É hora de espantar os elefantes brancos
Para voltar a andar para a frente, o Rio precisa por fim à mania de transformar projetos que nascem como promessas de solução em fontes inesgotáveis de problemas
Anunciado no mês passado, com repercussão até discreta diante de sua importância para a cidade, um empreendimento imobiliário na Zona Portuária tem tudo para se transformar num marco na retomada do crescimento do Rio de Janeiro. Trata-se da intenção de uma grande incorporadora carioca de construir mais de 1.200 apartamentos na Praça Marechal Hermes, no Santo Cristo. Será o primeiro projeto residencial na área do Porto Maravilha — o plano de revitalização da Zona Portuária concebido na passagem anterior de Eduardo Paes pela Prefeitura do Rio.
Por escassez de dinheiro, por falta de iniciativa dos responsáveis por dar continuidade ao que estava planejado e pela inércia absoluta de órgãos que poderiam ter levado a ideia adiante, o projeto parou e chegou a dar a impressão de que seria definitivamente sepultado. E que o Porto Maravilha se transformaria em mais um dos elefantes brancos que incomodam muita gente do Rio. A esperança, agora, é que ele volte a andar com esse novo empreendimento.
O empreendimento imobiliário contará, depois de concluído, com três torres residenciais de 19 andares cada. Alguns dos apartamentos serão valorizados pela vista imponente da Ponte Rio-Niterói sobre a Baía de Guanabara. Além dos milhares de empregos que serão gerados durante a construção — o que já seria uma excelente notícia — o que importa, neste caso, é o significado da inciativa.
A intenção é criar condições para que um grande número de pessoas more, trabalhe, estude e se divirta na mesma região. Isso reduziria a pressão sobre o transporte público e contribuiria para desafogar o trânsito da cidade. Assim, pelo menos na teoria, a cidade inteira sairia ganhando. De acordo com os cálculos da Prefeitura do Rio, a população da região portuária é, atualmente, de 30 mil moradores. A ideia, com os imóveis residenciais no Porto Maravilha, é elevar essa população para 400 mil pessoas. Isso completaria o círculo que se iniciou com os equipamentos de lazer e cultura que transformaram o Porto Maravilha num dos espaços mais visitados da cidade.
Obstáculos Intransponíveis
Os 1.200 apartamentos distribuídos pelas três torres do empreendimento que terá início em maio abrigarão, quando todos os imóveis estiverem prontos, uma população de 5 mil a 6 mil pessoas. Serão necessários, numa conta rasteira, pelo menos mais 200 edifícios e 80 mil unidades mais ou menos do mesmo padrão para abrigar os 400 mil moradores esperados. A primeira pergunta a ser feita é: haverá capital disponível e empresas interessadas em levar essas obras adiante?
A princípio, sim. Mesmo com toda a crise econômica e financeira que o Brasil tem vivido nos últimos anos, a paralisia das obras do Porto Maravilha não se deveu, a princípio, à falta de investidores brasileiros ou estrangeiros interessados em trazer dinheiro para o Rio. O problema é que, muitas vezes, eles perdem o interesse e recuam depois de conhecer as exigências feitas pela Caixa Econômica — que detém os direitos de construção na área — para liberar as construções.
A redução das exigências burocráticas seria um passo importante para atrair os investidores. Outra seria convencer o Tribunal de Contas da União (TCU) a buscar soluções para os obstáculos que existem — ao invés de continuar a se esforçar para torná-los ainda mais intransponíveis. Uma solução para isso seria a criação de uma força tarefa destinada a analisar todos os problemas que deram origem a elefantes brancos como o Porto Maravilha e encontrar a solução para cada um deles.
Essa força tarefa seria composta por representantes dos Três Poderes nos três níveis de governo, por representantes dos tribunais de contas municipal, estadual e da União, da Caixa e de todos os órgãos onde possa haver algo que impeça a solução do problema. Atenção: ninguém aqui está em busca de privilégios — mas apenas de uma política que leve em conta as necessidades do Rio e a importância de encontrar a solução.
Para que nada saia errado e para que a iniciativa possa seguir em frente, alguns cuidados precisam ser tomados. O primeiro deles é afastar de antemão toda e qualquer suspeita de irregularidade ou de favorecimento a qualquer tipo de interesse. Transparência, nesta hora, é tão importante quanto a agilidade!
Outros Elefantes
O Porto Maravilha não é o único elefante branco que sobrevive na cidade. Na região da Barra da Tijuca, o Parque Olímpico é outro equipamento que não conseguiu atender o propósito para o qual foi criado e que também poderia ser transformado em símbolo da revitalização. Construído ao custo de R$ 2 bilhões em valores da época, o equipamento foi bancado com recursos públicos e se transformou numa fonte inesgotável de problemas desde o encerramento das competições.
A suspeita é a de que o parque tenha se transformado numa área de influência das milícias que atuam na Zona Oeste e que isso venha dificultando uma saída para o problema. A ideia inicial era que a iniciativa privada assumisse os equipamentos e transformasse o local num espaço de lazer e num centro esportivo que ajudasse a manter vivo o espírito dos Jogos.
Também haveria ali um complexo educacional com pelo menos quatro escolas públicas para os moradores da região. Depois dos Jogos Olímpicos, no entanto, o espaço não se firmou nem como uma coisa nem como outra — e deteriora a olhos vistos, sem justificar o dinheiro gasto na sua construção.
Encontrar um destino para o Parque Olímpico e dinamizar o uso da Cidade das Artes como um centro cultural dinâmico, assim como por o Porto Maravilha para andar, são passos importantes para afastar a ideia de que, no Rio de Janeiro, os projetos começam como promessa de solução e sempre acabam como um poço de problemas. A ocupação desses espaços, além de seu incrível potencial de gerar empregos de qualidade, são uma maneira de mostrar respeito à população do Rio. E de fazer a cidade voltar a seu lugar de destaque, de onde nunca deveria ter saído.
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