Quem tem um pingo de memória há de se lembrar que, dias atrás, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia , com aquele ar sonolento com que normalmente responde às perguntas dos jornalistas, afirmou que nenhum governador em sã consciência pensaria em conceder aumentos ao funcionalismo num momento difícil como o atual. Tudo bem: cada um tem a sua opinião e Maia exerceu um direito assegurado pela democracia ao emitir a sua. Acontece que os fatos insistem em contrariar as previsões de quem fala o que deseja sem levar as próprias palavras a sério, como parece ter sido o caso de Sua Excelência nessa declaração infeliz.

Rodrigo Maia, de máscara: reajuste generoso para os policiais do DF depois de dizer que ninguém teria aumento
Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Rodrigo Maia, de máscara: reajuste generoso para os policiais do DF depois de dizer que ninguém teria aumento

Na quarta-feira passada, dia 13, depois de uma pressão ostensiva do governador Ibaneis Rocha sobre os deputados, a instituição presidida por Maia aprovou aumentos generosos para os policiais do Distrito Federal . E o placar da votação não deixou dúvidas quanto à falta de compromisso dos senhores parlamentares com o pouco que ainda resta de saudável nas contas públicas brasileiras: o resultado foi de vergonhosos 430 votos a favor de mais esse descaso com o contribuinte contra meros 43 que se negaram a endossar a farra. Houve três abstenções.

UMA ENTRE TRÊS HIPÓTESES

Nem é o caso de perder tempo aqui fazendo contas que mostrem quanto isso vai custar para um contribuinte que já trabalhava nos limites de suas possibilidades antes da crise. O episódio é grave por si mesmo e, se o analisarmos à luz da seriedade que Maia atribuiu aos governadores pouco mais de uma semana atrás, somos obrigados a escolher uma entre alternativas:

a)     O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, não está de posse de seu juízo perfeito;

b)    Os deputados presididos por Maia não dão a mínima para o destino do dinheiro que estão arrancando do governo federal a pretexto de reduzir o impacto da pandemia do coronavírus em suas bases eleitorais;

c)     Ao elogiar a seriedade dos governadores, Rodrigo Maia disse palavras nas quais ele mesmo não acreditava para fugir de um debate que a cada dia se torna mais desnecessário: os políticos brasileiros, como regra, não estão nem aí para as consequências fiscais das decisões que tomam. O que eles querem mesmo é tirar vantagens da situação.

COM O CHAPÉU ALHEIO

Por uma dessas aberrações fiscais típicas do Brasil, a área de segurança em Brasília não é paga com recursos do orçamento distrital, como seria razoável em qualquer país que adotasse um mínimo de seriedade fiscal. O dinheiro para os soldos e os salários da área de segurança sai do Tesouro Nacional direto  para as contas dos profissionais que prestam o serviço. Ou seja: Ibaneis quer se valer do chapéu alheio para se esconder do so. Nenhum tostão do aumento prometido por ele será pago pelo contribuinte do Distrito Federal. Sendo assim, prometer ou não aumento para os policiais de Brasília não é assunto da competência do governador. Mesmo assim, ele fez o que pode para desferir mais esse chute populista contra as redes do time dos contribuintes.

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O caso ainda seguirá para o Senado mas, a julgar pela falta de apreço que os parlamentares da Casa demonstraram ter pelo cidadão que paga impostos nas últimas vezes que foram chamados a decidir sobre questões fiscais, é de se supor que o projeto seguirá como está para a sanção do presidente da República. Isso, é claro, se não sair de lá ainda mais escandaloso do que entrou.

Se o aumento prometido para a área de segurança do Distrito Federal for honrado, logo as polícias do Amapá e de Roraima , que têm desfrutam das mesmas regalias da corporação brasiliense, logo reivindicarão o mesmo aumento. E assim começará a se formar aquela bola de neve que todos conhecem quando se trata de transformar o dinheiro dos impostos que o contribuinte paga com dificuldade em vantagens para as categorias mais privilegiadas do serviço público.

DÍVIDA DESCONTROLADA

Parece que os políticos são incapazes de perceber o abismo para o qual estão empurrando o país ao insistirem nessa mania de espalhar benefícios populistas sem saber de onde sairá o dinheiro para honrar os compromissos. O Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida , já admite que, ao final desse processo, o déficit público primário que, de acordo com o orçamento da União de 2020 deveria ficar em R$ 124 bilhões, chegará a pelo menos R$ 500 bilhões. Uma instituição respeitada do mercado, a agência de classificação de risco ARC Ratings, do economista Paulo Rabello de Castro , estima que a conta pode chegar a R$ 600 bilhões.

Se isso acontecer, é provável que, no final deste ano, a dívida pública nacional supere 90% do PIB, com o risco de ultrapassar a barreira dos 100%. Nesse caso, o país ficará isolado no mundo e caos se tornará ainda maior do que já é. Para qualquer erário que tenha as mesmas dificuldades de arrecadação que o do Brasil terá nos próximos anos, uma dívida pública dessa proporção tornará obrigatória a adoção de medidas de austeridade que gerarão pobreza e farão a era de trevas causada pela incompetência populista da ex-presidente Dilma Rousseff passe a ser vista como um período de riqueza e de fartura.

FARINHA POUCA

Os políticos brasileiros deveriam estar atentos para esse risco neste momento em que ainda há um mínimo de possibilidade de se fazer política fiscal no país. Mas é pouco provável que isso aconteça. Eles parecem ter desenvolvido uma paralisia conveniente, que os impede de por em prática a solução da racionalidade de gastos ao invés de sempre defender a gastança desenfreada e sem limites.

Nos últimos dias, começaram a surgir em diversos pontos do país denúncias sobre funcionários públicos que, se valendo da necessidade real de se combater uma pandemia gravíssima, parecem ter desviado para os próprios bolsos recursos que deveriam ser destinados à compra de respiradores artificiais e outros equipamentos pessoais de segurança imprescindíveis no Sistema Público de Saúde. São casos graves, que devem ser resolvidos pela polícia e pela Justiça. Muito mais sério e preocupante, porém, são os desvios bilionários, acobertados pelo argumento de que a generosidade dos parlamentares se destina apenas a evitar que a pandemia cause ainda mais estragos do que já está causando.

Em meio à penúria geral que se anuncia para os próximos anos, eles parecem muito mais preocupados com os próprios interesses do que com os da a população. Numa hora em que o país inteiro se vê forçado a sacrifícios que não estavam nos planos de nenhum empresário ou trabalhador, surge essa gente interessada em praticar a estratégia da “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Ainda é tempo de mudar. Tomara que eles percebam isso.

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