver as convenções partidárias e outros eventos previstos pelo calendário eleitoral como meras formalidades e que passasse a considerá-los como etapas essenciais para o amadurecimento do processo político. Também seria bom, como já foi defendido neste espaço em outros momentos, que os partidos políticos passassem a responder pela conduta de seus filiados no exercício dos mandatos ou nos cargos públicos que ocupassem em nome da agremiação. E que fossem responsabilizados, inclusive financeiramente, pelos danos que seus filiados viessem a causar à administração quando ocupassem algum cargo público.
Isso, claro, parece impossível. Mas, no fundo, não é. Como toda semente, essa também precisa ser plantada para que venha a germinar. Caso viesse a ser adotada, a ideia geraria frutos positivos, que melhorariam a qualidade da política brasileira. Para começar, muitos partidos que parecem existir apenas para transformar a política num balcão de negócios deixariam de existir se tivessem que passar a responder pelos seus filiados. Os outros, para se precaver de atos que podem custar caro a suas finanças, passariam a submeter cada um que pretendesse engrossar suas fileiras a uma due diligence rigorosa.
A ideia, claro, não é bisbilhotar a vida dos filiados e cobrar deles uma conduta sem qualquer passo em falso. Nada disso. O que se pretende é apenas estabelecer uma cadeia de responsabilidades que preserve a sociedade do mau uso da política. Assim como as instituições financeiras são responsáveis por atestar a licitude do dinheiro movimentado por seus correntistas, os partidos também deveriam ser responsáveis pelos atos de seus filiados. Isso seria fundamental.
Afinal de contas, os partidos políticos brasileiros, por mais que sejam entidades de direito privado, são abastecidos com dinheiro público. Sendo assim, eles teriam que ser submetidos a um controle mais rigoroso do que atualmente são. Isso contribuiria não só para o fortalecimento do sistema partidário (que, hoje, no país, padece de um problema crônico de falta de credibilidade) mas também para a melhoria da qualidade dos políticos. E, principalmente, para um compromisso maior dos governantes com a condução dos projetos que viessem a propor no exercício do mandato.
MECANISMOS DE CONTROLE
A realidade, porém, está distante desse mundo ideal. O que acontece na prática é que, ao digitar seu voto na urna eletrônica, o eleitor acaba dando uma espécie de carta branca, que permite ao político agir da forma como bem entender no exercício do mandato. Por falta de mecanismos de controle não existe, por parte do político, nada que o obrigue a respeitar a plataforma que o elegeu — e a consequência disso é um distanciamento cada vez maior entre o que ele fala quando se dirige ao eleitor e aquilo que efetivamente faz no exercício do mandato.
É preciso mudar esse jogo! É preciso fazer com que, ao invés de agir como bem entender depois que assumir o cargo para o qual foi eleito, o político tenha que cumprir o que prometeu ao eleitor. Quanto menos o eleitor se sentir representado pelo político que ajudar a eleger, mais ele se afastará da política. E quando mais ele se afastar da política, menos terá o direito de se queixar da inflação, do desemprego, da corrupção e de outras mazelas que nascem na estrutura do Estado e afetam toda a sociedade. Não vamos desistir de consertar a política. Nunca!
P.S. A GUERRA NO RIO
Optamos por não falar nesta da operação policial que deixou pelo menos 18 mortos no complexo de comunidades do Alemão, na quinta-feira passada. Haveria, no calor dos acontecimentos, muito pouco a acrescentar ao que vimos falando nos mais de dois anos de existência desta coluna. O Rio de Janeiro está em guerra. Uma guerra que só aumentará e se tornará mais letal se continuarmos tratando cada uma de suas batalhas como um fato isolado.
Quem mais perde com isso, como se sabe, são os cidadãos das comunidades que se convertem em campos de luta. Colhidos no meio dos tiros disparados por policiais nem sempre preparados para aquele tipo de confronto e por bandidos que os tratam como escudos humanos, eles têm suas vidas sob uma ameaça constante. São vítimas permanentes de bandidos que usam táticas de guerrilha cada vez mais sofisticadas para se impor pelo medo. Bandidos com conexões cada vez mais evidentes com o tráfico e com o narcoterrorismo internacional, que transformaram o Rio de Janeiro e suas comunidades mais vulneráveis na base de seu poder. No domingo que vem voltaremos a este tema.