É preciso evitar o rastilho da pólvora

A partir de setembro, os Três Poderes estarão sob liderança de pessoas que fizeram suas carreiras no Rio. Tomara que seja, pelo menos, um estímulo para busca da harmonia

Nuno Vasconcellos
Foto: Daniel Castelo Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcellos

A partir de meados de setembro deste ano, quando o ministro Luiz Fux assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal ( STF ), e até o final de janeiro de 2021, quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) deixar a Presidência da Câmara dos Deputados, o Rio de Janeiro viverá um momento raro, para não dizer inédito, em sua história. Pela primeira vez, os três poderes da República ficarão sob o comando de pessoas que, por terem construído suas carreiras no Rio, são sensíveis aos problemas do estado e da cidade.

Jair Bolsonaro é o primeiro político com carreira fluminense a ocupar a Presidência da República desde que Nilo Peçanha, vice de Afonso Pena, assumiu o posto em 1909, com a morte do titular. Maia, nasceu em Santiago quando seu pai, o economista César Maia, vivia exilado no Chile e está no quinto mandato de deputado federal pelo Rio. Fux, por sua vez, foi promotor, juiz de carreira concursado e desembargador no Tribunal de Justiça do Rio antes de chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, depois, ao STF.

Trata-se, obviamente, de uma coincidência e esse alinhamento, que durará pouco mais de quatro meses, pode não gerar qualquer benefício para o estado. Afinal, o Brasil vive um momento em que os três poderes — que deveriam ser independentes e harmônicos entre si, como diz o Artigo 2º da nossa Constituição — vivem uma situação de antagonismo que também é rara, para não dizer inédita, na história da República.

A origem comum, no entanto, pode estimular e facilitar a construção da harmonia. Nesse caso, os três poderão construir, sem que isso signifique qualquer privilégio indevido, o caminho que livrará o estado das dificuldades crônicas que atravessa.

A SAÍDA DA CRISE — Sim. A cada dia que passa fica mais evidente que, sem uma ajuda federal mais incisiva, o Rio não se livrará de seus problemas. Eles só ficarão para trás se houver uma ação coordenada em que o Executivo Federal ofereça as condições e aponte o caminho, o Legislativo construa as pontes legais e o Judiciário torne a estrada segura. Inclusive para exigir o cumprimento das contrapartidas que sempre são prometidas e nunca são entregues pelos poderes estaduais. Ou seja, o problema só se resolverá se a harmonia entre os poderes for restabelecida e cada um fizer sua parte.

Você viu?

Pelo clima atual, essa parece ser uma hipótese distante — como mostra a queda de braços que vem sendo travada entre o Judiciário e o Executivo e que tem como pano de fundo a defesa da democracia. Se o governo tivesse agido no primeiro momento e desautorizado em alto e bom tom que os militantes falassem em seu nome e se escondessem atrás do direito de manifestação para ameaçar os outros poderes e seus integrantes, talvez a temperatura não tivesse alcançado o nível preocupante que alcançou. O que se viu, no entanto, foi que o apoio do governo pareceu estimular a má índole desses manifestantes e gerou protestos cada vez menos republicanos e mais desequilibrados. Até que, no final de semana passada, se assistiu em Brasília a cena estúpida dos fogos de artifícios atirados contra o prédio do STF.

Não adianta tentar reduzir a gravidade do gesto com o argumento singelo de que nenhum rojão atingiu o alvo. A simbologia fala por si. Diante do clima acirrado, não restou ao Judiciário outra saída que não a de mostrar sua força e dar um basta à situação. Se nada fosse feito, os militantes talvez se sentissem estimulados a cumprir as ameaças de agressão que fizeram.

RASTILHO DE PÓLVORA — Já passou da hora dos manifestantes de um lado e de outro compreenderem que, para o bem das causas que defendem, precisam acalmar os ânimos e exercer seus direitos sem ultrapassar os limites da lei. Do contrário, o Brasil poderá se tornar um ambiente tão propenso à explosão, onde qualquer fagulha pode resultar numa explosão desproporcional à fogueira que a desencadeou. 
Isso, infelizmente, é comum na história. Em junho de 1914, um jovem militante separatista matou a tiros o arquiduque Francisco Ferdinando e sua mulher, Sofia, na cidade bósnia de Sarajevo. No ambiente acirrado da época, o crime, que poderia ter sido resolvido no âmbito regional, acendeu um rastilho de pólvora. Um mês depois do assassinato eclodiu a Primeira Guerra Mundial.

Aos olhos da história, a morte de Ferdinando é um acontecimento pequeno demais para ter gerado um conflito que se estendeu por quatro anos e custou a vida de 20 milhões de pessoas. A consequência teria sido outra se o ambiente já não estivesse tão propenso à explosão. O que se espera, no Brasil, é que os poderes se ajustem de forma mais harmônica — e tomara que a origem comum de seus chefes seja, pelo menos, um estímulo para a busca do entendimento.

(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)