Para usar uma metáfora esportiva tão ao gosto do presidente Jair Bolsonaro , pode-se dizer que ele sempre tenta aplicar no mundo da política o drible da vaca, imortalizado pelo genial Mané Garrincha nos campos de futebol. Quando todos esperam que parta para cima do adversário, ele faz um movimento inesperado de corpo, manda a bola para um lado, sai pelo outro. Se for necessário, ele recua a bola para, em seguida, partir novamente para o ataque. Sempre para o ataque. Calma! Ninguém pretende, aqui, comparar o talento bailarino de Garrincha com o jeitão botineiro e trombador com que o presidente conduz os temas de seu interesse. Trata-se apenas de uma metáfora.   

Bolsonaro com camisa de clube de futebol: o presidente insiste em fazer movimentos inesperados
Isac Nóbrega/PR
Bolsonaro com camisa de clube de futebol: o presidente insiste em fazer movimentos inesperados

Numa de suas tentativas mais recentes de fazer um movimento surpreendente, Bolsonaro fez, no dia 20 de abril, uma defesa eloquente do Supremo Tribunal Federal ( STF ), do Congresso Nacional e da Constituição . Isso aconteceu um dia depois dele se juntar a apoiadores que, diante do Quartel do Comando do Exército, em Brasília pediram a volta do AI-5 e intervenção militar no Judiciário e no Legislativo. Com a mesma facilidade com que põe panos quentes nas crises que ele mesmo criou, Bolsonaro é capaz de reavivar disputas que pareciam agonizantes e trazê-las de volta para a cena com força total. É o que está acontecendo agora, em torno da tentativa fracassada de fazer do delegado Alexandre Ramagem o Diretor-Geral da Polícia Federal.

INTERESSES DA FAMÍLIA

O assunto já foi pisado e repisado pela imprensa nos últimos dias, mas nunca é demais recordar os fatos e chamar atenção para alguns detalhes. Qualquer pessoa que acompanhe a política já percebeu que, na montagem do time do governo de Bolsonaro, fidelidade vale mais do que competência. Ou, para voltar ao futebol, a obediência do esquema tático tem mais valor do que o talento individual. O presidente age mais ou menos como a dupla Carlos Alberto Parreira e Zagalo agiu nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1994. Por preferência pessoal, a dupla insistiu até o último momento em manter o perna-de-pau Evair no comando do ataque até que, diante do risco de ficarem fora do Mundial, deram o braço a torcer e convocaram o craque Romário — que, na época, começava a se firmar como ídolo do Barcelona — para a última partida, contra a seleção do Uruguai.

Bolsonaro faz exatamente isso: espera a situação ficar complicada para, só então, baixar a bola e buscar a solução salvadora que estava a seu alcance o tempo todo. O caso da nomeação do Diretor-Geral da PF tem ingredientes da mesma cabeça dura que sempre marcou a trajetória de Parreira — um treinador que, mesmo vencendo, recebia críticas duras (e merecidas) no lugar de aplausos.

A preferência de Bolsonaro e de seus filhos pelo nome de Ramagem para o posto já era conhecida antes mesmo de se consumar a exoneração do antigo Diretor, delegado Maurício Valeixo — no episódio que resultou no pedido de demissão do ministro da Justiça, Sérgio Moro . E a escolha já atraia críticas dos adversários antes mesmo de se tornar uma realidade. Pelo que se dizia, Ramagem — que ocupou postos importantes na PF antes de se aproximar de Bolsonaro — seria deslocado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para a PF com a finalidade exclusiva de abastecer o Planalto com informações sobre inquéritos sensíveis ao presidente e de conduzi-los de acordo com os interesses da família Bolsonaro.

DESVIO DE FINALIDADE

Quando a nomeação saiu, o ministro Alexandre de Mores , do STF, entendeu que havia motivos para suspendê-la até que se esclarecessem as circunstâncias denunciadas pelo ex-ministro da Justiça. Conforme disse Moro, Bolsonaro o havia pressionado para obter informações sobre os inquéritos. Moraes mencionou na liminar que barrou a transferência do delegado para a PF a decisão de seu colega Celso de Mello, que havia acatado um pedido apresentado pelo PDT, e mandou abrir um inquérito por “desvio de conduta por desvio de finalidade”.

