Nuno Vasconcelos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcelos

Quem observa as reações das autoridades brasileiras diante dos aumentos frequentes dos preços dos combustíveis tem a impressão de que todos os problemas do Brasil começam e terminam no centro do Rio de Janeiro. Mais precisamente, no edifício da Av. República do Chile, 65 — onde funciona a sede da Petrobras. Na semana passada, a estatal esteve novamente no centro do noticiário após a demissão de seu presidente. José Mauro Ferreira Coelho também não resistiu às pressões que vinha sofrendo e pediu para sair mesmo antes de seu substituto Caio Mário Paes de Andrade, já indicado para o posto, passar por todas as etapas probatórias e assumir o comando da estatal.

O bombardeio estava implacável e o que espanta não é o fato de Coelho sair agora, pouco mais de dois meses depois de assumir, mas de não ter ido embora antes. Alvejado nos dias anteriores à sua saída pelas críticas do presidente Jair Bolsonaro, ele passou a ser atacado também pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas/AL) — que, até onde se sabe, não tem ou pelo menos não deveria ter autoridade para meter o bedelho na estatal.

No caso de Bolsonaro, o gesto apenas confirma a tolerância zero do presidente para contrariedade que ele demonstra desde o início de seu governo. Qualquer auxiliar que, em nome de argumentos técnicos, não siga ao pé da letra as ideias que ele tem sobre uma determinada situação é posto para fora. Não importa se foi um ministro, um secretário ou um presidente de estatal. Se não seguiu ao pé da letra a cartilha do presidente está fora!

Mas, e Lira? Por que ele se sentiu à vontade para dar um palpite sobre o comando da estatal num momento em que o poder que ele preside parece não mover uma palha para resolver os problemas que tem sob sua responsabilidade? Não teria sido mais proveitoso para a imagem do parlamento que o deputado tivesse usado a energia gasta para pedir a cabeça de Coelho para cobrar de seus pares mais agilidade na aprovação da reforma administrativa, da reforma fiscal e tantas outras providências que não andam?

FURAR POÇO E ACHAR ÓLEO

A Petrobras sempre foi alvo da cobiça de políticos. Em 2005, apenas para recordar um episódio folclórico, o recém eleito presidente da Câmara dos Deputados, deputado Severino Cavalcanti, disse ter ouvido do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva a promessa de que caberia a ele indicar um nome para ocupar “aquela diretoria da Petrobras que fura poço e acha petróleo”. Desta vez, a situação é diferente e todo alvoroço em torno da empresa parece motivado por duas razões.

A primeira delas é o efeito negativo que a alta dos preços dos combustíveis vem causando à imagem do governo e a todos os políticos ligados a ele. Às vésperas de uma disputa eleitoral que promete ser acirrada tanto para Bolsonaro quanto para a maioria de seus apoiadores, cada centavo a mais no preço do óleo diesel e da gasolina pode significar um ponto percentual a menos nas chances eleitorais.

A outra razão é mais preocupante. Os lucros extraordinários obtidos pela Petrobras depois que adotou, em 2016, a atual política de reajuste de preços parece ter atraído a cobiça de muita gente. Com os preços dos combustíveis atrelados à variação da cotação internacional do barril de petróleo, essa política é conhecida pela sigla PPI, que significa Preço de Paridade de Importação. Com ela, os lucros da estatal cresceram até chegar aos R$ 106 bilhões apurados no último balanço. O que não falta neste momento é gente interessada em tirar benefícios desse dinheiro.

Uma das propostas em curso no Congresso é o do aumento da tributação sobre os lucros da estatal. Quem defende a medida, se é que tentou, não conseguiu e explicar de que forma isso poderia impedir o aumento dos preços dos combustíveis. O efeito prático mais visível dessa sobretaxação seria o de reduzir os dividendos pagos aos acionistas minoritários e de distribuir com os estados e os municípios parte do dinheiro que hoje fica integralmente com a União. Isso pode ser até defensável. Mas incluir a proposta numa discussão sobre os preços não passa de uma tentativa de enganar o cidadão.

CRITÉRIOS DE GOVERNANÇA

Antes de prosseguir, um alerta! Ninguém aqui está querendo reduzir o impacto das elevações frequentes nos preços dos combustíveis sobre a inflação e sobre as condições da economia. Eles são graves e afetam a todos. Também não está sendo posto em dúvida o direito do presidente da Câmara ou de qualquer outro parlamentar de se manifestar sobre esse ou sobre qualquer outro assunto. Isso, ele pode e até deve fazer, em nome da democracia.

