O presidente do Senado David Alcolumbre (DEM-AP), deu mais demonstração eloquente da distância que separa os políticos brasileiros da realidade que os trabalhadores e as empresas estão enfrentando em meio à crise gerada pela pandemia do coronavírus . Dando ouvidos a seu conterrâneo e amigo do peito, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ele retirou da pauta de votações a Medida Provisória que criava a Carteira Verde e Amarela . O objetivo da proposta era implantar um novo sistema de registro profissional e, com ele, aliviar um pouco, mas só um pouco, os encargos que sobrecarregam as folhas de pagamentos e inibem a geração de empregos formais no Brasil. Com a decisão, a MP será jogada no lixo sem produzir qualquer efeito positivo.
A Medida Provisória foi concebida antes do primeiro caso de infecção pelo coronavírus ser diagnosticado na China — e antes, portanto, da economia brasileira, que já não estava bem das pernas, ter entrado na situação desesperadora em que se encontra. Por meio dela, os encargos trabalhistas que transferem para os cofres públicos um valor equivalente a mais de 80% do salário pago ao empregado com carteira seriam reduzidos nos dois primeiros anos de contrato. Isso facilitaria o acesso dos jovens ao primeiro emprego e baixaria um pouco o custo da mão de obra para as empresas. Com isso, elas passariam a ter mais estímulos para gerar empregos fiscais. Parece fazer sentido, não?
PALAVRAS DURAS
Sim, para mim, faz todo sentido. Para você, talvez faça também. Mas para Rodrigues e Alcolumbre, parece não haver problema algum em exaurir as empresas, por maiores que sejam as dificuldades que enfrentam, com uma carga tributária cada vez mais insuportável. Os dois parecem não estar nem aí para as dificuldades que a economia atravessa. Não são um caso isolado. No Brasil, é expressivo o número de políticos que se habituaram a enxergar as empresas como as galinhas que botam os ovos de ouro que alimentam suas políticas populistas. A dupla é apenas parte desse time.
A explicação para a retirada da Carteira Verde e Amarela de tramitação é de envergonhar aos brasileiros que ainda esperam grandeza de seus representantes. A medida, conforme se comentou no Congresso , seria uma reação às críticas que o presidente da República Jair Bolsonaro , na véspera, fez ao presidente da Câmara Rodrigo Maia , correligionário de Alcolumbre. As palavras foram realmente duras. Segundo o presidente, Maia seria responsável por criar, no bojo das medidas de emergência para reduzir os impactos sociais da pandemia, despesas que os cofres públicos não têm condições de suportar.
CASCAS DE BANANA
Maia pode, como fez, dizer que responderá com flores as pedradas do presidente. Pode fazer ar de ofendido e jurar de joelhos que em momento algum pretendeu criar embaraços para Bolsonaro durante as votações das medidas de emergência que o Executivo submeteu à aprovação do Legislativo . Mas a verdade precisa ser dita com todas as letras: o presidente pode não ter, como não tem, o dom da oratória. Pode não ter habilidade para fazer caras e bocas diante das câmeras de TV para tentar, com a expressão mais cândida do mundo, esconder suas verdadeiras intenções. Mas, neste caso específico, ele está coberto de razão.
É bom repetir para que não haja dúvidas: entre a essência do que Maia tem feito e o fundamento da queixa de Bolsonaro, o presidente está certo! Ao reclamar da farra que Suas Excelências promovem com o dinheiro federal, ele não está apenas se queixando da atitude dos adversários. Ele está, em alto e bom som, denunciando os parlamentares estão o tempo todo atirando cascas de banana no caminho dele ou de qualquer outro que venha a administrar o país daqui a três anos.
ENCARGOS INDECENTES
Calma! Ninguém está acusando o Poder Legislativo e muito menos pondo em dúvida a necessidade de medidas extraordinárias para socorrer os mais vulneráveis. Também não se está reduzindo a importância de reforçar o caixa dos entes federativos neste momento em que a paralisação da economia jogou por terra a arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais. O que está sendo dito aqui com todas as letras é que, justamente por se tratar de uma emergência que não tem hora para acabar, é obrigatório redobrar os cuidados com os efeitos dessa drenagem de recursos.
Você viu?
A conta que está sendo criada agora terá que ser paga mais adiante e, como sempre acontece com os devedores imprevidentes, parecerá mais pesa do que é. Mas essa turma não se aperta. Na hora em que a conta for apresentada, a reponsabilidade será jogada sobre as mesmíssimas empresas que o Legislativo penaliza com tributos excessivos. E também sobre os mesmos trabalhadores que já estão ou ficarão sem emprego porque, num cenário de recessão como o que está vindo por aí, a carga de impostos, inclusive os encargos indecentes que pesam sobre a folha de pagamentos, se tornará obscena demais para ser suportada.
TAPINHAS NAS COSTAS
Se o que foi dito aqui ainda não está claro, convém insistir um pouco mais: a ajuda aos estados e municípios é justa, necessária e mandatória! O problema é que, na dosagem exagerada que Rodrigo Maia permitiu que ela alcançasse, pode sugar demais e fazer a fonte secar antes de irrigar a todos que precisam da água. Isso é tão óbvio que fica até difícil mencionar os exageros que vem sendo cometidos na concessão dos benefícios sem ao menos desconfiar que Maia não tenha de fato o propósito deliberado de criar dificuldades para Bolsonaro.
Também é difícil aceitar, dentro de uma Casa que diz prezar o contraditório, que tantos recursos federais sejam drenados para os estados e os municípios sem que uma única voz se erga no parlamento para pedir um pouco de moderação. Mas, não. Elevar os gastos federais sem dizer de onde sairá o dinheiro para pagar a conta tornou-se um gesto tão rotineiro que parece funcionar em modo automático. Para Maia e seus pares, criar despesas de R$ 80 bilhões, de R$ 120 bilhões ou de R$ 240 bilhões tem sido um gesto mais corriqueiro do que os tapinhas que os candidatos distribuem nas costas dos eleitores em época de campanha eleitoral.
SEM CONTRAPARTIDAS
Os números das despesas são, por si, escandalosos. Muito mais assustador, porém, é notar que os senhores deputados e senadores acham perfeitamente natural encher os cofres dos governadores e dos prefeitos sem pedir absolutamente nada em troca. Nenhuma medida de ajuste ou de contenção de despesas foi exigida em troca da generosidade. Os governadores e os prefeitos, na visão do parlamento, estão liberados até para conceder aumento de salários aos servidores públicos num momento em que as empresas e os trabalhadores formais e informais estão perdendo renda. Quem duvida que eles exercerão esse direito, por favor, levante a mão!
Houve uma ultrapassagem evidente dos limites e é justamente aí que está o xis da questão. Criar dificuldades que comprometam a saúde dos cofres públicos é um gesto que, daqui pouco mais de dois anos, pode se voltar contra os próprios adversários de Jair Bolsonaro que hoje se beneficiam delas. Usar a pandemia como pretexto para patrocinar a desordem das finanças públicas pode sim, prejudicar o governo do atual presidente e, por consequência, ser um anabolizante eleitoral para seus adversários nas próximas eleições. A mesma crise profunda que tornará improvável a reeleição de Bolsonaro, porém, imporá dificuldades monstruosas a seu sucessor.
RECEITAS EM QUEDA
Se a racionalidade e o zelo pelo dinheiro do povo não voltar a fazer parte das decisões que vêm sendo tomadas em Brasília, não apenas Bolsonaro, mas o próximo presidente não conseguirá governar. O eleito pode ser João Doria (PSD), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) ou quem quer que seja. Pode ser até o Papa Francisco, não importa. Qualquer chance de governabilidade será solapada pela drenagem exagerada do dinheiro público para estados e municípios que não se deram ao trabalho de ajustar seus gastos à realidade das receitas em queda.
Fazer política é parte das obrigações do Congresso Nacional. Mais do que isso, ver o Legislativo montar armadilhas para o Executivo é do jogo: faz parte da vida republicana desde o tempo em que Catão, o Jovem, criava dificuldades para Pompeu Magno no Senado da Roma Antiga. O grande problema é que, ao armadilhas para dificultar a vida do atual governo com a intenção de tirar proveito de sua fraqueza, os políticos estão criado dificuldades para o próximo presidente. Pode ser que neste grupo tenha gente criando dificuldades para si mesmo. Ou seja, estão matando a galinha que poderia botar os ovos que os alimentariam no futuro. E quem perde com isso é o Brasil.