Não é o caso de entrar, aqui, no mérito das decisões de Moraes e de Mello. A questão é o cerne da argumentação do PDT que, aqui entre nós, faz uma comparação que só tem sentido aos olhos de torcedores apaixonados. O partido, que tem o eterno candidato à presidência Ciro Gomes como um de seus principais cartolas, comparou a nomeação de Ramagem por Bolsonaro à tentativa da ex-presidente Dilma Rousseff, em março de 2016, de instalar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Chefia da Casa Civil. O caso, na época, foi objeto de uma ação junto ao STF. O ministro Gilmar Mendes decidiu que a nomeação era indevida e Lula ficou sem a vaga. As semelhanças terminam aí.

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FORO ESPECIAL

Na condição de ministro, Lula ganharia foro especial e o inquérito que ele respondia na 13ª Vara Criminal de Curitiba subiria imediatamente para o STF. Lula, na época, já era réu dos processos conduzido na primeira instância pelo então juiz Moro — que acabaria por condená-lo no ano seguinte. Ramagem, por seu turno, não é objeto de qualquer investigação aberta antes de sua nomeação. Seu cargo, ao contrário do que aconteceria com Lula, não lhe garantiria nenhum benefício jurídico instantâneo. Mas lhe daria, supostamente, poder de agir em benefício da família Bolsonaro. Isso só aconteceria se, e somente se, ele decidisse agir contra a lei. Dizer que um caso tem a ver com o outro é, apenas para usar uma comparação do mundo do futebol, querer comparar o talento de Pelé com o de Serginho Chulapa. A distância que os separa é quilométrica.

Para começar, a nomeação de Lula produziria os efeitos desejados sem que o ex-presidente ou sua “chefa” precisassem fazer nada além de mandar publicar o ato no Diário Oficial da União. Isso seria suficiente para que o ato cumprisse sua finalidade: sem precisar fazer um único movimento além de se assentar na cadeira de ministro Chefe da Casa Civil, Lula se veria livre do que ele e seus correligionários até hoje consideram uma “perseguição”.

Quanto a Ramagem, a história é outra. Para afirmar que sua nomeação geraria os benefícios a ela imputados seria necessário imputar a ele uma intenção que nunca foi manifestada. Ele teria que agir para comprovar a razão dos que o colocaram sob suspeita. Teria que tomar decisões, dar ordens a seus subordinados, assinar portarias e medidas normativas e adotar providências que, mais cedo ou mais tarde, se tornariam públicas.

FIM DE JOGO

É claro que essa avaliação se baseia apenas na observação superficial dos fatos e das biografias dos envolvidos. Os nervos no Brasil, no entanto, têm se mostrado tão à flor da pele que todos avaliam as decisões tomadas pela Justiça ao sabor de duas preferências políticas pessoais — e não de seus fundamentos técnicos. E a postura de Jair Bolsonaro, com certeza, não contribui para baixar a febre da torcida.

Depois de dizer que aceitava a decisão de Moraes e que não recorreria, o presidente voltou ao ataque para dizer que o país esteve à beira de uma crise institucional. Além disso, acusou Moraes de agir politicamente e de estar aonde está por ser amigo do ex-presidente Michel Temer , que o nomeou para o posto. Os juízes não gostaram e, de uma hora para outra, Moraes foi coberto por elogios até de colegas que, antes, seriam capazes de dizer o mesmo que  Bolsonaro.

Diante dessa reação, o presidente voltou a baixar a bola e reiterou seus elogios ao STF. A partida está apenas começando mas, se continuar nesse ritmo, pode se tornar ainda disputada — com botinadas e jogadas desleais — antes de chegar ao fim. E para isso acontecer, é preciso que todas as autoridades, de todos os poderes, façam exatamente o que todos cobram de Bolsonaro. É preciso baixar a bola e melhorar a qualidade do jogo — para que a torcida não tenha do que lamentar aos 45 do segundo tempo.

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