Vamos esquecer por um minuto a falta de tato do presidente da República para lidar com um dos desafios mais vitais já enfrentados pelo Brasil em sua história: a necessidade de fazer a roda da Economia girar sem, com isso, dar a impressão de querer expor as pessoas ao risco de serem contaminadas pelo coronavírus. O país anseia por esse tipo de solução e todos estaríamos menos apreensivos em relação ao futuro se a busca por uma solução equilibrada que leve à retomada da atividade estivesse mais clara no discurso de Jair Bolsonaro e no de qualquer autoridade brasileira. Infelizmente, não é isso que tem sido visto até aqui.
Bolsonaro, como se sabe, teme que a crise econômica do país seja agravada pela inatividade e, por isso, defende a abertura imediata de tudo o que está fechado. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por sua vez, defende a manutenção das medidas de proteção já adotadas e não descarta tomar providências ainda mais rígidas para dificultar a circulação e as aglomerações de pessoas. Sua posição é a mesma da maioria dos governadores dos demais estados.
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PALPITES E CONVENIÊNCIAS
— É preciso acalmar os ânimos. Se houver a possibilidade de se levar adiante uma discussão que já não nasça contaminada por paixões políticas anteriores à pandemia, ficará nítido que nenhuma dessas hipóteses elimina a outra. É possível, sim, insistir na necessidade de isolamento e, ao mesmo tempo, dar início às providências para a retomada. Isso, claro, se for feito um planejamento com base em dados científicos confiáveis.
O problema é que, no Brasil, quanto mais se defende a necessidade de soluções baseadas na Ciência, mais as decisões parecem tomadas ao sabor dos palpites e das conveniências políticas de cada um. E enquanto se perde tempo numa briga que não conduz a uma solução, o coronavírus continua se disseminando e provocando mortes desnecessárias pelo país afora. O que fica mais claro a cada dia é: se o caminho adotado pelo Brasil está errado, é preciso buscar em outras partes do mundo exemplos de sucesso que ajudem na decisão sobre o roteiro a seguir.
NECESSÁRIO E POSSÍVEL — Vejamos, por exemplo, o caso da Alemanha. Ali, as autoridades adotaram desde o início uma postura cautelosa, em que não só defenderam a necessidade de seguir recomendações dos médicos como nunca deixaram de praticá-las. Ao contrário do que houve nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Brasil, não se viu qualquer autoridade alemã agir como se o cargo que ocupa lhe tornasse imune ao vírus. Elas também aderiram às medidas de isolamento social, que eram rigorosas no início e passaram a ser relaxadas na medida em que os testes comprovaram a redução do ritmo de contaminação. O resultado foi que há mais de uma semana a Economia do país vem funcionando plenamente, a ponto de os economistas já estarem achando que a locomotiva alemã terá forças para ajudar a Europa a sair da crise antes dos demais continentes.
Sempre que alguém menciona exemplos de sucesso internacionais no combate à pandemia, logo surge o argumento de que as condições socioeconômicas do país que as adotou são superiores às nossas — e que, pela Cultura e pelas deficiências de infraestrutura, o Brasil nunca teria um desempenho semelhante ao do mundo desenvolvido. Será que isso é verdade? Claro que não. Medidas de bom senso independem do grau de avanço da sociedade. Ou melhor: dependem mais da clareza com que são tomadas e anunciadas do que das condições da sociedade a que se destinam.
É preciso estudar cada setor e, com a ajuda dos empresários e dos trabalhadores, adotar as providências mais adequadas a cada atividade. É preciso tornar públicas as ações que empresas como Petrobras e Vale adotaram para retomar as atividades e estimular outras companhias a seguir o mesmo caminho. É preciso reforçar a higienização dos ambientes, estabelecer as distâncias seguras entre as pessoas nos locais de trabalho, fornecer e monitorar o uso correto dos equipamentos de proteção. Será um caminho longo até a volta à normalidade e às vezes será preciso recuar um passo para dar dois adiante logo na sequência. Ninguém está dizendo que será fácil — apenas que isso é urgente, necessário e possível.
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