Vende-se o almoço para pagar o jantar

O dinheiro que o Rio precisa não deve vir de medidas absurdas — como a venda, hoje, dos royalties de amanhã. Ele deve vir do Turismo e de outras vocações da cidade

Rio de Janeiro deve contar com a receita de suas vocações como o turismo
Foto: Divulgação
Rio de Janeiro deve contar com a receita de suas vocações como o turismo

Que a Prefeitura do Rio de Janeiro já estava em dificuldades financeiras e ficou numa situação ainda mais delicada depois que a pandemia reduziu a atividade econômica na cidade, não é segredo.


Que todo gestor público deve zelar pelo dinheiro do povo e não gastar mais do que tem nos cofres, também é um princípio aceito por todos. Outra ideia à qual nenhuma pessoa de bom senso pode se opor é a de que os administradores públicos têm o direito de buscar recursos em fontes alternativas quando se virem diante de situações de emergência como a atual.

Isso não significa, no entanto, que o cidadão deva aceitar calado qualquer tentativa de conseguir dinheiro que ponha em risco seu próprio futuro. Ninguém tem o direito de cobrir as despesas de sua gestão se apropriando de recursos que, caso venham a existir, serão necessários nos próximos anos. É isso que o prefeito Marcelo Crivella aparentemente faz agora, quando seu mandato entra na reta final.

Desespero

Na terça-feira passada, a Prefeitura do Rio publicou no Diário Oficial um despacho em que a secretária da Fazenda, Rosemary de Azevedo Carvalho, autorizou uma licitação para cessão definitiva de “parte do fluxo obtido pelos direitos econômicos obtidos” com os royalties e outros direitos sobre o petróleo.

Trocando em miúdos, a administração quer por no caixa, agora, um dinheiro que só viria no futuro — e, para isso acontecer, teria que abrir mão de parte substancial do que poderia receber mais adiante. É mais ou menos como se quisesse vender o banquete do almoço de amanhã para pagar o pão com mortadela do jantar de hoje.

Sem querer discutir a razão que leva a prefeitura a recorrer a uma medida desesperada como essa, a conclusão é a de que não há no caixa dinheiro suficiente para pagar as contas deste ano.

Desconsiderando as necessidades que surgiram com o enfrentamento da pandemia e sem querer discutir as escolhas equivocadas feitas por Crivella ao longo de sua gestão, o certo é que a prefeitura precisa de recursos. Para ontem.

Embora isso não sirva de consolo, é certo dizer que, nesse caso, o Rio não está sozinho. A grande maioria dos municípios brasileiros está na penúria e necessita encontrar meios de estimular sua economia para aumentar a arrecadação — sob pena de ser engolfado por um colapso do qual levará décadas para sair.

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Tratamento prioritário

Das grandes capitais do país, o Rio é, talvez, a que reúne as condições mais favoráveis para elevar sua arrecadação de forma acelerada sem precisar aumentar impostos nem recorrer a medidas extremas.

Para isso acontecer, basta tratar com mais carinho uma de suas principais vocações econômicas — o Turismo . Infelizmente, ainda há no Rio pessoas que agem como se estivessem fazendo um favor ao permitir que o turista desfrute das praias e das atrações da cidade.

É hora de inverter esse jogo e dar não só ao turista mas também ao próprio carioca que visita os monumentos a sensação de que ele é bem vindo e também, uma peça fundamental para o funcionamento da Economia.

Na proposta de orçamento da União para 2021, o Turismo (que agora engloba também a antiga pasta da Cultura) foi a que teve o maior aumento na previsão de gastos. Saltou de modestíssimos R$ 273 milhões para ainda modestos R$ 1,150 bilhão.

Isso ainda é pouco. Mesmo perdendo dinheiro, a pasta do Meio Ambiente , por exemplo, tem uma previsão de gastos duas vezes maior. Numa visão otimista (e sem querer comparar a importância de cada um desses ministérios), a maior generosidade com o Turismo pode ser vista como um sinal de reconhecimento da importância dessa atividade que tem tudo para beneficiar o Rio.

Ninguém está defendendo, aqui, que a parte que couber ao Rio desse dinheiro seja utilizada apenas para manter a situação como era antes da pandemia. É preciso investir em áreas novas, como o desenvolvimento de novas políticas de recepção ao turista.

Como foi dito neste espaço no dia 7 de junho , é preciso mais do que reabrir. É preciso reinaugurar as atividades e fazer com que a economia da cidade passe a se orientar por uma nova visão.

É preciso oferecer ao turista e ao próprio carioca que passeia pela cidade mais do que segurança, um transporte digno e informações confiáveis. É preciso dar a ele, também, a sensação de que não está sendo explorado por preços abusivos nem enganado por brilharecos que não valem o que se cobra por eles.

É preciso que as pessoas que vierem visitar nossa cidade depois que a ameaça da Covid-19 for afastada percebam o quanto são importantes e o quanto fizeram falta neste momento em que a pandemia as manteve afastadas de nós.

Quanto mais depressa isso acontecer, mais rapidamente a arrecadação aumentará e mais cedo os prefeitos se livrarão da necessidade de apelar para medidas desesperadas para fechar suas contas.


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