Operações destinadas a apurar desvios de dinheiro público tornaram-se tão rotineiras no Rio de Janeiro que ninguém mais se espanta com elas. Na quarta-feira passada, por exemplo, a Justiça expediu, a pedido do Tribunal de Contas do Estado ( TCE
), 14 mandados de busca e apreensão contra diretores da estatal Cedae e de uma prestadora de serviços. Eles são acusados de desviar para o próprio bolso dinheiro que deveria ser aplicado na manutenção das redes de água e de esgoto. Entre 2017 e 2018, R$ 63 milhões que teriam que ser destinados à melhoria dos serviços de saneamento no Rio de Janeiro foram sorvidos pela corrupção apenas por esse escoadouro.
O problema poderia ter sido evitado. Para quem não se recorda, o ex-governador Luiz Fernando Pezão, em 2017, se comprometeu a privatizar a Cedae como contrapartida à ajuda que receberia de Brasília para colocar em dia os salários dos servidores e outras obrigações. A Alerj barrou a operação e a Cedae, além de permanecer ineficiente nas mãos do estado, continuou sendo palco de casos de corrupção.
O SANITÁRIO DE BILL GATES —
Um cálculo feito pela OMS poucos anos atrás mostra que cada dólar investido em saneamento básico significa a economia de pelo menos US$ 5 no sistema de Saúde pública. Isso porque os recursos investidos em sistemas de água e esgotos contribuem para a prevenção de doenças como a hepatite, a diarreia, a febre tifoide, o cólera e outras 20 enfermidades que encontram na falta de saneamento as condições ideais para sua proliferação.
O problema é mundial e tem preocupado muita gente. O bilionário norte-americano Bill Gates, por exemplo, já investiu mais de US$ 200 milhões no desenvolvimento de um vaso sanitário capaz de funcionar como uma miniestação doméstica de tratamento de esgoto. Ele separa os resíduos sólidos da parte líquida. Depois, filtra e trata a água utilizada na higiene pessoal com um grau de segurança que a torna própria para o consumo humano. Cada sistema como esse sai, hoje, por cerca de US$ 500 e o preço tende a cair.
Uma conta rápida, feita com base na cotação do dólar na última quinta-feira (que era de R$ 5,34), mostra que, com os R$ 63 milhões desviados no esquema investigado pela operação Águas Claras, seria possível instalar mais de 23 mil desses sistemas sanitários. Isso significaria, por exemplo, um passo importante para a solução do problema de saneamento na comunidade da Rocinha — onde uma população de mais de 120 mil pessoas mora em pouco mais de 25 mil residências. Trata-se, é evidente, de números aproximados, expostos aqui apenas com a intenção de mostrar o tamanho do estrago causado pela corrupção.
ESTAÇÃO INOPERANTE —
A impressão que se tem, no entanto, é a de que, ao invés de procurar saídas modernas e baratas, o Brasil prefere dificultar a solução. Um exemplo disso está no município de São João de Meriti. Anos atrás, a Cedae construiu na Baixada Fluminense uma estação para tratamento que não beneficiou o município por uma razão simples: não foram construídos os dutos que levariam o esgoto até lá.
Em meados da década passada, a prefeitura resolveu exercer a autoridade concedida pela Constituição e licitar os serviços de saneamento no município. O contrato permitia que o vencedor utilizasse a estação, sem custos, enquanto construía as ligações. A Cedae acompanhou todo o certame. Depois que o consórcio vencedor, chamado Águas de Meriti, começou a funcionar, a estatal quis mudar as regras do jogo e passou a exigir o pagamento pelo uso de seu equipamento. Isso alterava a lógica financeira do contrato e o consórcio paralisou os serviços. Enquanto aguarda uma solução para o problema, que se encontra na área administrativa e depende apenas da vontade da Cedae, São João de Meriti, que deveria ter chegado em 2020 com 90% de seu esgoto coletado e tratado, continua com um dos piores índices de saneamento do Brasil.
Se a Cedae não pode ser parte da solução, que pelo menos deixe de ser parte do problema. A privatização é a saída para a questão do saneamento no país e quanto mais depressa isso acontecer, melhor. Não interessa dizer, agora, que mais de 200 cidades importantes do mundo que, no passado, privatizaram seus sistemas de água e esgoto, estão voltando atrás e reestatizando o serviço. O problema, no Brasil, é de outra natureza: se o Estado não tem recursos para investir em saneamento, deve passar a responsabilidade para quem pode executar o serviço de forma mais eficiente. Ou, então, aceitar que pessoas continuem morrendo por doenças do Século 19 e que novas operações Águas Claras venham a mostrar que o dinheiro do povo continua escorrendo pelo ladrão.
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