Nuno Vasconcellos
Daniel Castelo Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcellos

Será decepcionante, para dizer o mínimo, se daqui a quatro ou cinco anos o Rio de Janeiro voltar a enfrentar uma situação de emergência grave como a atual e só então nos darmos conta de que os equipamentos adquiridos para tratamento da covid-19 desapareceram. Ou, então, que apodreceram sem manutenção em algum depósito empoeirado e terão que ser substituídos por outros, novos em folha. Essa seria, por assim dizer, a prova definitiva do descaso de um estado e de um município que erraram do começo ao fim na administração de uma crise que tornou ainda pior a situação de uma população que já não vinha sendo tratada com dignidade por parte do poder público.

Por mais trágica que seja, porém, essa é uma hipótese que não deve ser descartada — e se a população não ficar de olho, provavelmente acontecerá. O desperdício do dinheiro público tem sido, infelizmente, um problema recorrente no país e que, no Rio, tornou-se quase uma rotina. Basta citar, por exemplo, o destino das instalações do Parque Olímpico, na Barra da Tijuca. Construídas para os jogos que a cidade sediou há apenas quatro anos, ao custo final de R$ 2,3 bilhões, as estruturas se deterioram sem que ninguém faça nada para impedir e sem gerar qualquer benefício para a população. No caso dos gastos com o tratamento da covid-19, há o risco de ver tudo o que foi feito até agora desaparecer sem deixar nada de útil para a população nos próximos anos.

CONFISSÃO DE INCOMPETÊNCIA — Na terça-feira passada, o secretário estadual de Saúde, Alex Bousquet, anunciou que o estado dará início ao desmonte dos cinco hospitais de campanha prometidos pelo governo para o tratamento dos infectados pelo coronavírus — inclusive dos três que nunca chegaram a ficar prontos. De acordo com o plano, o governo dará início nos próximos dias ao desmonte das estruturas contratadas em caráter emergencial pelo valor de R$ 770 milhões. O que aconteceu com elas, todo mundo sabe: nada saiu conforme o planejado e o que deveria ter sido uma solução de emergência acabou se somando à extensa lista de problemas que afetam a população.

Seja por falta de pessoal, seja por falta de material, mesmo os hospitais que ficaram prontos nunca funcionaram direito e o povo, mais uma vez, viu seu dinheiro escorrer pelo ladrão sem deixar rastros positivos. De acordo com a Secretaria de Saúde, apenas um terço do valor previsto — ou seja, cerca de R$ 256 milhões — foi entregue ao Iabas, a organização social escolhida para fazer o serviço. Nunca é demais lembrar que o Iabas já se envolveu em tantos processos que a simples menção a seu nome já é suficiente para levantar suspeitas de irregularidades. De qualquer forma, o governo diz que deixou de gastar meio bilhão de reais do dinheiro previsto para os hospitais. Sem entrar no mérito dessa discussão, vale registrar que esse argumento soa como uma confissão de incompetência. Não do secretário, que está no posto há pouco mais de um mês, mas de todo o governo.

DINHEIRO NÃO É TUDO — Os valores envolvidos nessa história são apenas uma parte do problema. A outra parte é a incapacidade crônica do poder público de cumprir aquilo que promete. Seria muito melhor, neste momento, ouvir das autoridades que todos os recursos foram utilizados exatamente como previsto e que renderam o efeito que deles se esperava. Não foi, como se sabe, o que aconteceu.

Não custa lembrar o que foi escrito neste espaço no último dia 29 de março: “Será importante que, passada a fase mais aguda do problema e depois que os hospitais de campanha previstos no plano de emergência forem desmontados, parte dos investimentos feitos agora, seja em equipamentos, seja em profissionais, continue à disposição da população”. Resta, então, esperar que o governo, conforme assegurou o secretário, pelo menos consiga utilizar os respiradores e outros equipamentos adquiridos durante a pandemia para melhorar a qualidade dos hospitais públicos do Rio.

Isso é o mínimo que a população deve esperar (e cobrar) de suas autoridades. Ou, então, que a estrutura provisória dos hospitais de campanha seja transferida para perto das comunidades e se tornem equipamentos permanentes de atendimento à população mais vulnerável do Rio. Será muito frustrante, depois que tudo passar, perceber que nem mesmo isso restou depois do esforço feito para combater uma ameaça tão grave.

 (Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls) 

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!