O Dia Mundial do Orgulho Autista foi comemorado ontem, celebrando a luta da comunidade. Para o administrador Diego Zainho, a realidade do Transtorno do Espectro Autista (TEA) surgiu após a descoberta da condição em sua filha. Tendo passado pelas dificuldades comuns às famílias para conseguir tratamento adequado, fundou sua clínica, a Neurodiversos, voltada para pessoas do espectro.
Em entrevista a O DIA, o carioca desabafa sobre os desafios vividos pela comunidade autista. "Assim como aprendemos sobre diversidade racial e de gênero, ainda se fala pouco da neurodiversidade. [...] Cabe aos pais e aos autistas adultos fomentar a discussão sobre o tema".
O DIA: Como é a rotina de uma família com crianças neurodivergentes?
Diego: Nosso dia a dia mudou muito desde que descobrimos o autismo em nossa filha. É preciso investir em muitas terapias para o desenvolvimento da criança. Começamos com fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e psicologia. Com o tempo, a neurologista solicitou que ampliássemos o tratamento com o método Denver, que requer várias sessões extensas ao longo da semana. Temos ainda atividades típicas, como esportes, que ocupam boa parte do nosso dia. Em média, a agenda da família fica comprometida de 8 a 9 horas por dia, incluindo o tempo na escola.
Que dificuldades as famílias costumam enfrentar?
A primeira vem do preconceito interno: inicialmente fui resistente, associava o autismo a um quadro clássico, esquecendo que cada um pode manifestar a condição de forma única. O segundo desafio foi convencer a família, inclusive houve questionamentos se não estávamos procurando pelo em ovo. Mesmo com o respaldo médico, precisamos lidar com as dúvidas constantes e a necessidade de comprovação, sobretudo para termos direitos a atendimento especial, por exemplo. Algumas mudanças têm facilitado esse processo, como a criação do registro geral e do cordão girassol, pois assim não precisamos sempre andar com o laudo.
Como a neurodiversidade é vista na sociedade?
Muitos dizem que o autismo virou "moda", mas os sinais eram apenas ignorados ou vistos de forma pejorativa. Há ainda um déficit de literaturas especializadas no assunto, fora os conteúdos já ultrapassados. Isso tudo resulta em estereótipos, como vivenciamos na primeira clínica em que levamos nossa filha, onde fomos apresentados à teoria da mãe geladeira, que culpabiliza os pais pelo autismo. Assim como aprendemos sobre diversidade racial e de gênero, ainda se fala pouco da neurodiversidade. Vale dizer que há muito tempo já se estabeleceu que o TEA tem causas genéticas. Cabe aos pais e aos autistas adultos fomentar a discussão sobre o tema.
Que dicas o senhor daria para famílias que estão começando sua jornada com o autismo?
É importante não se desesperar, não é o fim do mundo. Você não está enterrando seu filho, mas começando outra vida. A busca por acompanhamento médico é fundamental nesse processo, pois os primeiros anos são cruciais para suprir certas deficiências neurológicas da criança. Nossa filha, por exemplo, demorou para começar a falar, mas com tratamento adequado, ela desenvolveu essa habilidade. Se ela tivesse sido mantida em casa, talvez não tivesse feito esse progresso. Poderíamos ter perdido momentos preciosos, não apenas em termos de convivência, mas também de desenvolvimento.
A quais sinais os pais devem ficar atentos?
É importante reforçar que o TEA é amplo e nem todos os casos são iguais, mas há indicadores que podem ser observados. Alguns deles incluem a falta de resposta quando chamados, andar na ponta dos pés e o atraso na fala, especialmente nos níveis 2 e 3 do espectro — nesse caso, um fonoaudiólogo pode desempenhar um papel crucial na descoberta da condição. A falta de interação social também pode ser um indicativo, assim como movimentos repetitivos e a busca por perspectivas diferentes. Outra característica é o curto tempo de concentração. Nossa filha teve bastante dificuldade nesse quesito, e foi prescrito tratamento com canabidiol, o que ajudou muito — antes do medicamento, ela inclusive quase não falava. Muitas vezes os sinais acabam passando despercebidos devido à falta de conhecimento ou pela dificuldade da identificação quando não se conhece alguém que passa pelo problema.
*Colaborou Gustavo Braz, sob supervisão de Aline Macedo