A saída de Sérgio Moro , depois de apenas um ano e três meses no Ministério da Justiça , confirma três características do atual governo, que começaram a se desenhar já na saída de Gustavo Bebbiano da Secretaria Geral da Presidência da República , em fevereiro de 2019. A primeira: o presidente Jair Bolsonaro só é leal a si mesmo e, com exceção de seus filhos, não reconhece o trabalho de quem o ajudou a chegar aonde está nem faz caso das circunstâncias políticas que cercaram sua eleição e sua posse. Muitos dos que o elegeram não fizeram isso por concordar com suas propostas, mas para evitar que o PT voltasse ao poder — mas Bolsonaro acha que não precisa compartilhar com ninguém o patrimônio eleitoral que o pôs no Planalto.

A segunda característica: de tanto se referir aos governos militares do passado, o presidente imagina que, como eles, pode fazer o que lhe dá na veneta sem se preocupar com as consequências políticas de seu gesto. É ele quem manda, falou está falado, não tem discussão! A terceira e última pode ser apenas a combinação das outras duas: o presidente não tem receio de se envolver em situações que criam dificuldades para seu próprio governo. Como Tarzan, o rei das selvas criado por Edgar Rice Burroughs, que se locomovia trocando um cipó pelo outro, Bolsonaro se agarrada a uma crise assim que larga a anterior e, assim, vai levando seu governo. Todas as que ele enfrentou até aqui não nasceram de ações de seus adversários, mas foram acionadas por ele mesmo.

VOLTA DO AI-5

Ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro
Agência Brasil
Ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro

O fato que gerou a saída de Moro, cuja relação com o presidente do governo já vinha desgastada, foi a demissão do Diretor da Polícia Federal , Maurício Valeixo — que, ao contrário do que foi publicado pelo Diário Federal não pediu para sair. Delegado de carreira, ele nunca contou com a simpatia do círculo mais próximo de Bolsonaro. Mas a temperatura se elevou a ponto de transformar a animosidade que havia entre eles numa guerra declarada.  

O estopim, tudo indica, foi aceso depois que a PF deu início a uma investigação sobre o papel de “parlamentares” na convocação das manifestações que, na semana passada, pediram o relaxamento das medidas de isolamento social baixadas por governadores que se opõem a Bolsonaro. Mas pediram, também e com a mesma eloquência, a volta do AI-5 — justamente o Ato Institucional que conferiu a três dos cinco presidentes do ciclo militar os superpoderes que Bolsonaro, por mais que diga o contrário, sempre dá a impressão de desejar.

PARA ONDE IR

Se os “parlamentares” em questão são os filhos do presidente, que ocupam cargos no legislativo, são outros quinhentos. Pode ser que sim e, se for mesmo, isso não deixaria ninguém espantado. Mas, mesmo que não tenha partido deles o apoio a essa brincadeira perigosa e de mau gosto de pedir a volta da ditadura, as acusações acertarão em cheio o presidente da República. Ainda é cedo para dizer o que acontecerá no governo daqui por diante. Mas o país, que já tem tantos problemas em seu caminho, poderia muito bem passar sem mais esse aborrecimento.

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O certo, porém, é que, a cada movimento que faz, Bolsonaro abdica de algo que é essencial para qualquer governo se manter firme: um discurso que indique a direção que pretende seguir e deixe claro o que pretende fazer para alcançar os objetivos. Governar não é passar sustos na população a todo instante. Também é certo que Moro fará falta. Até aqui, Bolsonaro e seus apoiadores tinham por hábito reagir às críticas que recebiam falando de sua firmeza no combate à corrupção. Real ou não, muito dessa imagem estava sustentada pela presença do ex-ministro da Justiça — o ex-juiz que mandou prender o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva — no lugar onde estava.

PODER DESIDRATADO

Moro deixa o governo num momento delicado, mas sempre terá a seu favor a justificativa de que era o presidente que não o queria mais ali. Sai num momento em que as brasas da crise anterior ainda estavam sob as cinzas da fogueira que incinerou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta . A chegada de Nelson Teich ao posto foi a consequência das divergências que supostamente tiveram início com a defesa, por Bolsonaro, do uso da cloroquina para o tratamento do Covid-19. E que se consolidaram com as posições opostas às de Manderra a respeito do isolamento social. Na prática, porém, tudo se resumiu um embate político de um ministro que queria se fortalecer com um presidente que pretendia impedir que isso acontecesse.

Mandetta saiu do ministério da Saúde muito maior do que entrou. Já Sérgio Moro, não. Ele chegou ao posto como um dos fiadores da credibilidade do governo. Era considerado por muita gente uma espécie de herói do combate à corrupção. Foi vendo seu prestígio e sua visibilidade pessoais se desidratarem enquanto esteve no ministério da Justiça, mas recuperou em dobro tudo o que perdeu ao exigir que Bolsonaro mostrasse as cartas na pressão pela troca do Diretor-Geral da Polícia Federal.

PODE FICAR PIOR

O país perde nem tanto pela saída de Moro em si. Nas circunstâncias atuais, seria pior que ele ficasse: por mais que ele significasse com um símbolo no combate à corrupção, ele seria reduzido a uma marionete se aceitasse permanecer no ministério sem qualquer autoridade sobre sua própria equipe. Mas o país perde, sobretudo, ela abertura de mais uma frente de instabilidade num momento em que os problemas trazidos pela pandemia do coronavírus já são suficientes para fazer qualquer governo trabalhar no limite de suas possibilidades.

E perde, finalmente, pela insistência de Bolsonaro em transformar divergências acessórias nos problemas centrais de seu governo. No meio de tudo isso, um país atônito está sem saber que caminho seguirá na saída da pandemia e tem um receio crescente de uma catástrofe monumental numa economia que já perdia sangue desde a passagem desastrosa de Dilma Rousseff pela presidência da República. O cenário é preocupante e, ao contrário do que dizia o filósofo Tiririca, pode ficar ainda pior.  

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