Nuno Vasconcellos
Daniel Castelo Branco/O Dia
Nuno Vasconcellos

O leitor de O DIA sabe que Marcelo Crivella jamais foi poupado de críticas por esta coluna. Com base nos fatos e tendo sempre como norte os interesses dos cidadãos do Rio de Janeiro, ela jamais ignorou os equívocos administrativos e políticos que marcaram o mandato do prefeito — e nunca escondeu a opinião de que Crivella não parecia estar à altura da cidade que o elegeu. O hábito de não governar para todos, mas apenas para seus eleitores mais fiéis, foi desaprovado, sempre com a certeza de que a página da passagem de Crivella pela prefeitura estaria virada na próxima sexta-feira, dia 1º de janeiro. 

A visão crítica da coluna em relação ao prefeito não é trazida de volta, agora, com a intenção de alimentar, ainda mais, as chamas da fogueira de acusações feitas a Crivella nos últimos dias. A operação do Ministério Público e da Polícia Civil que, na terça-feira passada, o afastou do cargo e o colocou em prisão domiciliar, já foi suficiente para transformá-lo em algo parecido com a personagem Geni, da música de Chico Buarque: dele, todos querem distância.A intenção ao recordar agora as críticas feitas ao prefeito ao longo de 2020 é apenas deixar claro que a coluna não se move por qualquer tipo de afinidade política ao questionar a forma com que ele tem sido tratado nos últimos dias. O que se discute aqui não é a legalidade, mas a necessidade das medidas adotadas contra Crivella e as outras pessoas acusadas nessa operação. 

CONSTRANGIMENTO 

Não há, aqui, qualquer tentativa de ignorar o peso das denúncias. O que está em debate é a forma com que foi conduzida a operação que teve como “alvo” o cidadão Marcelo Bezerra Crivella. Por maior que fosse a sujeira que se buscava limpar, a impressão que ficou foi a de que se levantou muito mais espuma do que era necessário. Ou, em outras palavras, ficou a sensação de que a apuração dos fatos e a busca da verdade em relação às acusações (graves, por sinal) feitas contra ele e seu grupo eram motivações secundárias.

O que importava, no final das contas, era expor publicamente a autoridade alcançada pela mão da Justiça.Tal impressão foi reforçada, inclusive, pela recusa do Tribunal de Justiça do Rio, em dar cumprimento imediato à decisão do ministro Humberto Martins. Presidente do STJ, Martins precisou se manifestar duas vezes para ver acatada sua ordem de transformar a prisão preventiva do prefeito em prisão domiciliar. Da forma como o caso foi conduzido, ficou a impressão de que o objetivo da ação era constranger o ainda prefeito e fazer com que ele começasse a pagar antecipadamente por crimes pelos quais sequer havia sido denunciado.

INSTITUIÇÃO DE ESTADO

Fatos como esse, infelizmente, parecem não causar indignação em ninguém. No Brasil, passou a ser considerado normal ver integrantes do MP (instituição primordial em qualquer democracia) agir com a autonomia dos inquisidores da Idade Média. Isso vale tanto para procuradores estaduais quanto para federais. Da forma como agem, alguns integrantes do MP, na prática, acabam se atribuindo o poder de denunciar, julgar e condenar antes que o chamado “alvo” saiba do que se defender. 

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No caso específico dessa operação, os procuradores justificaram a ação espetaculosa que levaram a cabo nove dias antes o fim do mandato com o argumento de que, se, deixassem para se mover depois do 1º de janeiro, Crivella perderia a prerrogativa que a lei reserva aos prefeitos das capitais. Como titular do cargo, ele só pode ser investigado pela Procuradoria Geral de Justiça e julgado pelo Tribunal de Justiça. Fora dele, o caso iria para a primeira instância.

Com todo respeito aos senhores procuradores, esse é o tipo da explicação que, ao invés de esclarecer, aumenta as dúvidas sobre suas intenções. A ação, por esse ponto de vista, teria servido apenas para mostrar à sociedade os responsáveis pela investigação contra o prefeito. Levando-se em conta que o MP é uma instituição de Estado e que seus integrantes devem se guiar pelo princípio da impessoalidade, o que menos importa em casos como esses é saber quem conduziu a investigação. O que interessa é o resultado alcançado por ela. 

CHIP TROCADO

Os procuradores, bem como a Polícia Civil, dizem que não agiram antes porque não queriam prejudicar o processo eleitoral, encerrado no dia 29 de outubro com a derrota de Crivella para Eduardo Paes. A preocupação, por mais nobre que pareça, perde o sentido diante dos fatos: no dia 10 de setembro — em plena campanha, portanto — foi feita uma operação de busca e apreensão na casa e no gabinete do prefeito. Foi nessa ocasião, por sinal, que Crivella teria trocado o chip do telefone celular antes de entrega-lo a um oficial de Justiça.

Na opinião do MP, essa troca teria “o inequívoco intuito de obstruir e, mais uma vez, dificultar ao bom andamento das investigações”.Como signatário de dois acordos internacionais importantes, o Brasil reconhece como lei um princípio criado justamente para impedir que o Estado abuse de seu poder diante do cidadão. Previsto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, tal princípio diz basicamente que, em nenhum inquérito ou processo, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Crivella não seria, portando, obrigado a facilitar as investigações. E não poderia ser punido por isso. 

São questões singelas, levantadas por um leigo. Sem pretensão de avançar nos detalhes de uma investigação que corre sob sigilo, elas lançam dúvidas sobre a necessidade de tanta exposição pública a pretexto da busca a Justiça. A ação do MP e da polícia, além de permitir dúvidas quanto a intenção que os moveram, levanta o debate sobre a eficácia desse tipo de postura em operação. Será que, ao agir como agiram, essas instituições não estariam dando aos acusados argumentos processuais capazes de colocar todo o caso em dúvida? Os desdobramentos se encarregarão de responder a essa pergunta.

(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)

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