O que Lira não pode é agir como se detivesse algum poder sobre a estatal. Não tem! Mesmo controlada pela União, a Petrobras é uma companhia aberta, com ações negociadas em bolsa e títulos no mercado internacional. Precisa, portanto, se submeter às regras do mercado de capitais. Foi em nome disso, e em respeito a seus acionistas minoritários, que a empresa reforçou seus procedimentos de governança nos últimos anos e eles devem ser mantidos enquanto a empresa for estatal.

A intenção, ao se reforçar os critérios de governança, foi justamente a de reduzir a possibilidade da estatal sofrer interferência política. Interferência que a levou, no passado recente, a enfrentar a mais grave crise que enfrentou desde que foi fundada pelo presidente Getúlio Vargas no dia 3 de outubro de 1953 — há quase 70 anos.

Isso aconteceu, como se sabe, no governo da presidente Dilma Rousseff — quando a empresa conviveu com uma interferência que manteve os preços dos combustíveis artificialmente baixos. Sem entrar no mérito dos casos de corrupção que vieram à tona naquele momento, os mecanismos utilizados para segurar os preços dos combustíveis consumiram todos os recursos que a empresa tinha disponíveis para investimentos, causaram um rombo no balanço e quase levaram a companhia à lona.

Foi justamente para proteger a Petrobras desse tipo de ameaça que o governo do presidente Michel Temer estabeleceu critérios mais rígidos de governança para ela e para as demais empresas do governo. Além de baixar a Lei das Estatais — que passou a cobrar uma série de exigências técnicas aos indicados para dirigir as empresas públicas — ele ainda determinou que o presidente que pôs no comando da Petrobras, Pedro Parente, definisse critérios de reajuste dos combustíveis capazes de proteger a estatal de interferências populistas.

Foi daí que surgiu o PPI. Justificável no momento em que foi adotado, o mecanismo de reajuste automático dos preços pela cotação internacional do barril de petróleo deixou de fazer sentido há algum tempo e já deveria ter sido alterado. Mas ainda não foi.

TREINADOR DE FUTEBOL

Entre janeiro de 2019 — mês da posse de Bolsonaro na presidência — e o feriado do Corpus Christi deste ano, quando a estatal anunciou o reajuste mais recente, o óleo diesel nas refinarias teve uma alta de 203%. O aumento no preço da gasolina foi menor, de “apenas” 170%.

Esses números falam por si. Diante deles, o pior a ser feito é tratar o presidente da estatal — seja ele quem for — como as diretorias dos clubes tratam os treinadores de futebol e substitui-lo diante de qualquer resultado adverso. Isso pode até aliviar a consciência dos integrantes do governo e dar ao eleitorado menos esclarecido a impressão de que algo está sendo feito para conter os aumentos. Mas o efeito prático das demissões sucessivas é e continuará sendo nulo enquanto não se encontrar uma fórmula de reajustes de preços que não se prenda apenas na cotação do barril do petróleo.

Por que não estabelecer uma média que leve em conta, além do preço internacional do barril, os custos internos de produção e a adição de combustíveis renováveis, como o biodiesel, no óleo, e o etanol, na gasolina? Isso seria um primeiro passo para amenizar a questão. Mais importante do que isso, porém, é resolver definitivamente a crise de identidade da Petrobras — que, no modelo atual, não serve nem ao governo nem à sociedade, mas apenas a si mesma e à corporação que se beneficia de sua condição monopolista.

O país precisa, de uma vez por todas, decidir se a empresa deve ser pública ou privada. Se optar pela primeira saída, teria que comprar à vista e a preço de mercado todas as ações dos minoritários e, depois, fechar o capital da empresa. Isso, a preços atuais, consumiria muito mais recursos do que a empresa é capaz de gerar para seu controlador.

Para a segunda opção, a transferência da empresa para um controlador privado num leilão público e com regras transparentes é fundamental, mas insuficiente para resolver o problema. O xis da questão é que, mantida a estrutura atual, a privatização significaria apenas a troca de um monopólio estatal por uma série de monopólios regionais privados que não trariam qualquer benefício à sociedade.

É preciso que, junto com a venda da empresa, o governo estimule por meio de um sistema de concessões moderno, a implantação de novas refinarias. Só assim, com o aumento da concorrência interna, o consumidor brasileiro se livraria da asfixia de um monopólio que, mesmo tendo sido extinto no papel, permanece intacto na prática.

Sempre que se fala em vender a Petrobras, as vozes contrárias dizem que a empresa é eficiente e que pertence ao cidadão. Não custa recordar a velha frase e lembrar que, para as empresas eficientes, o monopólio é desnecessário. E para as ineficientes, ele é completamente inútil.

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