
Em um momento em que marcas disputam atenção como quem disputa centímetros no feed, O Boticário resolveu mirar em algo mais ambicioso: disputar afeto. E, diferente da comunicação que apenas "veste" o Natal para vender mais kits de presente, a marca parece ter entendido que disputar afeto é ocupar espaços — físicos, culturais e emocionais — nos quais as pessoas realmente existem.
A primeira Casa do Natal na Avenida Paulista, no Casarão Sadocco, é a materialização mais evidente dessa virada. Não é apenas uma ativação instagramável. É uma tentativa de reinstalar o Natal no imaginário urbano da capital paulista, de forma a devolver à avenida um gesto simbólico que ela não vive com tanto vigor há tempos: um ponto de encontro, gratuito, feito para sentir.
Ao transformar um casarão histórico em território afetivo, O Boticário sinaliza que o varejo pode ser mais do que transação. Pode ser reconexão. A experiência gratuita, os brindes, as cabines de fotos, a personalização — tudo isso funciona como cenografia, claro, mas é também a construção de um clima, de uma lembrança possível.
Curta-metragem
Mas a estratégia não termina no físico. Ela se expande para o local no qual hoje se travam as batalhas mais sensíveis das marcas — o campo das narrativas.
O curta sobre bullying familiar , baseado em pesquisa inédita realizada em parceria com a consultoria On The Go, é um desses movimentos que mostram coragem rara no mercado. Enquanto muitas empresas escolhem o caminho do conforto, O Boticário decide cutucar tensões familiares; decide dizer que os encontros de fim de ano são afetivos, sim, mas também difíceis e muitas vezes atravessados por críticas, comparações, cobranças.
Trazer isso para a conversa, especialmente em uma data tão sensível, força a marca a dar um passo além do storytelling emotivo tradicional. Aqui, ela assume o risco de abrir feridas para falar de cura e isso não é trivial.
Esse movimento se completa com a ocupação de plataformas de alto alcance, do Globoplay à mensagem de fim de ano da TV Globo . Tudo calculado, claro. Mas é justamente a soma — o filme emocional, a casa física, as ativações regionais, o trem iluminado, o túnel aromatizado, a parceria com a Uber, e a ação de seis mil presentes distribuídos em esteiras nos aeroportos de Guarulhos e Curitiba, no Brasil, e em Medellín, na Colômbia — que mostra a maturidade do plano.

O gesto no aeroporto, intitulado “Presenteie com Amor” é, talvez, o melhor exemplo do momento que O Boticário vive: transformar situações banais, como esperar a mala, em um micro acontecimento de conexão. A surpresa vira história, a história vira post, o post vira repercussão. PR puro, com alma de campanha, musculatura de varejo e ambição cultural.
O que está em jogo aqui não é apenas vender no período mais quente do ano. É algo mais profundo: construir presença emocional num país que, cada vez mais, pede das marcas não só produtos, mas posicionamento, gesto e memória. O Boticário entendeu que Natal não é só sobre dar presente. É sobre ser lembrado.
Se a magia do Natal existe, talvez seja isso: quando a estratégia vira emoção sem parecer estratégia. O Boticário, neste ano, chegou perigosamente perto desse ponto raro.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG