A única certeza que se pode ter a respeito das manifestações convocadas para o próximo dia 15 em todo o Brasil é que, aconteça o que acontecer, não haverá vencedores. Ou, se houver, eles não estarão entre os que irão às ruas vestidos de amarelo nem entre seus adversários, que usam camisetas vermelhas para se manifestar. Os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro , à direita, cantarão vitória e dirão que as manifestações mostraram sua força. Seus adversários, à esquerda, certamente encontrarão motivos para apontar o fracasso do movimento.

Ao contrário de manifestações do passado, a do próximo dia 15 não ampliará o apoio à causa que defende
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Ao contrário de manifestações do passado, a do próximo dia 15 não ampliará o apoio à causa que defende

Quando as bandeiras forem recolhidas e o silêncio retornar às ruas, porém, nenhum dos lados terá um apoiador a mais do que tinha na véspera. Manifestações como esta, marcada para o próximo domingo, não têm o poder de aumentar a adesão a uma causa, mas apenas de demonstrar força. E, se esse é o limite, o único efeito prático da ação será o de gerar uma reação igual e contrária do lado dos adversários. E assim, o clima de confronto que tomou conta da política brasileira desde o início da era do “nós contra eles” (que, convenhamos, não é uma invenção de Bolsonaro) continuará inflamado. E a única sensação que aumentará, cá entre nós, será a de cansaço diante do clima de enfrentamento estéril que tem dominado a cena política brasileira. Será que esse pessoal não se deu conta de que está se deixando levar por um papo que já não deu?

A paciência das pessoas comuns com um lado e com o outro com esse tipo de manifestação é cada vez menor — e a reação dos eleitores do centro, que são os que realmente decidem os pleitos, cada vez menos interessada. Ninguém que não pertença a um dos dois grupos em conflito permanente suporta mais abrir as redes sociais para testemunhar a troca de agressões entre “bolsominions” e “esquerdopatas”. O que as pessoas que não estão de um lado nem do outro e que são a maioria da população brasileira deseja não é saber quem criou o atoleiro, mas como o país vai sair da lama. O político que se der conta disso terá uma chance enorme de conquistar o coração do eleitorado nas próximas eleições.

A VEZ DO CENTRO

A necessidade das reformas estruturais de que o Brasil necessita para encontrar o caminho do crescimento foi comprovada pelo resultado medíocre do PIB de 2019. A expansão de apenas 1,1% numa economia que desde 2014 vem perdendo vigor, mostra apenas que a situação segue a mesma de antes. O crescimento necessário não virá com o fechamento do Congresso , como imaginam os apoiadores mais exaltados e menos sagazes das manifestações do dia 15.

Ela virá no momento em que Bolsonaro propuser uma estratégia tão poderosa que não encontrará adversários capazes de derrotá-la. Foi assim, apenas para buscar um exemplo do passado, com o Plano Real, 25 anos atrás. Por mais adversários que seus formuladores tivessem e por mais eriçados que estivessem os ânimos de uma sociedade cansada de testemunhar o fracasso de um plano de estabilização após o outro, o Real recebeu um apoio popular foi tão amplo e legítimo que os adversários se viram obrigados a se render às evidências.

Se quiser ampliar seu prestígio para além dos que estão dispostos a carregar cartazes com seu nome no dia 15, Bolsonaro precisa de um pacote de reformas que seja claro e poderoso como foi o Real. Sim, ainda dá tempo de elaborar algo menos improvisado do que se viu até agora. O que determinou a opção por Bolsonaro em 2018 não foi, como acreditam alguns, a súbita guinada do eleitor brasileiro para a direita, depois passar quatro pleitos escolhendo candidatos da esquerda.

A eleição de Bolsonaro se explica pela habilidade que teve em fazer o país acreditar que, em suas mãos, a economia cresceria, o desemprego cairia, a corrupção acabaria e a prosperidade seria novamente possível. Se conseguir, nos próximos meses, mostrar que ainda é capaz de colocar o país para andar nessa direção, as  chances de ficar mais quatro anos no Planalto depois de 2022 são consideráveis. Se não conseguir, o povo fará exatamente o que fez quando rejeitou o discurso da esquerda e o elegeu presidente: encontrará outro para colocar no lugar do que não deu certo.

A pergunta é: quem? O mais provável é que o cansaço com o clima de confronto mostre ao eleitor que a virtude, parafraseando o escritor João Guimarães Rosa, não está na saída nem na chegada — mas no meio da travessia. Ou, no caso específico das próximas eleições, que ela não está na direita nem na esquerda, mas no centro. Voltando a insistir: mas, qual é o nome? Entre os que já estão postos no cenário, as chances maiores são as do governador de São Paulo, João Doria . Também surgem na raia o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes e o apresentador de TV Luciano Huck . Muita coisa pode mudar até 2022... mas é pouco provável que mudem a ponto de incluir na disputa algum nome que tenha chances reais de vitória e não esteja nesta lista.

ALVO EQUIVOCADO

Você viu?

Não! Aqui não tem ninguém fazendo a defesa de nenhum dos políticos mencionados. O que está sendo dito com todas as letras é que, por insistência num modelo de confronto que não agrega forças nem atrai simpatias, o embate entre a direita e a esquerda já chegou a seu limite. As manifestações do dia 15, embora legítimas num ambiente democrático como é do Brasil, são inoportunas, miram um alvo equivocado e podem significar um tiro no pé de quem as convocou.

Bolsonaro depende das reformas para sobreviver politicamente e não será imprensando o Congresso Nacional contra a parede que ele conseguirá aprová-las. O mesmo se aplica ao Supremo Tribunal Federal. O maior risco que esse tipo de provocação oferece é o de tornar essas instituições mais hostis não a Bolsonaro, mas às reformas que o governo precisa por para andar.

Quando se diz que não haverá vencedores no dia 15, não se está dizendo que as manifestações não renderão assunto nem tornarão o ambiente das redes sociais mais inflamado nos dias seguintes. Isso é do jogo . As praças das principais cidades deverão, no domingo, ficar repletas de pessoas vestidas de amarelo, gritando palavras de ordem em apoio a Bolsonaro. Isso também é do jogo. Mas ele já teve ao longo de 2019 manifestações de apoio semelhantes e elas não foram suficientes para tornar o ambiente político mais favorável a ele. Se não deu certo antes, por que daria agora?

CABEÇA DE BACALHAU

Será difícil encontrar no meio da multidão um único eleitor que já não tenha apoiado Bolsonaro desde o primeiro turno, em 2018. Da mesma forma, é quase impossível encontrar entre os críticos do governo, alguém que na eleição passada, depois de ter aderido a sua candidatura desde o primeiro momento, tenha se convencido de que o presidente tem, de fato, os defeitos que os adversários lhe atribuem. Encontrar esse tipo de pessoa no meio das manifestações será tão difícil quanto, só para recordar a velha piada sobre fatos improváveis, ver uma cabeça de bacalhau.

Tudo bem. O papel das manifestações do dia 15 e dos atos que certamente virão em resposta a elas talvez não seja o de buscar a ampliação do apoio a um lado a outro. Elas se prestarão, no máximo, a manter inflamados os ânimos de quem já milita em cada um dos lados. Mas não agregarão um grama de apoio ao que cada um dos lados já tem. A pergunta óbvia é: se é para manter tudo igual ao que está aí, por que submeter o país ao desgaste de mais uma manifestação incapaz de gerar qualquer efeito prático? Não seria o momento de investir nas reformas? 

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