São duas crises graves, que atingem pontos sensíveis da sociedade e representam ameaças reais para os cidadãos. A solução para ambas virá com mais facilidade na medida em que houver uma articulação mais desimpedida entre as autoridades de Brasília e governadores que não se alinham automaticamente com as propostas do governo federal. A primeira dessas crises atinge a segurança no Ceará , estado governado por Camilo Santana , do PT. A segunda crise se manifestou em São Paulo, estado governado pelo tucano João Doria, com a confirmação do primeiro caso de infecção pelo Coronavírus no Brasil.
À primeira vista, um caso de saúde pública de origem internacional que, segundo a Organização Mundial da Saúde , já alcança 50 países não tem qualquer relação com uma crise interna de segurança. O ponto que as coloca no mesmo saco, porém, não é a natureza de cada uma, mas a forma que cada um dos governos estaduais envolvidos escolheu para lidar com elas. O que se discute, no caso, é a confusão que alguns governantes costumam fazer entre seus objetivos políticos e os interesses da população — e nesse ponto, convenhamos, São Paulo vem dando uma sinalização positiva para a população enquanto o Ceará, francamente... não ensinou nada de útil a ninguém. Vamos por partes.
COMPROMETIMENTO DA ORDEM PÚBLICA
Os policiais cearenses se amotinaram há mais de dez dias e deram início a uma greve ilegal, abusiva e violenta. E para conseguir um aumento que ultrapassa a capacidade de pagamento do estado, chantageiam o governo mantendo a população sob ameaça. Se em circunstâncias normais a segurança no Ceará já não serve de exemplo para nenhum estado do país, com o movimento ilegal dos policiais, então, a situação ficou insustentável. A greve tem permitido que os criminosos locais ajam com uma desenvoltura superior à habitual: desde o início do movimento ilegal, mais de 170 pessoas foram assassinadas no Ceará. A temperatura da crise talvez não alcançasse o ponto que alcançou caso Camilo Santana tivesse desde o primeiro momento pedido ajuda a Brasília.
Sim! A iniciativa de pedir ajuda deveria ter partido dele e não do ministro da Justiça, Sérgio Moro ou de qualquer outra autoridade federal! A Constituição de 1988, em seu artigo 34, inclui o “grave comprometimento da ordem pública” entre as causas que justificam uma intervenção federal nos estados. Mas diz que isso só poderá ser feito mediante solicitação do estado, por meio de seu poder Executivo ou Legislativo. A intervenção também pode se dar em cumprimento a uma ordem do Supremo Tribunal Federal.
Se, portanto, o governo Federal não tomou providências para prevenir o conflito no caso específico da crise no Ceará, não foi por falta de vontade nem por descaso com a população. Foi única e tão somente porque a medida seria ilegal. Foi preciso que o destrambelhado senador licenciado Cid Gomes , do PDT, resolveu transformar uma retroescavadeira em palanque eleitoral para que o estado pedisse uma ajuda que poderia ter chegado dias antes. Gomes investiu contra o piquete e, do meio do grupo de amotinados, alguém tão destrambelhado quanto disparou os tiros que o atingiram.
O irmão mais novo de Ciro Gomes foi levado ao hospital e, antes que a situação piorasse, o governo estadual resolveu se mexer. E não teve outro caminho senão pedir ajuda a um governo federal com o qual, desde janeiro do ano passado, jamais foi capaz de manter um diálogo civilizado.
RESPOSTA IMEDIATA
Discutir de quem é a responsabilidade pelas desavenças políticas que existem entre Fortaleza e Brasília é tão inócuo quanto discutir se o ovo surgiu antes ou depois da galinha. O episódio, de qualquer forma, deixa evidente que determinadas situações exigem que se ponha de lado as picuinhas pueris e estéreis que nos últimos anos transformaram os apoiadores do PT em inimigos figadais do presidente Jair Bolsonaro. A segurança da população é uma dessas situações. O governo do Ceará, que mesmo sendo do PT demonstra uma proximidade quase servil à família Gomes, abrigada no PDT, não precisava ter permitido que a situação chegasse ao ponto em chegou apenas para se manter distante do governo Bolsonaro. Quando pediu, recebeu.
Você viu?
Logo que o pedido de auxílio chegou às mesas do ministro da Justiça, Sérgio Moro , e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo , foi editado um decreto de Garantia da Lei e da Ordem autorizando o envio para Fortaleza de 300 homens da Força Nacional de Segurança. O governo também autorizou o uso de militares das Forças Armadas no Estado. O governador Santana já anunciou que pedirá que o apoio das tropas federais, previsto para durar até a sexta-feira, dia 28, seja estendido para além desse prazo.
No caso da ação do governo de São Paulo para tomar providências para evitar ou pelo menos dificultar uma epidemia causada pelo Coronavírus, o que se viu foi a rapidez com que os dois lados — tanto o governo federal quanto o governo estadual — se entenderam na busca de ações conjuntas: nenhum quis jogar na conta do outro a responsabilidade pela solução de um problema que pode custar vidas e trazer prejuízos para todo mundo.
Tão logo o Hospital Albert Einstein se deu conta de que um paciente atendido em seu serviço de emergência estava infectado, levou o caso ao conhecimento das autoridades de saúde do governo Estadual. O Instituto Adolfo Lutz confirmou o diagnóstico e, a partir daí, a Secretaria de Saúde pôs em marcha as medidas que os protocolos internacionais recomendam para casos de ameaça de epidemia. E procurou o apoio do governo federal para logo tomar as providências.
PICUINHAS ELEITORAIS
O governador João Doria não pensou nas divergências que eventualmente possa ter com o presidente Jair Bolsonaro na hora de pedir ajuda nem o ministro Luiz Henrique Mandetta quis fazer pirraça na hora de responder. Assim que foi acionado, o governo se pôs a tomar as providências de sua alçada. Tanto assim que a primeira entrevista coletiva sobre o tema não foi dada em São Paulo — onde o caso foi diagnosticado.
Como aconselha a hierarquia entre os entes federados, o secretário estadual de saúde, José Henrique Germann, a pedido de Doria, foi a Brasília discutir o assunto com Mandetta. Que logo no dia seguinte foi a São Paulo se inteirar de mais detalhes sobre o assunto e tomar outras providências conjuntas.
Ninguém está querendo dizer, aqui, que o problema do Coronavírus está resolvido nem que o risco de epidemia foi contido pelas providências anunciadas. Longe disso: assim que o primeiro caso foi diagnosticado teve início a um trabalho de rastreamento e identificação de pessoas que possam ter tido contato com eles. Somados a pessoas que possam ter sido contaminadas por outros meios, existiam na tarde de quinta-feira, dia 27 de fevereiro, em todo país cerca de 300 pessoas sob observação. A maioria se concentra em São Paulo.
O que se pretende mostrar é a disposição de passar por cima de qualquer desentendimento que possa existir entre os palácios da Alvorada e dos Bandeirantes e buscar uma solução conjunta para um problema que pode afetar toda a população. Isso está acima de qualquer ideologia ou de qualquer ressentimento político.
Em tempo: a ação conjunta e bem orientada que os dois governos levaram adiante para lidar com uma ameaça real à população não porá fim às divergências de natureza meramente eleitoral que eventualmente possam existir entre eles é. Bolsonaro, João Doria, Ciro Gomes e mais alguém das fileiras do PT, tudo indica, se encontrarão nas urnas na disputa eleitoral de 2022. É natural que as discussões entre eles tendem a subir de tom nos próximos meses. No Brasil, os políticos já tomam posse pensando nas eleições seguintes — o que em nada contribui para a boa qualidade da administração pública.
Enquanto a campanha eleitoral não começa oficialmente, no entanto, é bom que nenhum deles se esqueça de que a população está mais preocupada com o próprio bem estar do que com as eventuais picuinhas que dividem seus apoiadores. Uma boa gestão costuma ter consequências eleitorais muito mais positivas do que qualquer bate boca em torno de posições políticas divergentes.